Distúrbios do sono: rastreio, diagnóstico e manejo inicial
Introdução
Você identifica problemas de sono na consulta de rotina? Os distúrbios do sono são comuns e influenciam adesão terapêutica, risco cardiovascular e qualidade de vida. Este texto prático reúne critérios rápidos de rastreio, orientações para um diagnóstico básico e estratégias não farmacológicas iniciais aplicáveis na atenção primária e consultório.
1. Rastreio: como e quando suspeitar
Comece com perguntas diretas: dificuldade para iniciar ou manter o sono? Ronco e pausas respiratórias? Sonolência diurna excessiva? Movimentos ou sensações nas pernas que pioram à noite? Parassonias com comportamentos potencialmente perigosos? Use ferramentas validadas para sistematizar a triagem.
Ferramentas úteis
- Insomnia Severity Index (ISI) — avaliar severidade da insônia.
- Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) — qualidade global do sono.
- Epworth Sleepiness Scale (ESS) — sonolência diurna.
- STOP-Bang — triagem rápida para apneia obstrutiva do sono (AOS).
Registre rotina de sono (diário por 1–2 semanas) e verifique medicação, consumo de álcool/cafeína, turno de trabalho e comorbidades. Para apoio prático à promoção de sono saudável, veja o material do blog: sono saudável: práticas clínicas e dicas simples.
2. Diagnóstico básico: diferenciar as causas mais frequentes
Depois do rastreio, direcione a avaliação para os principais grupos diagnósticos: insônia, apneia obstrutiva do sono, síndrome das pernas inquietas, narcolepsia e parassonias. A história clínica e o exame físico (IMC, circunferência cervical, via aérea superior, sinais neurológicos) orientam o encaminhamento.
Quando pedir polissonografia
A polissonografia é indicada quando há suspeita de apneia moderada/grave, sonolência diurna com risco (ex.: trabalho em máquinas), ou quando o diagnóstico clínico é incerto. Para alternativas e exames em domicílio, consulte o guia prático do blog sobre polissonografia domiciliar portátil.
Sinais de alerta que justificam encaminhamento
- Ronco alto com episódios de interrupção respiratória e despertar com sensação de sufocamento.
- Sonolência diurna incapacitante (cegah de sonolência, acidentes).
- Parassonias com risco (sonambulismo violento, comportamentos perigosos durante o sono).
- Sintomas sugestivos de narcolepsia (cataplexia, sono irresistível e início precoce).
- Insônia refratária a intervenções comportamentais iniciais.
3. Manejo inicial não farmacológico
Antes de considerar medicação, implemente intervenções comportamentais e de ambiente. Essas medidas são centrais para insônia e úteis em outras condições associadas.
Terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC‑I)
A terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC‑I) é o tratamento de primeira linha para insônia crônica. Componentes práticos que o clínico pode iniciar ou orientar incluem:
- Restrição do sono (ajustar janela de sono para aumentar eficiência).
- Controle de estímulos (associação quarto/bed apenas para sono e sexo; levantar se não dormir em ~20 min).
- Higiene do sono (rotina, evitar eletrônicos antes de deitar, limitar cafeína/alcohol perto da noite).
- Técnicas cognitivas e relaxamento para reduzir ruminação noturna.
Orientações práticas de higiene podem ser encontradas em recursos clínicos e no nosso conteúdo: distúrbios do sono na APS, que integra estratégias para triagem e educação do paciente.
Intervenções para apneia
Em suspeita de AOS, medidas iniciais simples incluem perda de peso quando indicada, evitar sedativos/alcoól perto do horário de sono e posicionamento lateral durante a noite. Para exames e condução do teste domiciliar, veja o guia sobre polissonografia domiciliar. Encaminhe para estudo do sono quando houver risco elevado ou comorbidades cardiometabólicas.
Outras condições e medidas não farmacológicas
- Síndrome das pernas inquietas: investigar deficiência de ferro (ferritina), orientar exercícios leves e higiene do sono; encaminhar se sintomas moderados a graves.
- Parassonias: avaliar causas precipitantes (privação de sono, alcool, medicamentos), proteger segurança do paciente e considerar encaminhamento neurológico/sleep center se episódios perigosos.
- Uso de wearables e diários de sono pode ajudar no monitoramento longitudinal (ver também: monitorização por wearables e prontuário).
Fluxo prático em consulta
- Rastrear com perguntas-chave e ISI/ESS/STOP‑Bang.
- Se triagem positiva, investigar com anamnese detalhada, exame físico e diário do sono.
- Iniciar TCC‑I orientada, higiene do sono e medidas específicas (ex.: perda de peso, evitar sedativos) como primeira linha.
- Encaminhar para polissonografia ou especialista quando houver sinais de AOS moderado/grave, sonolência incapacitante, parassonias perigosas ou insônia refratária.
Recursos, diretrizes e referências
Recomenda-se seguir as diretrizes nacionais e sociedades científicas ao estruturar serviços de sono: a Associação Brasileira de Sono traz recomendações sobre avaliação e TCC‑I (sonoemedicina – publicações), e materiais da SPSP auxiliam na prática clínica. Para aspectos pediátricos consulte revisão específica sobre distúrbios do sono na infância.
Fechamento e orientações práticas
No consultório, priorize rastreio sistemático e intervenções comportamentais: a TCC‑I e a higiene do sono são medidas de alto impacto que reduzem necessidade de medicação. Use escalas simples (ISI, ESS, STOP‑Bang) para decidir exames complementares como polissonografia ou encaminhamento especializado. Integre material educativo e marque seguimento breve para avaliar resposta — pequenas mudanças podem gerar grande melhora na qualidade de vida.