O que é rastreio e tratamento da hepatite C na atenção primária: o que o clínico precisa saber

Implementar o rastreio da hepatite C (HCV) na atenção primária exige fluxo claro: identificação de risco, confirmação diagnóstica rápida com HCV-RNA, avaliação da fibrose hepática e início do tratamento com antivirais de ação direta (DAA) quando indicado. A hepatite C é uma infecção curável; contudo, muitos casos permanecem ocultos até o aparecimento de complicações. Este texto oferece um protocolo prático e aplicável na rotina do consultório, com foco em segurança, eficácia e integração com serviços especializados.

O que é rastreio e tratamento da hepatite C na atenção primária

Rastreio na atenção primária significa identificar pessoas com infecção ativa por hepatite C antes que desenvolvam doença avançada. O objetivo clínico é diagnosticar precocemente, reduzir transmissão e iniciar terapia eficaz (DAA) para atingir resposta virológica sustentada (SVR12). O processo envolve teste sorológico (anticorpo anti-HCV) seguido por confirmação molecular (HCV-RNA) quando positivo, além da avaliação não invasiva da fibrose hepática (elastografia, FIB-4, APRI).

Quem deve ser rastreado: populações-chave e estratégias

  • Pessoas que usam drogas por via injetável.
  • Pacientes em hemodiálise, receptores de transfusão de sangue antes de 1992 ou procedentes de áreas com alto risco epidemiológico.
  • Pessoas vivendo com HIV, indivíduos com elevação persistente de transaminases sem causa aparente e transplantados.
  • Gestantes e mulheres em planejamento familiar conforme diretrizes locais (tratamento geralmente pós-parto se indicado).
  • Pacientes com comorbidades como doença renal crônica, diabetes e doença hepática gordurosa.

Adote abordagem ativa: incorpore o anti-HCV em painéis já solicitados rotineiramente para grupos de risco, facilitando a detecção precoce.

Como realizar o rastreio na prática da atenção primária

Teste inicial: anticorpo anti-HCV

Solicite o anticorpo anti-HCV para indivíduos de risco. Em locais com recursos, utilize teste reflexo que realiza automaticamente HCV-RNA se o anti-HCV for reagente, reduzindo perdas no fluxo diagnóstico.

Confirmação: HCV-RNA

HCV-RNA detecta infecção ativa. Anticorpos positivos e RNA negativos sugerem infecção passada resolvida ou falso-positivo sorológico; avalie histórico e conduta clínica. A confirmação molecular é essencial antes de iniciar DAAs.

Confirmação diagnóstica e avaliação pré-tratamento

  • Avalie fibrose hepática com elastografia (FibroScan) ou índices não invasivos (FIB-4, APRI) para triagem de doença avançada.
  • Verifique coinfecções (HBV, HIV) e investigue função renal e hepática antes da terapêutica.
  • Atualize imunizações, especialmente hepatite A e B, quando indicado.

Pacientes com cirrose ou sinais de descompensação devem ser encaminhados preferencialmente a hepatologia; boa parte dos casos sem complicações pode ser manejada na atenção primária com suporte e protocolos claros.

Tratamento com antivirais de ação direta (DAA): princípios práticos

  • Indicação ampla: tratamento recomendado para a maioria dos pacientes com infecção ativa por hepatite C, independentemente do estágio de fibrose, salvo contraindicações clínicas específicas.
  • Regimes pan-genotípicos simplificam a escolha terapêutica; avalie interações medicamentosas com os tratamentos concomitantes do paciente.
  • Duração típica: 8–12 semanas na maioria dos regimes; ajuste conforme presença de fibrose avançada ou outras condições.
  • Monitoramento: avalie função hepática e renal quando indicado e realize HCV-RNA ao final do tratamento e em 12 semanas (SVR12) para confirmar cura.

Planeje adesão: use lembretes, apoio social e contato telefônico/telemedicina para reduzir taxas de abandono. Explique claramente efeitos adversos potenciais e interações (por exemplo, com medicamentos que alteram o metabolismo hepático).

Monitoramento pós-tratamento e prevenção de reinfecção

  • Confirme SVR12 com HCV-RNA e mantenha vigilância clínica para pacientes com fibrose avançada (rastreamento de hepatocarcinoma quando indicado).
  • Oriente sobre prevenção de reinfecção: redução de risco em usuários de drogas injetáveis, uso seguro de materiais perfurocortantes e práticas sexuais seguras quando pertinente.
  • Reforce vacinação contra hepatite A e B em pacientes suscetíveis.

Integração com serviços de saúde e apoio multidisciplinar

Uma gestão eficaz envolve referências ágeis para hepatologia, articulação com laboratórios para garantir disponibilidade de HCV-RNA, e parcerias com serviços sociais para favorecer adesão e acesso ao tratamento. Registros eletrônicos com campos específicos para rastreio e tratamento facilitam o acompanhamento e a qualidade do cuidado.

Barreiras comuns e estratégias para superá-las na atenção primária

  • Acesso a testes: negociar fluxos de testagem reflexiva e acordos com laboratórios locais.
  • Custos: conhecer políticas públicas e programas de fornecimento de DAAs pode facilitar o acesso.
  • Estigma: educação do paciente e da comunidade diminui barreiras ao diagnóstico e ao tratamento.
  • Adesão: integrar suporte psicossocial, simplificar regimes e utilizar lembretes eletrônicos.

Casos práticos que ilustram decisões clínicas

  • Caso A: paciente com anti-HCV reagente e HCV-RNA positivo; FIB-4 indica fibrose leve → iniciar DAA pan-genotípico, monitorar função hepática e confirmar SVR12.
  • Caso B: anti-HCV reagente e HCV-RNA indetectável → acompanhamento clínico e educação sobre prevenção de reinfecção, sem indicação de DAA.

Recursos do blog sobre hepatite C e rastreio

Para ampliar o entendimento sobre rastreio e manejo em APS, confira conteúdos relacionados dentro do nosso blog:
rastreamento de câncer colorretal 50-75 e mantenha uma visão integrada de como práticas de rastreamento se organizam no setting primário.
monitoramento da pressão arterial em idosos para entender estratégias de monitorização em cronicidades diversas dentro da APS.
imunização de adultos com doenças crônicas para complementar a prevenção em pacientes com hepatite C, especialmente no contexto de comorbidades.

Resumo prático: ações imediatas para a sua prática de atenção primária

  • Incorpore o anti-HCV ao fluxo de consultas para pacientes de risco e use HCV-RNA reflexo quando disponível.
  • Padronize a avaliação de fibrose com FIB-4 ou elastografia para orientar encaminhamentos.
  • Opte por regimes pan-genotípicos quando adequados e revise interações medicamentosas antes de prescrever DAA.
  • Organize o follow-up para confirmar SVR12 e prevenir reinfecção; promova vacinação contra hepatite A e B quando indicado.

Rastrear e tratar hepatite C na atenção primária transforma o cuidado ao paciente: do diagnóstico à cura, passando pela prevenção de complicações e reinfecção. Protocolos claros, integração com serviços especializados e atenção às barreiras sociais aumentam a efetividade das ações e contribuem para a eliminação local da doença.

* Alguns de nossos conteúdos podem ter sido escritos ou revisados por IA. Fotos por Pexels ou Unsplash.