O que é hepatite autoimune: sinais, exames, diagnóstico diferencial e manejo inicial
Você já ouviu falar em hepatite autoimune? A hepatite autoimune é uma doença inflamatória crônica do fígado causada por uma resposta imune disfuncional que lesiona hepatócitos e pode progredir para fibrose e cirrose se não for tratada. Este texto explica, de forma direta e acessível, o que é hepatite autoimune, seus sinais, os exames essenciais para o diagnóstico, os principais diagnósticos diferenciais e as medidas iniciais de manejo para profissionais e pacientes.
Hepatite autoimune: apresentação clínica e sinais
A hepatite autoimune (abreviada AIH, do inglês autoimmune hepatitis) tende a afetar mais mulheres em idade fértil, mas pode ocorrer em qualquer sexo e faixa etária. As manifestações variam de assintomáticas a quadros de hepatite aguda com insuficiência hepática. Os achados mais frequentes:
- Sintomas inespecíficos: fadiga persistente, mal-estar, anorexia, perda de peso, dor discreta no quadrante superior direito.
- Icterícia e prurido: aparecem quando há comprometimento da excreção biliar ou colestase associada.
- Alterações laboratoriais: elevação marcada de aminotransferases (ALT e AST, frequentemente ALT>AST), variações em fosfatase alcalina (ALP) e GGT, hiperbilirrubinemia e alteração da síntese (albumina baixa, INR prolongado) em fases avançadas.
- Hipergamaglobulinemia: aumento de IgG é frequente e útil como marcador de atividade inflamatória.
- Associações autoimunes: pode coexistir com tireoidite (Hashimoto), lúpus, artrite reumatoide ou doença inflamatória intestinal, o que afeta o manejo global.
- Curso variável: alguns pacientes respondem rapidamente ao tratamento, outros evoluem para fibrose acelerada ou recaídas frequentes.
Exames essenciais para hepatite autoimune
O diagnóstico baseia-se na integração clínica, sorológica, laboratorial e histológica; não há um teste único diagnóstico. Exames recomendados:
- Painel de função hepática: ALT, AST, ALP, GGT, bilirrubinas total e direta, albumina, tempo de protrombina/INR para avaliar gravidade e função sintética.
- Dosagem de IgG e autoanticorpos: IgG total elevada é comum. Solicitar ANA (anticorpos antinucleares), ASMA (anticorpos anti-músculo liso), anti-LKM1 e, quando disponível, anti-SLA/LP. O padrão de autoanticorpos auxilia na classificação (AIH tipo 1 vs tipo 2) e na suspeita diagnóstica.
- Investigação de hepatites virais: excluir hepatites A, B, C, D e E por sorologia e PCR quando indicado, pois infecções virais podem mimetizar ou coexistir com AIH.
- Avaliação de causas metabólicas e tóxicas: excluir NAFLD/NASH, hepatopatia alcoólica, doença de depósito (hemocromatose), doença de Wilson (cobre) e DILI (drug-induced liver injury) pela anamnese e exames apropriados.
- Imagem do fígado: ultrassonografia abdominal inicial; elastografia (FibroScan ou elastografia por imagem) para estimar fibrose; TC ou RM quando indicado.
- Biópsia hepática: a biópsia hepática é frequentemente necessária para confirmar inflamação interface, presença de plasmócitos e para estadiar fibrose; é um pilar na confirmação diagnóstica quando o quadro não é claro.
Para leitura complementar sobre diagnóstico diferencial, consulte textos sobre hepatite B crônica e doença hepática gordurosa não alcoólica, que ajudam a diferenciar perfis laboratoriais e de imagem.
Diagnóstico diferencial de hepatite autoimune
É fundamental distinguir AIH de outras hepatites e de condições que elevam transaminases. Principais diagnósticos diferenciais:
- Hepatites virais agudas ou crônicas (A, B, C, D, E); sorologia e PCR orientam o diagnóstico.
- Hepatite induzida por drogas (DILI): vários medicamentos ou fitoterápicos podem causar lesão hepática com autoanticorpos positivos; anamnese farmacológica detalhada é essencial.
- Colangites autoimunes (PBC) e colangite esclerosante (PSC): podem coexistir com AIH (fenótipo misto AIH-PBC ou AIH-PSC); a presença de anticorpos antimitochondriais (AMA) e alterações colestáticas auxilia na diferenciação.
- NAFLD/NASH com inflamação: especialmente em pacientes com fatores metabólicos; imagem e avaliação de biomarcadores ajudam na distinção.
- Doenças metabólicas/genéticas: hemocromatose, doença de Wilson e outras doenças de depósito podem mimetizar AIH em determinados contextos.
Se persistirem dúvidas diagnósticas, o encaminhamento ao hepatologista é importante para avaliação especializada, revisão de biópsia hepática e definição terapêutica.
Manejo inicial da hepatite autoimune
O objetivo do tratamento é induzir e manter a remissão inflamatória, prevenir progressão para fibrose/cirrose e minimizar efeitos adversos. Estratégias iniciais praticáveis:
- Terapia imunossupressora de primeira linha: combinação de prednisolona (ou prednisona) com azatioprina é o esquema clássico com boa taxa de resposta clínica e normalização de ALT/AST e IgG em muitos casos. Em intolerância à azatioprina, alternativas incluem micofenolato mofetil sob supervisão especializada.
- Esquema e redução: iniciar corticosteroide em dose moderada e reduzir progressivamente conforme resposta bioquímica (tapering). A estratégia deve ser individualizada e monitorada por hepatologia.
- Monitorização: checar enzimas hepáticas a cada 4–6 semanas inicialmente; monitorar IgG, hemograma, função renal, glicemia, pressão arterial e efeitos adversos relacionados a imunossupressores.
- Prevenção e manejo de efeitos adversos: corticoterapia aumenta risco de ganho de peso, diabetes, hipertensão e osteoporose — considerar suplementação com cálcio e vitamina D, avaliar necessidade de bisfosfonato; azatioprina exige monitorização de hemograma e enzimas hepáticas por risco de mielossupressão e hepatotoxicidade.
- Recaídas: são frequentes após redução ou suspensão do corticosteroide; readequar terapia com apoio do hepatologista e reavaliar adesão e causas precipitantes.
- Educação e vacinação: orientar sobre adesão ao tratamento, risco de infecções e manter vacinas indicadas (incluindo hepatite A/B quando suscetíveis, influenza e pneumococo).
Durante o manejo, recursos como elastografia repetida ajudam a monitorar fibrose e guiar decisões de longo prazo.
Quando solicitar avaliação especializada
Encaminhar ao hepatologista nos seguintes cenários acelera diagnóstico e otimiza tratamento:
- Incerteza entre AIH e hepatite colestática ou viral;
- Resposta insuficiente ao tratamento inicial ou recaídas frequentes;
- Necessidade de ajuste de imunossupressores, testes genéticos ou manejo de efeitos colaterais complexos;
- Avaliação detalhada de fibrose (biópsia hepática ou elastografia) para planejamento terapêutico de longo prazo.
Estrutura prática do cuidado e prognóstico
O cuidado ideal é multidisciplinar: hepatologista, médico de atenção primária, nutricionista, farmacêutico clínico e equipe de suporte (psicólogo, serviço social) quando necessário. O prognóstico melhora com diagnóstico precoce, adesão ao tratamento e monitoramento regular. Medidas que influenciam positivamente o desfecho incluem controle das comorbidades, monitorização da fibrose por elastografia e adesão ao regime imunossupressor.
Orientações finais e ações recomendadas
Hepatite autoimune é potencialmente controlável com tratamento adequado e seguimento regular. Recomendações práticas:
- Solicitar avaliação hepatológica quando houver elevação persistente de ALT/AST com IgG elevada ou autoanticorpos positivos para confirmar AIH;
- Discutir com a equipe a estratégia de imunossupressão (prednisolona + azatioprina) e possíveis alternativas, monitorando efeitos adversos;
- Planejar monitorização periódica de função hepática, IgG e hemograma; ajustar doses visando o melhor balanço benefício‑risco;
- Adotar hábitos de vida saudáveis: dieta balanceada, atividade física compatível e manutenção do calendário vacinal;
- Buscar suporte multidisciplinar para manejo de comorbidades, densidade óssea e qualidade de vida; em casos de dúvida ou recaída, encaminhar ao hepatologista.
Para complementar a avaliação e comparar perfis clínicos, os leitores podem consultar conteúdos sobre hepatite B crônica, doença hepática gordurosa não alcoólica e vacinação em adultos com comorbidades. Mantendo-se atualizado com guias clínicos nacionais e internacionais, profissionais e pacientes melhoram o diagnóstico precoce e o manejo de hepatite autoimune.
Palavras-chave relacionadas incluídas no texto: autoanticorpos, biópsia hepática, imunossupressor, IgG, elastografia, fibrose.