A esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) é condição comum e muitas vezes assintomática, estreitamente associada a obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia. Na atenção primária, o objetivo é identificar pacientes de alto risco, estratificar a presença de fibrose com ferramentas não invasivas e implementar intervenções centradas na modificação de fatores de risco metabólicos para reduzir progressão para fibrose avançada, cirrose e eventos cardiovasculares.
Esteatose hepática não alcoólica (NAFLD): definição e relevância clínica
A esteatose hepática não alcoólica é definida pela presença de ≥5% de gordura no fígado em ausência de consumo excessivo de álcool. Pode progredir para esteato-hepatite (NASH), fibrose e cirrose. Pacientes com NAFLD têm risco aumentado de doenças cardiovasculares, que representam a principal causa de morte nessa população; por isso, o diagnóstico na atenção primária implica manejo cardiometabólico integrado.
Quem rastrear na atenção primária
O rastreamento deve ser direcionado a grupos de maior risco, não universal. Priorize:
- Pacientes com obesidade (IMC ≥30 kg/m²) ou IMC ≥25 kg/m² com comorbidades metabólicas;
- Diabetes mellitus tipo 2;
- Hipertensão arterial associada a dislipidemia;
- Pessoas sedentárias ou com sinais de resistência insulínica;
- História familiar de doença hepática ou uso de medicamentos hepatotóxicos.
Avaliação inicial e triagem laboratoriais
Na avaliação inicial, investigue consumo de álcool, uso de fármacos e sinais de doença hepática. Solicite provas de função hepática (ALT, AST), glicemia/HbA1c e perfil lipídico. Use ultrassonografia hepática como exame de triagem quando houver alta suspeita clínica de esteatose e disponibilidade local.
Scores não invasivos para estratificação de fibrose
Ferramentas simples e validadas ajudam a identificar risco de fibrose avançada e orientar encaminhamentos:
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FIB-4
Calculado a partir de idade, AST, ALT e plaquetas. Classifica risco em baixo, intermediário ou alto; útil para decidir monitoramento ou encaminhamento.
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NAFLD fibrosis score
Integra variáveis clínicas e laboratoriais para complementar a estratificação quando disponível.
- Quando indicado e acessível, considerar elastografia (FibroScan) para confirmar fibrose em casos com scores intermediários ou discrepantes.
Incorpore cálculos automáticos (por exemplo, FIB-4) no prontuário eletrônico para facilitar triagem e agendamento de seguimento.
Abordagem terapêutica na atenção primária
O manejo é multicomponente, focado em redução de gordura hepática, controle de comorbidades e prevenção cardiovascular.
Perda de peso e atividade física
- Meta de perda de 7–10% do peso corporal pode melhorar esteatose, inflamação e, em alguns casos, fibrose.
- Recomendar ≥150 minutos/semana de atividade aeróbica moderada e treino de resistência 2–3x/semana.
- Programas estruturados de mudança de comportamento e suporte nutricional aumentam adesão.
Mantenha e compartilhe materiais educativos e orientações dietéticas; consulte conteúdo sobre nutrição anti-inflamatória e dieta cardiovascular na meia idade quando apropriado.
Controle das comorbidades metabólicas
- Otimize tratamento do DM2, prefira drogas com benefício cardiometabólico quando indicadas (por exemplo, agonistas de GLP-1 em pacientes elegíveis).
- Ajuste metas pressóricas e lipídicas conforme diretrizes locais para redução do risco cardiovascular.
- A intervenção farmacológica específica para NAFLD deve ser considerada em conjunto com especialistas quando houver NASH confirmada ou fibrose significativa.
Opções farmacológicas e terapias emergentes
Em contextos selecionados, recomenda-se avaliação especializada para uso de pioglitazona (em pacientes com NASH sem contraindicações), vitamina E em casos específicos e discussão sobre agonistas de GLP-1 quando indicados. A prescrição deve sempre considerar risco-benefício e disponibilidade local.
Fluxos de seguimento e critérios de encaminhamento
- Realizar avaliação hepática anual em pacientes de risco; calcular FIB-4 sempre que houver fatores de risco ou elevação de enzimas hepáticas.
- Encaminhar para hepatologia/gastroenterologia pacientes com FIB-4 elevado ou escore intermediário acompanhado de sinais clínicos sugestivos de progressão.
- Considerar elastografia ou biópsia quando houver alta suspeita de fibrose avançada ou discrepâncias diagnósticas.
- Planejar follow-up a cada 3–6 meses para monitorar peso, adesão às intervenções e parâmetros metabólicos.
Desafios e integração da equipe multiprofissional
Barreiras comuns incluem acesso limitado a elastografia, tempo reduzido na consulta e dificuldade de adesão do paciente. Soluções práticas incluem protocolos padronizados, uso de lembretes eletrônicos, equipes multiprofissionais (nutrição, educação em saúde, fisioterapia/exercício) e encaminhamento coordenado com especialistas. A interação entre NAFLD e microbiota é área emergente; para leitura complementar, mantenha os links internos intactos, por exemplo microbiota intestinal.
NAFLD: recomendações práticas para atenção primária
Rastreie pacientes de alto risco (obesidade, DM2, dislipidemia), estratifique fibrose com scores não invasivos (FIB-4, NAFLD fibrosis score), implemente intervenções de perda de peso e controle metabólico e encaminhe casos de risco aumentado para avaliação especializada. Documente fluxos no prontuário, utilize cálculos automáticos quando possível e foque na educação do paciente sobre risco cardiovascular associado à NAFLD. A prática baseada em evidência e a coordenação com serviços especializados reduzem complicações e melhoram desfechos clínicos.
Notas: recomendações devem ser adaptadas ao contexto local, à disponibilidade de recursos e às diretrizes regionais. Para informações adicionais, consulte conteúdos relacionados no portal indicado (por exemplo, risco cardiovascular em diabetes tipo 2 e nutrição anti-inflamatória).