TIH: definição e fisiopatologia
A trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é uma reação imune associada à exposição à heparina, caracterizada pela formação de anticorpos IgG contra o complexo fator plaquetário 4 (PF4)–heparina. Esses imunocomplexos ativam plaquetas, levando a agregação plaquetária e a um aumento paradoxal do risco de trombose arterial e venosa, mesmo na presença de trombocitopenia. A TIH costuma ocorrer entre o 5º e o 10º dia após exposição inicial à heparina, embora possa surgir mais precocemente em pacientes com exposição prévia.
Epidemiologia e fatores de risco
A incidência varia conforme o tipo de heparina: é maior com heparina não fracionada do que com heparina de baixo peso molecular (HBPM). Fatores de risco incluem cirurgia de grande porte, exposição prolongada à heparina, histórico prévio de TIH, uso de cateteres vasculares e pacientes com imunidade ativada. O reconhecimento precoce reduz o risco de eventos como trombose venosa profunda (TVP) e trombose arterial.
Sinais clínicos e diagnóstico
O diagnóstico é clínico-laboratorial: considerar queda de plaquetas compatível (geralmente >50% do basal), relação temporal com a heparina e ocorrência de trombose ou sinais sugestivos de isquemia. Deve-se sempre excluir outras causas de trombocitopenia hospitalar, como sepse, medicações e síndromes trombóticas microvasculares.
4Ts score: avaliação de probabilidade pré-teste
O 4Ts score é a ferramenta de triagem para estimar a probabilidade clínica de TIH. Avalia trombocitopenia, tempo de queda, presença de trombose e outras causas plausíveis. Uma pontuação baixa geralmente permite evitar testes caros; pontuação intermediária ou alta exige investigação laboratorial e medidas terapêuticas imediatas conforme o risco.
Exames laboratoriais e confirmação
Para triagem, testes de alta sensibilidade como ELISA para anticorpos anti–PF4–heparina são úteis. Um ELISA positivo aumenta a suspeita, mas pode ter falso-positivos; o teste funcional de liberação de serotonina (SRA) continua sendo o padrão-ouro para confirmação, por alta especificidade. A interpretação deve ser contextualizada com o quadro clínico e com o tipo de heparina utilizado.
Diferenciais a considerar
Considere trombocitopenias induzidas por fármacos (como antibióticos), sepse, púrpura trombótica trombocitopênica e síndrome hemolítico-urêmica. Histórico de exposição à heparina e sinais de trombose reforçam a suspeita de TIH quando os exames ainda não foram confirmatórios.
Manejo clínico: ações imediatas
Ao suspeitar de TIH, interrompa toda forma de heparina (heparina não fracionada, HBPM e soluções heparinizadas em dispositivos) e não inicie warfarina enquanto as plaquetas estiverem baixas, pois a warfarina isolada pode precipitar necrose cutânea e coagulopatia. A decisão deve ser multidisciplinar envolvendo hematologia, cirurgia e terapia intensiva.
Anticoagulação alternativa sem heparina
Substitua a heparina por anticoagulantes que não dependam do complexo PF4 para ativação plaquetária. Opções intravenosas e parenterais importantes incluem argatroban e bivalirudina (inibidores diretos da trombina); em alguns cenários, fondaparinux pode ser considerado. Após estabilização, DOACs como apixabano ou edoxabano têm sido utilizados para manutenção em pacientes estáveis, avaliando função renal, risco de sangramento e interações medicamentosas.
Cuidados perioperatórios e transição
Para pacientes que necessitam de cirurgia, mantenha anticoagulação sem heparina quando possível e planeje transições com equipes de cirurgia, anestesiologia e hematologia. A sobreposição para iniciar warfarina só deve ser feita quando as plaquetas estiverem recuperadas adequadamente e com monitorização rigorosa.
Orientação para pacientes e familiares
Explique ao paciente e familiares que TIH é uma reação à heparina que aumenta o risco de coágulos; sinais de alarme incluem dor, inchaço, vermelhidão em membros, falta de ar súbita ou sintomas neurológicos. Pacientes devem relatar sangramentos incomuns ou hematomas fáceis. A educação é parte essencial da estratégia de continuidade de cuidado.
Integração com protocolos e educação clínica
Protocolos institucionais claros — triagem com 4Ts, confirmação laboratorial adequada, suspensão da heparina e uso de anticoagulantes alternativos — melhoram resultados. Para decisões sobre posologia e interações farmacológicas, consulte materiais sobre anticoagulantes e, para alinhamento institucional, reveja documentos de protocolos clínicos. A comunicação interdisciplinar e a atualização de equipes reduzem eventos adversos relacionados à TIH.
TIH: resumo prático e próximos passos
Reconhecer TIH precocemente e agir rapidamente são determinantes do desfecho. Medidas essenciais: aplicar 4Ts score, interromper heparina ao primeiro sinal sugestivo, iniciar anticoagulação sem heparina (argatroban, bivalirudina, fondaparinux ou DOACs quando apropriado) e confirmar com ELISA e, se necessário, teste funcional (SRA). Monitore plaquetas e coagulação, envolva hematologia para decisões sobre transfusão de plaquetas e transição terapêutica. Protocolos institucionais e educação do paciente completam a abordagem para reduzir morbi‑mortalidade associada à TIH.
Nota técnica para equipes: revise regularmente seus fluxos para uso de heparina e caminhos de investigação de TIH; a vigilância ativa e a aplicação de protocolos baseados em evidência são cruciais para segurança do paciente.