Câncer de mama hereditário: guia prático de triagem, critérios para testes BRCA e fluxo de encaminhamento
Este texto é dirigido principalmente a profissionais de saúde que avaliam risco hereditário e fazem encaminhamento para aconselhamento genético. Apresentamos uma abordagem prática e baseada em evidência para a triagem, os critérios para solicitar testes BRCA e o fluxo de encaminhamento até o manejo e a vigilância de familiares.
Panorama do câncer de mama hereditário
O câncer de mama hereditário decorre de variantes germinativas em genes de predisposição, sobretudo BRCA1 e BRCA2, mas também em outros genes relacionados à predisposição genética. Portadoras de mutações patogênicas têm risco significativamente aumentado de câncer de mama e de câncer de ovário; há também associação com câncer de próstata e pâncreas em alguns casos. Identificar risco hereditário permite instituir estratégias de vigilância, considerar intervenções preventivas (como mastectomia profilática e ooforectomia) e orientar familiares.
Critérios de triagem e quando solicitar testes BRCA
A indicação de testes genéticos deve basear-se em critérios clínicos e no histórico familiar, sempre após aconselhamento genético pré-teste. A seguir, critérios práticos para selecionar pacientes com maior probabilidade de portarem mutação BRCA.
Quando oferecer triagem genética
- História pessoal de câncer de mama antes dos 50 anos, especialmente carcinoma triplo negativo.
- Câncer de mama bilateral ou múltiplos tumores primários na mesma paciente.
- História familiar de câncer de mama ou ovário em parentes de 1º grau ou em múltiplos parentes (1º e 2º grau) com padrões sugestivos de herança.
- Câncer de mama em homem na família.
- Presença conhecida de mutação BRCA em familiar de referência ou diagnóstico de síndrome de predisposição genética estabelecida.
Além desses pontos, diretrizes nacionais e internacionais podem incluir outros fatores (por exemplo, idade de início, histologia tumoral e história de câncer em gêmeos). A decisão de testar deve seguir o aconselhamento genético para discutir benefícios, limitações, implicações familiares e opções de manejo.
Métodos de testes BRCA e interpretação de resultados
Os testes usuais envolvem sequenciamento de próxima geração (NGS) para BRCA1/BRCA2 e, quando indicado, painéis ampliados de predisposição ao câncer de mama.
Interpretação clínica: patogênico, VUS e negativo
- Resultado patogênico: confirma alto risco hereditário e orienta vigilância intensificada e considerações para intervenções preventivas.
- Variante de significado incerto (VUS): não deve guiar decisões de manejo imediato; exige reavaliação periódica e, quando possível, testes em familiares para esclarecer significado.
- Resultado negativo: não exclui risco familiar por completo; o manejo continua baseado no histórico pessoal e familiar.
É importante explicar às pacientes sobre implicações reprodutivas, efeitos emocionais e possíveis impactos em seguros, além de discutir sobre testagem em parentes (testagem em cascata) quando for identificada uma mutação.
Fluxo de encaminhamento na prática clínica
Proponho um fluxo prático para padronizar do reconhecimento de risco até o acompanhamento dos familiares:
Passo 1: identificação e triagem no consultório
- Utilize ferramentas de triagem baseadas em história familiar, idade de diagnóstico e características tumorais.
- Registre com precisão parentesco e idade de diagnóstico dos casos familiares (mama, ovário, próstata, pâncreas).
- Priorize encaminhamento para pacientes com diagnóstico precoce (<50 anos), doença bilateral ou história familiar significativa.
Recursos de educação terapêutica podem ser adaptados para explicar testagem genética e engajar pacientes e familiares no processo.
Passo 2: aconselhamento genético pré-teste
- Explique objetivos, benefícios, limitações e possíveis resultados (patogênico, VUS, negativo).
- Aborde aspectos éticos, consentimento, confidencialidade e implicações de informações genéticas para seguros e vida reprodutiva.
- Planeje o fluxo de retorno dos resultados e suporte psicológico conforme necessário.
Passo 3: realização do teste
- Solicite o painel adequado ao fenótipo e ao histórico familiar; em muitos casos, inicia-se por BRCA1/BRCA2 e expande-se conforme indicação.
- Informe sobre prazos habituais (tipicamente 2–4 semanas, dependendo do laboratório) e mantenha a paciente informada sobre o cronograma.
Passo 4: pós-teste e manejo
- Resultado patogênico: elaborar plano individualizado de vigilância (mamografia e ressonância magnética), discutir mastectomia profilática e ooforectomia profilática conforme risco e preferência, e encaminhar para equipes cirúrgicas quando indicado.
- Resultado negativo: manter vigilância conforme risco familiar e reavaliar se houver mudança no histórico.
- VUS: monitorar reclassificação, considerar teste de familiares para esclarecer significado e evitar intervenções definitivas com base apenas em VUS.
Passo 5: encaminhamento familiar
Ao identificar mutação patogênica, oriente sobre testagem em cascata para parentes de risco e sobre estratégias de vigilância e prevenção. Encaminhe familiares para aconselhamento genético apropriado.
Manejo de portadoras BRCA e considerações clínicas
- Vigilância intensificada: mamografia anual e ressonância magnética de mama anual em faixa etária de risco aumentado, com ajustes conforme as diretrizes locais.
- Mastectomia profilática bilateral reduz substancialmente o risco de câncer de mama em portadoras de BRCA; decisão deve ser compartilhada e considerar qualidade de vida.
- Ooforectomia bilateral profilática reduz risco de câncer de ovário e pode reduzir risco de mama quando realizada antes da menopausa; avalie impactos sobre fertilidade e manejo hormonal.
- Suporte psicológico e acompanhamento multiprofissional são essenciais para adesão e bem-estar.
Integração multiprofissional e caminhos de cuidado
O cuidado ideal envolve oncologia clínica, cirurgia oncológica, genética clínica, radiologia, enfermagem, psicologia e serviço social. Protocolos locais, caminhos rápidos de encaminhamento e ferramentas de comunicação entre equipes facilitam decisões oportunas e baseadas em evidência.
Para materiais de apoio dirigidos a profissionais, consulte o post para profissional; para conteúdo em linguagem acessível ao público, há o recurso para paciente.
Considerações éticas, acesso e equidade
- Ética e confidencialidade: informe de forma sensível e respeite autonomia ao compartilhar informações genéticas com familiares.
- Acesso e custo: verifique cobertura de testes e opções de acesso para reduzir desigualdades no atendimento.
- Aconselhamento familiar: promova comunicação responsável com parentes de risco, oferecendo suporte para encaminhamento.
Recomendações práticas para triagem e encaminhamento BRCA
- Identifique sinais de risco hereditário com base em idade e padrão familiar.
- Realize aconselhamento genético pré-teste antes de solicitar testes genéticos.
- Solicite testes BRCA (por NGS) conforme critério clínico, com painel apropriado quando indicado.
- Interprete resultados (patogênico, VUS, negativo) com equipe de genética e decida vigilância e manejo de forma compartilhada.
- Planeje encaminhamento e testagem em cascata para familiares quando for encontrada mutação patogênica.
Encerramento prático: objetivo da triagem e do encaminhamento
O objetivo deste guia é oferecer um mapa prático para a identificação de risco hereditário, a indicação de testes BRCA e a organização do fluxo de encaminhamento. Adapte os passos ao contexto local, recursos disponíveis e às preferências da paciente. Mantenha foco na comunicação clara, no suporte multiprofissional e na tomada de decisão compartilhada para proteger a saúde da paciente e da família.
Checklist rápido para implementação no consultório
- Identificar pacientes com histórico compatível em linha direta de família.
- Conduzir aconselhamento genético pré-teste com explicação das implicações.
- Solicitar testes BRCA conforme critérios clínicos, optando por painel adequado.
- Interpretar resultados em equipe e decidir vigilância ou intervenções (mastectomia profilática, ooforectomia) de forma compartilhada.
- Encaminhar familiares para testagem em cascata e acompanhamento genético quando pertinente.