O que é neuropatia de pequenas fibras: diagnóstico e manejo para profissionais
Neuropatia de pequenas fibras (NPF) é uma condição neurológica que acomete predominantemente as fibras Aδ e C, responsáveis pela percepção de dor, temperatura e por fibras autonômicas finas. Embora possa coexistir com neuropatias de grandes fibras, a NPF frequentemente cursa com dor neuropática e com estudos de condução nervosa (ECN/NCS) normais, o que torna o reconhecimento clínico e o emprego de exames complementares essenciais para a confirmação diagnóstica e manejo adequado.
O que é neuropatia de pequenas fibras?
As pequenas fibras nervosas incluem as fibras mielinizadas Aδ e as não mielinizadas C. A perda ou disfunção dessas fibras causa sintomas sensitivos (queimação, formigamento, alodinia) e comprometimento autonômico (sudorese alterada, tontura ortostática, distúrbios gastrointestinais). A NPF pode ser idiopática ou secundária a condições como diabetes mellitus, doenças autoimunes, infecções (HIV, hepatites), exposições tóxicas, efeitos de quimioterápicos e deficiências nutricionais (por exemplo, vitamina B12).
Fisiopatologia resumida
- Perda ou disfunção das fibras Aδ e C na pele e nervos distais, frequentemente refletida pela redução da densidade intraepidérmica de fibras nervosas (IENFD).
- Comprometimento autonômico em diversos órgãos, causando sintomas como hipotensão postural, alterações sudomotoras e dismotilidade gastrointestinal.
- Quadro clínico caracterizado por dor neuropática com características de queimação, choque ou formigamento, e sinais sensitivos positivos ou negativos.
Manifestações clínicas e impacto na qualidade de vida
A apresentação é heterogênea: muitos pacientes relatam dor distal, simétrica, iniciando nos pés e progredindo em “meia” e, eventualmente, nas mãos. A presença de alodinia, hiperestesia térmica e alterações autonômicas costuma piorar a qualidade de vida e dificultar a funcionalidade diária. Avaliar o padrão, a intensidade da dor e fatores que agravam ou aliviam é fundamental para diferenciar NPF de outras causas de dor crônica.
Abordagem diagnóstica: biópsia de pele, QST e exames complementares
A suspeita clínica deve orientar a solicitação de exames confirmatórios quando disponíveis. Em pacientes com dor neuropática e ECN/NCS normal, investigue NPF com testes específicos.
Biópsia de pele (IENFD)
A biópsia de pele para avaliação da densidade intraepidérmica de fibras nervosas (IENFD) é o padrão-ouro para confirmar perda de pequenas fibras. A amostra é normalmente obtida no terço distal da perna (10 cm proximal ao maléolo lateral). Valores abaixo dos limiares de referência sustentam o diagnóstico.
Teste sensorial quantitativo (QST) e testes autonômicos
O QST avalia limiares para dor térmica e dolorosa por métodos padronizados e pode demonstrar disfunção de fibras pequenas, embora sua interpretação dependa de padronização e experiência do laboratório. Testes autonômicos, como o QSART (quantitative sudomotor axon reflex test) e avaliação da pressão arterial ortostática, ajudam a documentar comprometimento autonômico.
Condução nervosa (ECN/NCS) e exames complementares
Estudos de condução nervosa e EMG costumam estar normais na NPF; alterações sugerem envolvimento de grandes fibras ou neuropatia mista. A investigação etiológica deve incluir exames laboratoriais para detectar diabetes mellitus, glicemia de jejum/HbA1c, vitamina B12, função tireoidiana, sorologias (HIV, hepatites) e autoimunidade quando indicado.
Como conduzir o diagnóstico na prática clínica
- História detalhada: início, distribuição e qualidade da dor, fatores agravantes, sintomas autonômicos e histórico de doenças como diabetes ou uso de quimioterapia.
- Exame neurológico focado em sensibilidade térmica e por picada, além de testes de reflexo e força para avaliar envolvimento de grandes fibras.
- Solicitar biópsia de pele (IENFD) e QST quando a suspeita clínica for alta e houver disponibilidade; encaminhar ao serviço de neurologia ou unidade especializada quando necessário.
Tratamento: controle da etiologia, tratamento farmacológico e terapias não farmacológicas
O manejo é multimodal e deve priorizar a identificação e correção de causas tratáveis.
Controle da etiologia
- Diabetes mellitus: otimização do controle glicêmico reduz risco de progressão; integrar metas glicêmicas individualizadas conforme diretrizes.
- Correção de deficiências nutricionais (vitamina B12, ácido fólico) e suspensão/ajuste de agentes neurotóxicos quando possível.
- Tratamento de condições autoimunes ou infecciosas de base com especialistas (imunoterapia quando indicada).
Tratamento farmacológico para dor neuropática
- Duloxetina (dose usual 60 mg/dia) é efetiva para dor neuropática periférica, incluindo neuropatia diabética.
- Amitriptilina ou nortriptilina: eficazes, com atenção a efeitos anticolinérgicos em idosos.
- Gabapentinoides (gabapentina, pregabalina): amplamente utilizados; ajustar a dose em insuficiência renal.
- Lidocaína tópica 5% e capsaicina tópica (8% para aplicação controlada) para dor localizada.
- Opioides e analgésicos atípicos (tramadol, tapentadol) somente em casos refratários e com monitoramento rigoroso.
A escolha do fármaco deve considerar comorbidades, interações e impacto na qualidade de vida. Combine estratégias farmacológicas e não farmacológicas para melhores resultados.
Intervenções não farmacológicas
- Programa de exercício físico e reabilitação para melhorar função e tolerância ao esforço.
- Terapia cognitivo-comportamental para manejo da dor crônica e adesão terapêutica.
- Educação do paciente: cuidado com os pés, prevenção de lesões e autocontrole glicêmico quando indicado.
Para leitura complementar sobre manejo da dor crônica musculoesquelética e estratégias integradas, consulte o conteúdo sobre dor crônica musculoesquelética. Para integração das metas de controle glicêmico ao manejo da neuropatia, veja também diabetes tipo 2 metas e tratamento, que podem orientar intervenções em pacientes com neuropatia diabética.
Recomendações práticas para o clínico
Vigie a possibilidade de neuropatia de pequenas fibras em pacientes com dor neuropática distal e ECN/NCS normal. Utilize a biópsia de pele (IENFD) e o QST para confirmação sempre que disponível. Priorize a investigação de causas tratáveis — especialmente diabetes mellitus e deficiências nutricionais — e estruture um plano terapêutico individualizado que combine controle da etiologia, tratamento farmacológico (duloxetina, gabapentinoides, antidepressivos tricíclicos) e intervenções não farmacológicas. Monitore resposta clínica, efeitos adversos e adesão; encaminhe para equipes multidisciplinares quando necessário.
Essas medidas otimizam o diagnóstico precoce e o manejo efetivo da NPF, reduzindo dor, melhorando função e preservando qualidade de vida.