Sop na atenção primária: diagnóstico e manejo
A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma das causas mais frequentes de irregularidade menstrual e de infertilidade em mulheres em idade reprodutiva, com impacto metabólico, reprodutivo e psicossocial. Na atenção primária, o objetivo é identificar suspeitas, excluir causas alternativas, iniciar intervenções de estilo de vida e tratamentos iniciais seguros, além de definir quando encaminhar para especialistas.
Diagnóstico de síndrome dos ovários policísticos na atenção primária
O diagnóstico baseado nos critérios de Rotterdam exige a presença de pelo menos dois dos três itens: anovulação/oligo-ovulação, hiperandrogenismo clínico ou laboratorial, e imagem ovariana compatível. Importante: excluir gravidez e outras causas de hiperandrogenismo (hiperprolactinemia, disfunção tireoidiana, hiperplasia adrenal congênita, uso de medicamentos). A ultrassonografia pode ajudar, mas não é obrigatória em todas as pacientes, principalmente em adolescentes.
Palavras-chave relacionadas neste contexto: hirsutismo, anovulação, resistência à insulina.
Avaliação inicial na atenção primária
Conduza anamnese detalhada (padrão menstrual, sinais de hiperandrogenismo, peso, hábitos de vida, desejo reprodutivo) e exame físico com avaliação de IMC e circunferência abdominal. Identifique fatores de risco cardiometabólicos e psykossociais que influenciam adesão e prognóstico.
Exames laboratoriais recomendados
- Glicemia de jejum e/ou HbA1c; considerar teste de tolerância oral à glicose (TTGO) conforme risco individual.
- Perfil lipídico (colesterol total, HDL, LDL, triglicerídeos).
- Função hepática para rastrear doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) quando houver obesidade ou resistência à insulina.
- Hormônios sexuais conforme necessidade: testosterona total (ou livre), SHBG; 17‑hidroxiprogesterona se houver suspeita de hiperplasia adrenal congênita.
- TSH e prolactina para excluir outras causas de irregularidade menstrual.
Use os resultados para estratificar risco metabólico e orientar condutas iniciais. Para ampliar o raciocínio sobre fatores cardiometabólicos associados, considere leituras sobre síndrome metabólica.
Quando solicitar ultrassonografia
A ultrassonografia transvaginal é útil se houver dúvida diagnóstica ou para avaliação de reserva ovariana em planejamento reprodutivo. Em pacientes jovens com sinais clínicos claros e sem indicação de imagem, a ultrassonografia pode ser adiada.
Manejo inicial: estilo de vida e prevenção metabólica
A intervenção sobre estilo de vida é a base do tratamento, especialmente em pacientes com sobrepeso/obesidade ou resistência à insulina. Mesmo perda de peso modesta (5–10%) melhora ovulação, sensibilidade à insulina e reduz sinais de hiperandrogenismo.
Estratégias práticas
- Plano nutricional individualizado: reduzir açúcares simples, priorizar alimentos ricos em fibras e baixo índice glicêmico.
- Atividade física: ≥150 minutos/semana de exercício aeróbico + 2 sessões semanais de resistência, quando possível.
- Apoio psicológico/psicossocial para transtornos de imagem corporal, ansiedade ou depressão que acompanham a SOP.
Para orientações nutricionais aplicadas ao risco cardiovascular, veja nosso material sobre nutrição prática e risco cardiovascular.
Tratamentos farmacológicos na atenção primária
Escolha terapêutica depende do objetivo (controle de sangramento, alívio do hiperandrogenismo, prevenção de riscos metabólicos ou indução de ovulação).
Regulação menstrual e tratamento do hiperandrogenismo
- Contraceptivos orais combinados (COCs): primeira opção para pacientes que não desejam engravidar — melhoram irregularidade menstrual, acne e reduzem progressão do hiperandrogenismo.
- Antiandrógenos (ex.: espironolactona) para hirsutismo ou acne refratários: usar sempre com contracepção eficaz e monitorar efeitos adversos.
- Metformina: indicada como adjuvante em pacientes com resistência à insulina ou intolerância à glicose; benefícios modestos na regularidade menstrual e perfil metabólico.
Indução de ovulação e fertilidade
Para quem deseja engravidar, a letrozol costuma ser a primeira escolha para indução de ovulação por melhores taxas de gravidez em comparação a algumas alternativas; clomifeno é opção em cenários selecionados. Monitoramento clínico e por imagem é necessário; encaminhe em casos de falha terapêutica ou quando for indicada reprodução assistida.
Rastreamento de comorbidades e seguimento
Mulheres com SOP têm maior risco de desenvolver resistência à insulina, diabetes tipo 2, dislipidemia e NAFLD. Planeje monitoramento periódico de glicemia, lipídios, pressão arterial e sinais de doença hepática; ajuste a frequência conforme risco individual.
Para integração com manejo de dislipidemia e prevenção cardiovascular, consulte materiais sobre dislipidemia: metas e terapias na prática e sobre síndrome metabólica.
Encaminhamentos e atuação multiprofissional
Encaminhe para ginecologia, endocrinologia ou reprodução assistida quando houver dúvida diagnóstica, necessidade de indução de ovulação complexa, falha terapêutica ou comorbidades clínicas significativas. Integre nutricionista, psicologia e educação em saúde para melhorar adesão e resultados a longo prazo.
Ações práticas e recomendações para a próxima consulta
- Documentar padrão menstrual e sinais de hiperandrogenismo por 3–6 meses.
- Solicitar glicemia, HbA1c (ou TTGO conforme risco), perfil lipídico e função hepática quando indicado.
- Estabelecer metas realistas de perda ponderal (5–10%) e plano de acompanhamento com equipe multiprofissional.
- Discutir opções contraceptivas e, se aplicável, estratégias de indução de ovulação; considerar encaminhamento conforme necessidade.
- Planejar vigilância anual ou semestral para fatores cardiometabólicos conforme risco.
Resumo prático para atendimento na atenção primária
- Use critérios clínicos (anovulação + hiperandrogenismo) para triagem inicial e complemente com exames laboratoriais para estratificar risco.
- Priorize intervenções de estilo de vida; avalie resistência à insulina e síndrome metabólica desde o início.
- Empregue COCs para regulação menstrual em quem não deseja gestação; considere metformina como adjuvante em resistência à insulina.
- Para infertilidade, letrozol é frequentemente a primeira linha para indução de ovulação; encaminhe conforme resposta.
Este texto foi elaborado para apoiar a prática clínica na atenção primária, com linguagem acessível a profissionais e pacientes. Adapte sempre as recomendações ao contexto local e às diretrizes nacionais vigentes.