O que é terapia CAR-T: funcionamento, indicações, riscos e acompanhamento
Você já ouviu falar em terapia CAR-T? Trata-se de uma imunoterapia avançada destinada a alguns tipos de câncer hematológico, especialmente tumores de células B. Esse tratamento envolve modificar as próprias células do paciente para que reconheçam e ataquem as células cancerígenas. A terapia CAR-T tem revolucionado o manejo de doenças que, até pouco tempo, tinham prognóstico reservado ou recorrência rápida. A seguir explicamos, de forma prática, o que é a CAR-T, quem pode se beneficiar, quais são os principais riscos e como é o acompanhamento durante e após o tratamento.
O que é a terapia CAR-T e como ela funciona
A CAR-T (Chimeric Antigen Receptor T-cell) é uma terapia personalizada que utiliza células T do próprio paciente. O processo começa com a coleta de linfócitos por meio de uma leukapherese, na qual as células T são separadas do sangue. Em seguida, as células coletadas são geneticamente modificadas em laboratório para expressar um receptor quimérico (CAR) capaz de reconhecer um antígeno presente nas células cancerígenas — com maior foco em linfócitos B, como o CD19. Depois da modificação, as células T são expandidas e reintroduzidas no organismo do paciente, onde reconhecem e atacam as células tumorais.
- Autóloga: usa as próprias células do paciente; não há risco de rejeição imunológica, mas há tempo necessário para processamento e fabricação.
- Alvo: o alvo mais comum é o CD19, presente na maioria das células B, o que torna a CAR-T eficaz em algumas leucemias e linfomas de células B. Novos alvos estão em desenvolvimento para outros subtipos.
- Fase de preparação: após a coleta, há uma fase de fabricação em laboratório que pode levar várias semanas. Durante esse período, o paciente pode receber terapias de controle da doença (bridging therapy) para manter a doença estável.
Indicações e elegibilidade atuais
A CAR-T está aprovada para alguns cânceres hematológicos, especialmente leucemia linfoblástica aguda (LLA) em adultos e crianças e linfoma difuso de grandes células B (DLBCL) refratários ou recidivantes após tratamentos prévios. Pacientes com outros linfomas de células B, como linfoma folicular ou linfoma MALT, podem ter indicação dependendo das aprovações regulatórias locais e protocolos clínicos. A elegibilidade depende de múltiplos fatores, incluindo tipo de doença, carga tumoral, estado geral de saúde, comorbidades, idade e disponibilidade de um centro autorizado a realizar a terapia. O médico especialista avaliará a viabilidade, riscos e alternativas.
É importante que a CAR-T seja oferecida em centros com experiência em imunoterapia onco-hematológica. A decisão de iniciar CAR-T envolve avaliação dos benefícios esperados versus riscos, bem como planejamento logístico para o tempo de fabricação, disponibilidade de leitos especializados e custos envolvidos.
Principais riscos: síndrome de liberação de citocinas (CRS) e neurotoxicidade (ICANS)
A CAR-T está associada a eventos adversos que exigem monitorização próxima. Os principais riscos são:
- Síndrome de liberação de citocinas (CRS): ocorre quando o sistema imune é ativado de forma intensa, levando a febre, hipotensão, dificuldade respiratória e, em casos graves, choque. O CRS costuma ocorrer nos primeiros dias ou semanas após a infusão. O tratamento pode incluir suporte hemodinâmico, oxigenação e administração de tocilizumabe (anticorpo anti-IL-6) e, quando necessário, corticosteroides.
- Neurotoxicidade associada à CAR-T (ICANS): pode causar alterações neurológicas que variam de confusão e afasia a convulsões ou coma em casos raros. O monitoramento neurológico é essencial e o manejo pode incluir corticosteroides e suporte específico.
- Toxicidades hematológicas e risco de infecções: citopenias (neutropenia, anemia, plaquetopenia) aumentam o risco infeccioso; alguns pacientes desenvolvem aplasia de células B (B-cell aplasia) e podem necessitar de imunoglobulina intravenosa. Vacinação adequada e medidas de prevenção de infecções são componentes importantes do seguimento.
- Outras complicações: reações infusionais, toxicidades hepáticas ou renais, insuficiência orgânica em casos raros e possibilidade de recidiva da doença mesmo após resposta inicial.
A incidência e a gravidade dos eventos adversos variam conforme o produto CAR-T, a doença de base, o estado do paciente e a experiência do centro. A equipe médica deve orientar claramente sobre sinais de alerta e quando buscar atendimento emergencial.
Processo de tratamento e acompanhamento
O percurso terapêutico com CAR-T envolve várias etapas, cada uma com objetivos definidos:
- Avaliação inicial: confirmação diagnóstica, revisão de tratamentos prévios, avaliação de comorbidades, função orgânica e desempenho funcional.
- Leukapherese: coleta das células T do paciente em ambiente hospitalar ou centro especializado; o procedimento requer coordenação logística entre equipes.
- Fabricação e armazenamento: modificação genética das células T para expressar o CAR, expansão celular e preparação para infusão. O processo pode levar de 2 a 3 semanas ou mais, dependendo do protocolo e da demanda.
- Bridging therapy (quando necessário): terapias temporárias para controlar a doença durante a fabricação das células.
- Linfodepleção pré-infusão: regime quimioterápico de depleção linfocitária (geralmente ciclofosfamida e fludarabina) para melhorar a eficácia da infusão.
- Infusão da CAR-T: administração intravenosa com monitorização imediata por equipe especializada.
- Período pós-infusão: hospitalização geralmente de 1 a 3 semanas para vigilância de CRS, ICANS e outros efeitos; intervenções são aplicadas conforme a gravidade dos eventos.
- Acompanhamento de longo prazo: consultas periódicas para avaliar resposta, vigilância de recidiva e manejo de efeitos tardios, como B-cell aplasia e necessidade de reposição de imunoglobulina.
O planejamento de cuidados inclui a participação da família, cuidadores e do médico de referência. Tempo de fabricação, logística de internação e suporte domiciliar influenciam a decisão de iniciar CAR-T.
Considerações práticas para pacientes
Para quem avalia a CAR-T, algumas orientações práticas ajudam no planejamento:
- Centro autorizado: procure unidades com experiência em CAR-T e infraestrutura adequada (UTI, equipes multidisciplinares).
- Tempo de espera: o período entre a leukapherese e a infusão pode variar; planeje deslocamentos, hospedagem e apoio de cuidadores durante esse intervalo.
- Custos e acesso: a CAR-T envolve custos elevados; informe-se sobre cobertura por planos, programas institucionais e apoio financeiro.
- Fertilidade e planejamento familiar: discuta potenciais efeitos sobre a fertilidade e opções de preservação com a equipe oncológica.
- Imunizações e prevenção: mantenha o calendário vacinal conforme orientação médica e adote medidas de prevenção de infecções antes, durante e após o tratamento.
- Nutrição e reabilitação: suporte nutricional e programas de reabilitação contribuem para bem-estar e recuperação. Para orientações sobre adesão e nutrição, consulte materiais do blog como educação terapêutica e adesão e nutrição prática na prevenção de doenças crônicas.
Materiais de educação terapêutica são úteis para organizar informações e apoiar pacientes e familiares. Integre também orientações sobre promoção da saúde cardiovascular quando indicado, por exemplo em conteúdos como promoção da saúde cardiovascular em prática clínica.
Perguntas para levar ao consultório
- Quais doenças têm indicação de CAR-T no meu caso específico?
- Qual é o tempo estimado entre a coleta de células e a infusão? Há possibilidade de adiamento?
- Quais são os riscos mais prováveis para mim e como serão monitorados?
- Como é o manejo da CRS e da ICANS se ocorrerem?
- Quais são as opções caso a CAR-T não gere resposta ou haja recidiva?
- Haverá necessidade de reposição de imunoglobulina a longo prazo?
O que observar nos primeiros dias: sinais de alerta
Nos dias seguintes à infusão, é comum observar reações que variam de leves a graves. Este período requer vigilância da equipe de saúde. Procure atendimento imediato se surgirem:
- Febre alta ou persistente, calafrios, tontura intensa
- Dificuldade respiratória ou queda da saturação de oxigênio
- Fala incoerente, confusão, sonolência excessiva
- Erupções cutâneas extensas, sangramentos ou petéquias
- Sintomas de infecção ou piora de condições pré-existentes
Se ocorrer qualquer um desses sinais, procure atendimento médico imediatamente ou dirija-se ao serviço de emergência do centro onde está sendo tratado.
Acompanhamento a longo prazo e qualidade de vida
Mesmo após a fase de risco imediato, o acompanhamento é essencial. Os pacientes podem necessitar de:
- Consultas hematológicas periódicas para avaliar resposta, detecção precoce de recidiva e monitorização de toxicidades tardias
- Avaliações da função imune e reposição de imunoglobulina quando indicada
- Ajustes na estratégia de imunizações conforme orientação do especialista
- Avaliação da qualidade de vida, reabilitação física e suporte nutricional contínuo
O objetivo é controlar a doença, minimizar efeitos adversos e promover recuperação com a melhor qualidade de vida possível. A CAR-T é uma opção terapêutica potente, mas exige compromisso com seguimento especializado e comunicação aberta entre paciente, família e equipe.
Orientação final sobre terapia CAR-T
A terapia CAR-T representa um avanço importante no tratamento de doenças hematológicas refratárias, com potencial de remissão duradoura em certos contextos. No entanto, envolve várias etapas, riscos (como CRS e ICANS) e planejamento logístico. O sucesso depende de decisão compartilhada entre paciente, família e equipe especializada. Se você considera essa opção, converse com seu oncologista ou hematologista sobre elegibilidade, expectativas de resposta, manejo de efeitos adversos, logística do tratamento e suporte disponível. Integrar cuidados de nutrição, educação terapêutica e atenção à saúde cardiovascular pode melhorar desfechos e qualidade de vida.