Estratificação de risco cardiovascular na atenção primária
Introdução
Como identificar o paciente que mais se beneficiará de intervenção preventiva intensiva na atenção primária à saúde? A estratificação de risco cardiovascular responde a essa pergunta ao transformar fatores de risco individuais em uma estimativa de risco absoluto — geralmente o risco de evento cardiovascular em 10 anos — e orientar decisões clínicas e políticas de cuidado. No Brasil, a recomendação é avaliar pessoas entre 40 e 74 anos anualmente, integrando esse processo ao fluxo da unidade básica.
Por que estratificar o risco na atenção primária?
A estratificação permite priorizar recursos e personalizar intervenções: pacientes de alto risco demandam metas terapêuticas e seguimento mais intensos, enquanto aqueles de baixo risco podem receber foco em medidas de estilo de vida e monitorização. Em estudo realizado em unidades básicas, entre 51 pacientes avaliados, 43,1% foram classificados como baixo risco, 41,2% moderado e 15,7% alto risco, ilustrando como a estratificação orienta estratégias distintas de cuidado (fonte: pesquisa em unidade básica).
Benefícios esperados
- Melhor direcionamento de terapias farmacológicas (por exemplo, estatinas e anti-hipertensivos)
- Redução de mortalidade por doenças cardiovasculares quando comparado ao controle apenas de um fator isolado
- Otimização do acompanhamento e da prevenção primária na população alvo
Ferramentas e variáveis essenciais
As ferramentas de risco combinam variáveis clínicas para estimar o risco absoluto. Entre as variáveis básicas estão: idade, sexo, tabagismo, pressão arterial, dislipidemia, diabetes e história familiar. O Escore de Framingham é uma das ferramentas amplamente utilizadas para estimar risco em 10 anos e pode ser aplicada na prática clínica da atenção primária para orientar decisões terapêuticas.
Passo a passo prático na UBS
- Registrar histórico: tabagismo, uso de medicações, história familiar precoce de doença cardiovascular.
- Medidas objetivas: aferição de pressão arterial padronizada, peso e circunferência abdominal.
- Exames laboratoriais: perfil lipídico, glicemia/HbA1c, creatinina quando indicado.
- Calcular risco com ferramenta validada (ex.: Escore de Framingham) e classificar em baixo, moderado ou alto risco.
- Documentar estratificação no prontuário e definir plano (metas, intervalo de acompanhamento, educação em saúde).
Da estratificação à decisão terapêutica
A informação do risco absoluto deve ser usada para orientar intervenções escalonadas. Exemplos práticos:
- Paciente de alto risco: considerar terapia farmacológica precoce (estatina quando houver dislipidemia significativa) e metas de pressão arterial e LDL mais agressivas, além de encaminhamento para acompanhamento multiprofissional.
- Paciente de moderado risco: intensificar intervenções em estilo de vida (cessação tabágica, atividade física, orientação nutricional) e reavaliar objetivos lipídicos e pressóricos; considerar tratamento farmacológico conforme presença de fatores adicionais.
- Paciente de baixo risco: foco em prevenção primária com mudanças no estilo de vida e monitorização periódica.
Para integração às práticas de manejo clínico, é útil alinhar o plano com diretrizes locais — por exemplo, as metas de dislipidemia e a organização do cuidado para hipertensão — e integrar educação e adesão terapêutica como parte do seguimento. Consulte recomendações práticas sobre dislipidemia e metas terapêuticas para fundamentar decisões específicas.
Integração com programas e fluxos da atenção primária
Na prática, a estratificação deve estar embutida na rotina das unidades: triagem anual para 40–74 anos, registro eletrônico do risco, protocolos de encaminhamento e revisões periódicas das metas. Ferramentas de coordenação (planos de cuidado, agendas de retorno baseadas no risco) aumentam a efetividade das ações preventivas.
Exemplos de ações coordenadas
- Encaminhamento para programas de reabilitação cardiovascular ambulatorial quando indicado após evento ou para prevenção secundária.
- Colaboração com equipes de manejo de diabetes e hipertensão para metas compartilhadas.
- Ações de promoção à saúde comunitária visando cessação tabágica e atividade física.
Recursos e evidências
Documentos e pesquisas nacionais reforçam a política de estratificação e cuidados integrados. A estratificação como ferramenta de priorização é enfatizada em estudos realizados em unidades básicas e em documentos estratégicos de enfrentamento das DCNT, que orientam a operacionalização na atenção primária. A recomendação de avaliar anualmente pessoas entre 40 e 74 anos vem sendo adotada nas práticas locais e políticas de saúde.
Para aprofundamento e referência:
- Estudo de avaliação em unidade básica que relatou a distribuição de riscos: detalhes disponíveis no repositório institucional da Universidade de Brasília (bdm.unb.br).
- Análise sobre impacto da estratificação na mortalidade cardiovascular disponível em periódico da UNB (periodicos.unb.br).
- Recomendações de política pública no contexto brasileiro e operacionalização na atenção primária consultáveis em documento local de gestão (participemais.prefeitura.sp.gov.br).
Aplicações práticas e links úteis do blog
Para facilitar a implementação na rotina da UBS e a tomada de decisão clínica, consulte materiais práticos do nosso blog relacionados ao manejo integrado dos principais fatores de risco:
- Dislipidemia: metas, diagnóstico e terapias — orientações para definir metas lipídicas a partir do risco.
- Manejo do diabetes tipo 2 na atenção primária — integração do controle glicêmico na avaliação do risco cardiometabólico.
- Abordagem da hipertensão em pacientes com comorbidades — como adaptar metas pressóricas segundo risco e comorbidades.
- Reabilitação cardiovascular ambulatorial — integração da reabilitação no cuidado preventivo e secundário.
Fechamento e insights práticos
Na atenção primária, a estratificação de risco cardiovascular é mais do que um cálculo: é um processo clínico e organizacional que guia priorização, metas terapêuticas e a intensidade do acompanhamento. Adote um fluxo local que inclua triagem anual para 40–74 anos, uso de ferramenta validada (como o Escore de Framingham), documentação no prontuário e planos de cuidado personalizados. Integrar orientação em estilo de vida, adesão medicamentosa e encaminhamentos estruturados maximiza a chance de reduzir eventos cardiovasculares na população assistida.
Para implementação imediata: padronize a coleta de dados na triagem, incorpore o cálculo de risco em protocolos eletrônicos e combine estratégias farmacológicas e não farmacológicas segundo o estrato de risco. Isso transforma dados em ação e melhora desfechos na atenção primária.