Microbioma uterino e fertilidade: diagnóstico e manejo clínico
O microbioma uterino emergiu como um fator importante na saúde reprodutiva feminina. Alterações na comunidade microbiana endometrial podem influenciar a implantação embrionária, a manutenção da gestação e os desfechos em tratamentos de reprodução assistida. Este texto sintetiza evidências atuais e traz recomendações práticas para avaliação e manejo no contexto clínico.
Microbioma uterino e impacto na fertilidade
Estudos mostram que um endométrio predominantemente colonizado por Lactobacillus tende a estar associado a melhores taxas de implantação e gravidez. Por outro lado, a disbiose — com presença de bactérias anaeróbias ou patógenas — tem sido relacionada a falhas de implantação, abortos espontâneos recorrentes e endometrite crônica. Em pacientes submetidas à fertilização in vitro (FIV), a composição microbiana endometrial pode alterar a probabilidade de sucesso: pesquisas apontam correlação entre determinados perfis bacterianos e resultados de FIV, o que reforça a necessidade de avaliação direcionada antes da tentativa de transferência embrionária (estudo Igenomix sobre FIV).
Fatores associados e manifestações clínicas
Disbiose uterina pode ocorrer isoladamente ou em associação com alterações na microbiota vaginal, infecções do trato geniturinário e condições sistêmicas como obesidade. Um estudo avaliou interações entre bactérias do trato digestivo e reprodutivo em mulheres inférteis com obesidade, sugerindo que alterações metabólicas e inflamatórias podem modular o ambiente endometrial (Igenomix).
Clinicamente, pacientes podem apresentar história de falhas de implantação, abortos de repetição ou sintomas discretos de inflamação pélvica. A endometrite crônica, frequentemente subdiagnosticada, é uma causa tratável de infertilidade quando identificada corretamente.
Diagnóstico: sequenciamento de nova geração (NGS) e PCR
As técnicas diagnósticas mais utilizadas hoje incluem sequenciamento de nova geração para perfil taxonômico amplo e PCR direcionada para detectar patógenos específicos. O NGS permite identificar a composição microbiana e estimar a dominância de Lactobacillus versus perfis polimicrobianos. A PCR tem papel na confirmação de agentes como Mycoplasma, Ureaplasma e outros microrganismos implicados em endometrites.
Coleta e interpretação
A amostra endometrial deve ser coletada com técnica asséptica, evitando contaminação vaginal. A interpretação deve integrar achados microbiológicos, histórico reprodutivo e exames complementares — por exemplo, histologia endometrial quando há suspeita de endometrite crônica. Relatórios que classificam o perfil como “dominância por Lactobacillus” versus “perfil não-Lactobacillus/polimicrobiano” são úteis para tomada de decisão clínica.
Manejo clínico: antibioticoterapia, probióticos e medidas adjuvantes
O tratamento deve ser individualizado. Em presença de patógenos específicos ou sinais inflamatórios, antibioticoterapia direcionada é indicada, preferencialmente guiada por cultura ou PCR quando possível. Para restabelecer um ambiente propício à implantação, estratégias complementares incluem suplementação com probióticos contendo cepas de Lactobacillus, modificações dietéticas e controle de fatores metabólicos e inflamatórios.
Ainda que haja evidências emergentes sobre o uso de probióticos para restauração da microbiota genital, os protocolos (cepas, doses e duração) variam entre estudos. Em cenários de reprodução assistida, discutir a janela terapêutica — por exemplo, tratamento prévio à transferência embrionária — é essencial.
Integração com outras áreas
Vale considerar a interação entre microbiota vaginal e urinária ao avaliar infertilidade. Avaliações integradas são úteis em pacientes com infecções urinárias recorrentes ou sintomas geniturinários (microbioma urinário e infecções recorrentes). A atenção à microbiota vaginal também é relevante para prevenção de recidivas e para decisões sobre lavagem endometrial ou uso de antibióticos tópicos (microbiota vaginal: impacto e cuidados).
Evidências, leituras recomendadas e implicações práticas
Para quem busca aprofundar, há sínteses acessíveis que explicam o papel do microbioma endometrial na saúde da mulher e orientam condutas práticas (artigo de revisão). Além disso, compreender as relações entre microbioma intestinal, estado metabólico e fertilidade pode ampliar estratégias terapêuticas integradas (microbioma intestinal e impacto no manejo).
Na prática clínica, recomenda-se:
- Considerar avaliação do perfil endometrial por NGS ou PCR em casos de falhas de implantação ou abortos de repetição.
- Tratar patógenos específicos com antibioticoterapia direcionada e, quando indicado, associar probióticos para restauração da flora.
- Avaliar fatores associados (obesidade, alterações metabólicas, infecções vaginais ou urinárias) que podem perpetuar a disbiose.
- Discutir com pacientes os limites das evidências e individualizar o plano terapêutico, especialmente em ciclos de reprodução assistida.
Microbioma uterino na prática clínica: mensagem final
O microbioma uterino é um componente relevante da equação da fertilidade. Diagnóstico por NGS e PCR e intervenções dirigidas — quando bem indicadas — podem melhorar as chances de implantação e gravidez em pacientes selecionadas. Integrar avaliação microbiológica com manejo metabólico, estilo de vida e suporte em reprodução assistida promove um cuidado mais personalizado e baseado em evidências.
Fontes selecionadas: artigos e comunicados científicos usados na discussão: Igenomix sobre FIV (link), Igenomix sobre microbiota e obesidade (link) e revisão didática sobre microbioma endometrial (link).