O que é a andropausa na atenção primária: triagem, exames e manejo com reposição de testosterona
Texto dirigido a profissionais de saúde na atenção primária e, de forma acessível, a pacientes que suspeitam de andropausa (hipogonadismo tardio). Apresenta definições, critérios de triagem, exames laboratoriais, opções de manejo, monitorização e intervenções não farmacológicas aplicáveis na prática clínica.
Andropausa (hipogonadismo tardio)
A andropausa, também chamada de hipogonadismo tardio de início no adulto, corresponde à redução persistente da testosterona associada a sintomas clínicos que afetam qualidade de vida, função sexual, composição corporal e saúde óssea. O objetivo na atenção primária é identificar pacientes sintomáticos, confirmar deficiência hormonal por meios laboratoriais, excluir causas reversíveis e decidir por tratamento ou encaminhamento conforme risco-benefício.
Triagem e sintomas — quando suspeitar
A triagem deve focar em queixas sugestivas e na presença de fatores de risco metabólicos. Sintomas mais associados ao quadro incluem:
- Diminuição da libido e disfunção erétil
- Fadiga persistente e redução de energia
- Perda de massa muscular e aumento de gordura corporal
- Alterações de humor, apatia ou depressão
- Diminuição de concentração e tolerância ao esforço
- Osteopenia/osteoporose e risco aumentado de fraturas
Por serem inespecíficos, esses sinais exigem avaliação abrangente para excluir causas tratáveis (medicações, doenças crônicas, alcoolismo, depressão grave, obesidade extrema, apneia do sono não tratada).
Triagem e exames
Exames hormonais: testosterona e SHBG
Confirmação bioquímica requer, idealmente, amostras matinais (entre 7h e 10h) em pelo menos duas ocasiões distintas. Recomenda-se avaliar:
- Testosterona total — valores abaixo de limites laboratoriais (muitos guias consideram cerca de 264 ng/dL / 9,2 nmol/L como referência clínica) associados a sintomas sugerem LOH.
- Testosterona livre ou biodisponível — útil quando SHBG está alterado ou quando a testosterona total é inconclusiva.
- SHBG — para interpretar a testosterona livre.
- Exames metabólicos básicos: glicemia de jejum, hemoglobina glicada quando indicada, perfil lipídico, TSH.
- PSA basal e avaliação prostática em homens com idade adequada ou fatores de risco antes de iniciar reposição hormonal.
Interprete resultados considerando variações diurnas, intercorrências agudas e diferenças entre laboratórios; repita exames quando houver dúvida.
Diagnóstico na atenção primária
O diagnóstico de hipogonadismo tardio (LOH) exige a conjunção de síndrome clínica compatível e confirmação bioquímica (testosterona total ou livre baixa em duas amostras). Em presença de um único valor baixo, repetir o exame antes de concluir o diagnóstico.
Reposição de testosterona (TRT) e opções de manejo
Reposição hormonal: quando indicar
A terapia com testosterona (TRT) é indicada para homens com LOH confirmado que apresentam sintomas relevantes e sem contraindicações. A decisão deve ser compartilhada, avaliando objetivos (p. ex., preservação de fertilidade), comorbidades e riscos cardiovasculares.
Vias de administração e considerações práticas
- Géis ou adesivos transdérmicos: aplicação diária, boa regressão de sintomas, risco de transferência a contatos.
- Injeções intramusculares (testosterona enantato/cipionato): doses intermitentes que podem produzir variação de pico/vale; exige ajuste de frequência e monitorização do hematócrito.
- Testosterona undecanoato oral: formulação que reduz o efeito de primeira passagem hepática; disponibilidade regional e escolha dependem da prática local.
- Implantes subcutâneos (pellets): alternativa de longa duração em centros com experiência.
- Formas tópicas alternativas menos usadas também podem estar disponíveis.
Ao optar pela via, considere preferência do paciente, aderência, impacto sobre fertilidade (TRT pode reduzir espermatogênese), risco de policitemia, efeitos dermatológicos, retenção hídrica e possível elevação do PSA.
Monitorização e segurança
A monitorização deve ser estruturada para avaliar eficácia e eventos adversos:
- Reavaliação clínica 3 meses após início e, depois, a cada 3–6 meses no primeiro ano; avaliar sintomas sexuais, energia, humor e massa muscular.
- Exames laboratoriais periódicos: testosterona (medir no ponto adequado conforme via), hemoglobina/hematócrito, PSA basal e conforme indicação, perfil lipídico e glicemia conforme risco.
- Observar sinais de policitemia, edema, ginecomastia e alterações pressóricas.
- Ajustar dose para manter níveis estáveis dentro da faixa fisiológica sem picos excessivos.
Pacientes que desejam manter fertilidade ou com contraindicações à TRT podem ser avaliados para alternativas como clomifeno ou moduladores seletivos do receptor de estrogênio (SERM) em conjunto com endocrinologia/urologia.
Contraindicações e cuidados especiais
Contraindicações absolutas incluem câncer de próstata conhecido ou suspeito e hiperplasia prostática severa sintomática não tratada. Contraindicações relativas englobam apneia obstrutiva do sono não tratada, policitemia significativa, insuficiência cardíaca descompensada e doença hepática grave. O risco cardiovascular associado à TRT merece avaliação individualizada e monitorização contínua.
Interações com comorbidades e atenção integrada
A andropausa frequentemente coexiste com obesidade, diabetes mellitus, dislipidemia e hipertensão. O manejo eficaz exige coordenação multiprofissional: foco em exercício resistido, perda de peso, controle glicêmico e pressórico, além de suporte para sono e saúde mental. Pacientes com monitoramento domiciliar da pressão arterial devem ter o controle hemodinâmico observado, e a avaliação dos determinantes sociais ajuda a identificar barreiras de adesão. Em indivíduos com doença cardíaca, considere reabilitação cardíaca como parte do plano terapêutico.
Links úteis já inseridos no texto original: monitoramento da pressão arterial em idosos, determinantes sociais da saúde na atenção primária e reabilitação cardíaca domiciliar.
Estrutura prática do cuidado na atenção primária
- Adote checklists de triagem para sintomas de LOH em consultas de rotina.
- Estratifique risco por idade, comorbidades e história familiar de câncer de próstata.
- Padronize a rotina de exames com duas coletas matinais para confirmação.
- Defina metas terapêuticas e planos de monitorização claros ao iniciar TRT.
- Oriente o paciente sobre expectativas, efeitos adversos e quando retornar.
- Disponibilize acesso a fisioterapia, treino de resistência e educação nutricional.
Recomendações práticas e ações para médicos e pacientes
Na prática clínica, priorize: identificar homens com queixas de libido reduzida, fadiga ou mudanças na composição corporal; confirmar deficiência hormonal com pelo menos dois exames matinais; excluir causas reversíveis; discutir riscos e benefícios da reposição de testosterona (TRT) de forma compartilhada; iniciar TRT somente com LOH confirmado e sem contraindicações; monitorar eficácia e segurança de forma contínua; e implementar medidas não farmacológicas (exercício, perda de peso, tratamento da apneia do sono) que potencializam os resultados.
Para pacientes: procure avaliação na atenção primária se notar queda persistente de energia, diminuição do desejo sexual, alterações de humor ou mudanças na composição corporal. A decisão sobre reposição de testosterona será feita após avaliação clínica, exames laboratoriais e discussão dos riscos e benefícios com seu médico.
Observação: estas orientações complementam a prática clínica e não substituem avaliação especializada quando há complexidade. Sempre alinhe condutas com guias locais e evidências atualizadas.