Artrite gotosa: diagnóstico e tratamento na atenção primária

Artrite gotosa: diagnóstico e tratamento na atenção primária

A artrite gotosa (gota) é uma artrite inflamatória aguda causada pela deposição de cristais de urato monossódico nas articulações, com apresentação típica em episódios intermitentes de dor intensa e inflamação. O médico de atenção primária deve identificar rapidamente um quadro agudo, confirmar a suspeita quando possível e orientar medidas para prevenir recorrências e dano articular crônico.

Artrite gotosa: fisiopatologia e fatores de risco

A base da doença é a hiperuricemia persistente, que favorece a cristalização do ácido úrico nas articulações e tecidos. Entre os fatores de risco destacam-se sexo masculino, idade avançada, insuficiência renal crônica, obesidade, uso de diuréticos tiazídicos e consumo excessivo de álcool e alimentos ricos em purinas. A presença de podagra (inflamação da primeira articulação metatarsofalangeana) é um sinal clássico que aumenta a probabilidade diagnóstica.

É importante lembrar que nem toda hiperuricemia cursa com artrite gotosa; fatores inflamatórios locais e picos de ácido úrico frequentemente precipitam a crise.

Artrite gotosa: manifestações clínicas

A apresentação usual é uma monoartrite de início súbito, com dor intensa, edema, calor e rubor local. Além da podagra, tornozelos, joelhos e pequenas articulações podem ser acometidos. Crises podem ser desencadeadas por trauma articular, desidratação, cirurgia, jejum prolongado ou ingestão de alimentos ricos em purinas.

Artrite gotosa: diagnóstico na prática clínica

O padrão-ouro para diagnóstico é a identificação de cristais de urato monossódico em líquido sinovial obtido por artrocentese; portanto, quando houver disponibilidade e habilidade, a punção articular deve ser realizada para confirmação. Na ausência de punção, a combinação de quadro clínico típico, história de episódios compatíveis e níveis séricos de ácido úrico pode guiar o diagnóstico inicial, lembrando que o ácido úrico pode estar normal durante a crise.

Exames auxiliares como radiografia simples podem mostrar erosões em doença crônica, mas têm baixa sensibilidade no episódio agudo. Em serviços com acesso, ultrassom articular pode identificar sinal de turbilhonamento e depósito de cristais (sinal do “double contour”).

Investigações complementares e quando encaminhar

  • Artrocentese para análise cristalográfica sempre que possível;
  • Dosagem de ácido úrico sérico para acompanhamento, não como único dado diagnóstico;
  • Avaliação de função renal e perfil metabólico (glicemia, lipídios) para identificar comorbidades;
  • Encaminhar ao reumatologista em suspeita de gota tofácea, poliartrite crônica ou quando houver dúvida diagnóstica.

Artrite gotosa: tratamento agudo

O objetivo imediato é controlar a dor e a inflamação. Opções na atenção primária incluem:

  • AINEs (por exemplo, naproxeno, ibuprofeno ou indometacina) quando não houver contraindicação renal ou risco cardiovascular;
  • Corticosteroides sistêmicos ou intra-articulares (prednisona ou injeção intra-articular) se AINEs forem contraindicados ou ineficazes;
  • Colchicina em doses ajustadas para início rápido de sintomas, com atenção aos efeitos gastrointestinais e interações medicamentosas.

Interromper ou manter terapia uricosúrica durante a crise deve ser avaliado caso a caso; em geral, não se interrompe tratamento para hiperuricemia iniciado anteriormente, a menos que haja indicação clínica para suspensão.

Artrite gotosa: prevenção de recorrência e tratamento intercrítico

Medidas não farmacológicas são centrais: perda de peso em pacientes com obesidade, redução do consumo de bebidas alcoólicas (especialmente cerveja), limitação de alimentos muito ricos em purinas e hidratação adequada. Orientações sobre dieta e hábitos podem ser complementadas por estratégias de alimentação anti-inflamatória (nutrição anti-inflamatória), que auxiliam na redução de fatores metabólicos associados.

Para pacientes com crises recorrentes, presença de tofos, nefrolitíase por urato ou hiperuricemia sintomática persistente, iniciar terapia redutora de ácido úrico é indicado. Os principais fármacos são:

  • Inibidores da xantina oxidase (alopurinol, febuxostate) para reduzir a produção de ácido úrico;
  • Uricosúricos (probenecida) para aumentar excreção renal em pacientes adequados;
  • Avaliar riscos de interações e ajustar doses em insuficiência renal.

Antes de prescrever alopurinol, considerar avaliação de risco para reações cutâneas graves, especialmente em populações com risco para HLA-B*5801; práticas de farmacogenômica podem apoiar decisões terapêuticas e reduzir eventos adversos (integração da farmacogenômica).

Artrite gotosa em idosos: atenção à polifarmácia

Idosos frequentemente apresentam múltiplas comorbidades e uso de diuréticos ou outros fármacos que elevam o risco de crise. Revisão de medicamentos e estratégias para reduzir polifarmácia são essenciais para prevenção de recorrências e queda de eventos adversos (manejo da polifarmácia e prevenção de quedas).

Referências e recursos práticos

Para atualização e suporte na conduta clínica, consulte fontes de referência e guias especializados: um resumo abrangente sobre emergências reumatológicas e a identificação de cristais está disponível em publicações de sociedades e portais médicos (SECAD / Artmed). Revisões práticas sobre fisiopatologia, diagnóstico e tratamento podem ser encontradas em análises clínicas (Sanarmed) e em materiais de educação para pacientes sobre modificações alimentares e intervenções não farmacológicas (Articulações).

Plano de ação na atenção primária

  • Identificar sinais típicos (podagra, monoartrite de início súbito) e realizar artrocentese quando possível para confirmação;
  • Avaliar indicação de terapia redutora de ácido úrico em pacientes com recorrência, tofos ou nefrolitíase e monitorizar função renal e ácido úrico sérico;
  • Rever medicações que favoreçam hiperuricemia e atuar sobre estilo de vida, dieta e comorbidades, contando com suporte de educação em saúde.

Com diagnóstico precoce, manejo adequado da crise e estratégias de prevenção, é possível reduzir a frequência das crises, preservar função articular e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com artrite gotosa. Para casos complexos ou quando houver dúvidas diagnósticas, o encaminhamento a reumatologia é recomendado.

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