O que é encefalopatia hepática mínima: diagnóstico e manejo

Encefalopatia hepática mínima (EHM) é um distúrbio neurocognitivo associado a doença hepática crônica, especialmente cirrose, que não cursa com sinais clínicos evidentes de encefalopatia hepática clinicamente manifesta (overt). Reconhecer a EHM é fundamental porque compromete atenção, memória, velocidade de processamento e coordenação motora, afetando segurança, adesão ao tratamento e qualidade de vida. Este texto aborda definição, diagnóstico, fatores precipitantes, tratamento (incluindo lactulose e rifaximina) e monitoramento para pacientes e profissionais de saúde.

O que é encefalopatia hepática mínima

A encefalopatia hepática mínima é uma forma subclínica de disfunção cerebral relacionada à insuficiência hepática. Os pacientes com EHM não apresentam confusão evidente ou sonolência profunda, mas apresentam déficits neuropsicológicos detectáveis por testes padronizados (PHES, ICT, CFF) e por avaliação clínica detalhada. A presença de EHM aumenta o risco de progressão para encefalopatia hepática clinicamente manifesta quando surgem fatores precipitantes ou há piora da função hepática.

Quem está em risco

  • Pessoas com cirrose por qualquer etiologia (álcool, hepatite viral, doença hepática gordurosa não alcoólica, entre outras).
  • Pacientes com comprometimento hepático crônico e níveis elevados de amônia circulante.
  • Presença de fatores precipitantes: infecção sistêmica, sangramento gastrointestinal, desidratação, distúrbios eletrolíticos (hiponatremia), constipação ou uso de sedativos/opióides.
  • Idade avançada e comorbidades que afetam a função cognitiva.

Profissionais devem considerar o impacto de comorbidades metabólicas — por exemplo, a doença hepática gordurosa não alcoólica — na progressão da disfunção cognitiva associada ao fígado.

Diagnóstico da encefalopatia hepática mínima

O diagnóstico combina testes neuropsicológicos padronizados com exclusão de outras causas de declínio cognitivo. Não há um único exame definitivo; a prática mais difundida inclui:

  • PHES (Psychometric Hepatic Encephalopathy Score) — bateria psicométrica que avalia atenção, memória, coordenação motora e velocidade de processamento.
  • ICT (Inhibitory Control Test) — prova de controle inibitório e função executiva, útil em ambulatório.
  • CFF (Critical Flicker Frequency) — avaliação neurofisiológica rápida da percepção visual; valores abaixo do limiar sugerem disfunção cerebral.
  • Avaliação clínica focada em alterações sutis de comportamento, compromisso da coordenação motora e relato de familiares ou cuidadores.

A combinação de testes aumenta sensibilidade e especificidade do diagnóstico. Em centros com recursos limitados, o uso rotineiro de escalas padronizadas e a atenção a sinais clínicos são essenciais.

Fatores de risco e precipitantes da encefalopatia hepática mínima

  • Infecção bacteriana ou viral sistêmica.
  • Sangramento gastrointestinal significativo (varizes, úlceras).
  • Desidratação, hiponatremia e outros distúrbios eletrolíticos.
  • Constipação e retenção de amônia no cólon.
  • Insuficiência renal associada e alterações no uso de diuréticos.
  • Uso de sedativos, benzodiazepínicos, opioides ou consumo de álcool.

Intervir precocemente nos precipitantes pode reverter déficits ou retardar a progressão da EHM.

Impacto na vida diária e na prática clínica

A EHM diminui a capacidade para tarefas que exigem atenção e coordenação (ex.: dirigir, operar máquinas), aumenta risco de quedas e reduz adesão a tratamentos. Em âmbito clínico, sua detecção exige ajuste no planejamento terapêutico, monitoramento mais frequente e educação do paciente e da família.

Tratamento e manejo da encefalopatia hepática mínima

O manejo baseia-se em três pilares: identificação e correção de precipitantes, tratamento específico para reduzir a produção/absorção de amônia e otimização nutricional/estilo de vida.

Identificação e correção de precipitantes

  • Tratar infecções com antibióticos apropriados e avaliar foco infeccioso.
  • Corrigir desidratação e distúrbios eletrolíticos (ex.: hiponatremia).
  • Controlar sangramento gastrointestinal com abordagem endoscópica e suporte hemodinâmico quando necessário.
  • Evitar sedação excessiva; revisar medicações que deprimam o SNC.

Terapias específicas (lactulose, rifaximina, LOLA)

  • Lactulose: terapia de primeira linha. Iniciar conforme tolerância (ex.: 20–30 ml várias vezes ao dia) e ajustar para 2–3 evacuações moles/dia. Monitorar hidratação e eletrólitos; efeitos adversos incluem flatulência e diarréia.
  • Rifaximina: antibiótico não absorvível que reduz a produção intestinal de amônia; frequentemente usado como adjuvante à lactulose em casos recorrentes ou de difícil controle. Doses usuais em protocolos variam (ex.: 1,1 g/dia a 1,2 g/dia), de acordo com orientação local.
  • L‑ornitina‑L‑aspartato (LOLA) e outros moduladores metabólicos podem ser considerados em contextos específicos; a indicação deve ser individualizada.

Em pacientes com indicação de TIPS (transjugular intrahepatic portosystemic shunt), discutir risco de piora da encefalopatia com equipe multidisciplinar, pois o procedimento pode aumentar a passagem de toxinas para circulação sistêmica e agravar a EHM.

Nutrição e estilo de vida

  • Manter ingestão adequada de proteína; restrição severa não é indicada. Considerar proteína de cadeia ramificada se houver intolerância.
  • Garantir nutrição equilibrada e suplementar vitaminas/minerais conforme deficiência identificada.
  • Prescrever exercício físico moderado, compatível com a condição clínica, para preservar massa muscular e função cognitiva.
  • Tratar constipação (fibras, hidratação) para reduzir produção de amônia intestinal.

Considerações para pacientes e cuidadores

  • Educar sobre sinais precoces de piora: confusão súbita, sonolência excessiva, alteração do comportamento.
  • Manter calendário de medicamentos (lactulose, rifaximina) e relatar efeitos colaterais à equipe de saúde.
  • Planejar acompanhamento com hepatologista, nutricionista e, quando disponível, equipe de reabilitação cognitiva ou neuropsicologia.

Monitoramento e acompanhamento

O seguimento deve incluir reavaliação neuropsicológica, monitorização laboratorial e revisão de medicamentos:

  • Reavaliar PHES, ICT ou outro teste validado a cada 6–12 meses ou diante de alteração clínica.
  • Monitorar níveis de amônia, função renal e eletrólitos em pacientes de risco, especialmente em uso de diuréticos.
  • Acompanhar adesão e tolerabilidade do tratamento (lactulose e rifaximina) e impactos na qualidade de vida.
  • Rever continuamente a necessidade de sedativos e ajustar manejo da dor priorizando alternativas que não deprimam o SNC.

Perguntas frequentes

1) A encefalopatia hepática mínima pode regredir com tratamento?

Sim. Muitos pacientes apresentam melhora ou estabilização com correção de precipitantes, uso adequado de lactulose e, quando indicado, rifaximina. A resposta depende da gravidade da doença hepática e da adesão terapêutica.

2) A dieta precisa ser restrita em proteínas?

Não. Restrição proteica severa não é recomendada. A proteína é essencial para manutenção da massa muscular; avalie tolerância individual e considere proteínas de cadeia ramificada quando indicado.

3) Qual a diferença entre EHM e encefalopatia hepática clinicamente manifesta?

A EHM é subclínica, com déficits detectáveis por testes neuropsicológicos. A encefalopatia clinicamente manifesta (overt) apresenta sinais claros como confusão, sonolência excessiva e risco de progressão para coma.

Orientações e próximos passos

A encefalopatia hepática mínima é um marcador importante de comprometimento neurocognitivo em doenças hepáticas crônicas. O manejo eficiente exige identificação precoce de precipitantes, uso racional de lactulose e rifaximina quando indicado, e abordagem nutricional e de reabilitação cognitiva. Pacientes e cuidadores devem discutir com o médico a necessidade de avaliação neuropsicológica periódica e estratégias de acompanhamento personalizadas. Para ampliar o entendimento sobre condições hepáticas relacionadas, veja também materiais sobre hepatite autoimune – sinais, exames e manejo e doença hepática gordurosa não alcoólica – diagnóstico e manejo, que complementam o contexto clínico e as decisões terapêuticas.

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