Gastrite crônica: diagnóstico, tratamento e prevenção atualizados
A gastrite crônica é a inflamação persistente da mucosa gástrica que pode progredir para atrofia, úlcera ou, em casos especiais, aumentar o risco de câncer gástrico. Este texto sintetiza, em linguagem acessível a pacientes e profissionais, as abordagens atuais para diagnóstico, tratamento e prevenção, com foco em práticas baseadas em evidência.
Helicobacter pylori e gastrite
A infecção por Helicobacter pylori é a principal causa de gastrite tipo B e está associada a gastrite crônica, úlceras pépticas e neoplasia gástrica em populações de risco. A interação entre H. pylori e o microbioma intestinal pode modular a resposta inflamatória e influenciar a resposta ao tratamento, motivo pelo qual algumas diretrizes destacam a importância de avaliar fatores locais e epidemiológicos ao escolher o regime terapêutico (ver recomendações da World Gastroenterology Organisation).
Diagnóstico: endoscopia e testes não invasivos
O diagnóstico combina história clínica, exames laboratoriais e, quando indicado, endoscopia digestiva alta com biópsias. Sinais de alarme (perda de peso inexplicada, anemia, vômitos persistentes, sangramento digestivo ou disfagia) justificam endoscopia imediata.
- Testes não invasivos: teste respiratório da ureia (urease breath test) e antígeno fecal têm boa sensibilidade e especificidade para H. pylori em indivíduos não tratados recentemente com antibióticos ou IBP.
- Endoscopia digestiva alta: permite biópsia para histologia, teste rápido da urease em biópsia e cultura quando necessário; indicada em sintomas persistentes, sinais de alarme ou falha terapêutica.
- Exames complementares: hemograma, dosagem de pepsinogênios e testes de função hepática conforme contexto clínico.
Para orientações clínicas detalhadas sobre diagnóstico e manejo, consulte a revisão do Manual MSD e a síntese prática do BMJ Best Practice.
Tratamento: erradicação, IBPs e alternativas
O tratamento costuma ser etiológico quando H. pylori está presente. Os objetivos são erradicar a bactéria, controlar a inflamação e prevenir complicações.
Erradicação de H. pylori
Regimes usuais incluem uma combinação de inibidor da bomba de prótons (IBP) com antibióticos. A terapia tripla clássica (IBP + claritromicina + amoxicilina/metronidazol) por 14 dias ainda é utilizada em áreas com baixa resistência; em regiões com resistência elevada à claritromicina recomenda-se terapia quádrupla (com bismuto) ou alternativas guiadas por cultura ou testes moleculares. A confirmação da erradicação deve ser realizada 4–6 semanas após o término da terapia, preferencialmente com teste respiratório da ureia ou antígeno fecal.
Uso de inibidores da bomba de prótons (IBPs)
Os IBPs são fundamentais para reduzir a acidez, favorecer a cicatrização da mucosa e melhorar a eficácia da erradicação. A duração e a dose devem ser individualizadas: em gastrite sem complicações, cursos mais curtos podem ser suficientes; em úlceras ou lesões mais extensas, o tratamento pode se estender conforme resposta clínica e endoscópica.
Considerações sobre antibióticos e resistência
A crescente resistência bacteriana exige atenção: onde disponível, teste de sensibilidade ou estratégias empíricas baseadas em prevalência local são recomendáveis. Em falha terapêutica, a escolha de um novo esquema deve evitar antibióticos previamente usados sempre que possível.
Medidas gerais e prevenção
Além da terapia médica, medidas de prevenção e modificação de fatores de risco são essenciais:
- Evitar uso prolongado de AINEs quando possível; considerar protetecção gástrica em pacientes que necessitam de AINEs crônicos.
- Reduzir consumo de álcool e cessar tabagismo, que retardam a cicatrização e mantêm inflamação.
- Adotar dieta equilibrada, com redução de alimentos que irritam a mucosa em casos sintomáticos.
- Práticas de higiene (lavagem das mãos e saneamento) reduzem a transmissão de H. pylori em áreas de maior prevalência.
A saúde gástrica também está ligada ao ecossistema intestinal: estudos sobre o microbioma intestinal mostram impacto na inflamação local e na resposta imunológica, com implicações para prevenção e prognóstico. Estratégias de preservação da diversidade microbiana — quando clinicamente apropriadas — são tema de pesquisa e podem influenciar futuras recomendações.
Sinais de gravidade e encaminhamento
Encaminhe para avaliação gastroenterológica nos casos de:
- Sintomas de alarme (sangramento, perda de peso, anemia, disfagia).
- Falha de erradicação após esquema adequado ou recorrência de sintomas.
- Suspeita de lesão premaligna ou neoplásica na endoscopia.
O rastreio de lesões e o seguimento endoscópico devem seguir estratificação de risco local e diretrizes internacionais.
Resumo prático para pacientes e profissionais
Gastrite crônica exige diagnóstico preciso (testes não invasivos e endoscopia quando indicado), tratamento dirigido à causa (erradicação de H. pylori quando presente e IBPs conforme necessidade) e medidas de prevenção (evitar AINEs, reduzir álcool/tabaco, higiene). A avaliação do microbioma intestinal e a consideração da resistência antibiótica local ajudam a otimizar escolhas terapêuticas. Para protocolos e algoritmos atualizados, consulte a World Gastroenterology Organisation, o Manual MSD e o BMJ Best Practice.
Se houver dúvida clínica, sinais de alarme ou falha terapêutica, encaminhe ao gastroenterologista para endoscopia com biópsia e definição de estratégia de segunda linha.