Gestão multimodal da dor crônica não oncológica
Introdução
Como otimizar o cuidado de pacientes com dor que persiste por meses e compromete função, trabalho e qualidade de vida? A dor crônica não oncológica exige mais do que analgésicos isolados: pede avaliação integrada, estratégias multimodais e programas de reabilitação centrados no paciente. Este texto, pensado para profissionais de saúde, sintetiza conceitos, evidências e passos práticos para a abordagem clínica contemporânea.
Avaliação: além da intensidade
Avaliar dor crônica requer olhar multidimensional. Não basta registrar uma nota numa escala; é preciso mapear duração, padrão (contínua vs. intermitente), mecanismos (nociceptivo, neuropático, central), fatores psicossociais e impacto funcional.
Componentes essenciais da anamnese e exame
- História temporal, gatilhos e fatores de alívio/agravamento.
- Avaliação de sinais de sensibilização central — alodínia, hiperalgesia, distribuição difusa.
- Triagem para comorbidades comuns: depressão, ansiedade, distúrbios do sono, uso de substâncias e polifarmácia.
- Medidas de função: atividades diárias, trabalho, sono, uso de medicamentos e limitações físicas.
Para dor musculoesquelética específica, consulte material prático sobre avaliação e reabilitação da lombalgia e de síndromes musculoesqueléticas: dor lombar crônica e dor crônica musculoesquelética.
Tratamento multimodal: princípios e prática
O objetivo é reduzir dor e melhorar função com risco-benefício favorável. A estratégia multimodal combina intervenções farmacológicas e não farmacológicas, adaptadas ao mecanismo da dor e às prioridades do paciente.
Farmacoterapia: aplicar a escada e mitigar riscos
Diretrizes clássicas, incluindo a escada analgésica da OMS, orientam início com analgésicos não opioides e progressão escalonada conforme resposta e necessidade. Contudo, na prática clínica contemporânea, é essencial individualizar e monitorar efeitos adversos.
- Analgesia inicial: paracetamol e AINEs quando apropriado (avaliar risco cardiovascular, renal e gastrointestinal).
- Adjuvantes conforme mecanismo: antidepressivos (tricíclicos ou IRSN) e anticonvulsivantes para dor neuropática; relaxantes musculares em indicações específicas.
- Opioides: considerar apenas após avaliação cuidadosa de riscos/benefícios, com planejamento claro de metas funcionais, duração limitada e monitorização. Consulte diretrizes de prescrição segura ao manejar opioides: prescrição segura de opioides e recomendações de vigilância como as do CDC para prescrição responsável.
Recomenda-se integração de recomendações da OMS para analgesia com protocolos locais e monitorização rigorosa de polifarmácia e interações.
Intervenções não farmacológicas com evidência
Essas intervenções são centrais no tratamento multimodal e frequentemente impactam mais a função do que a intensidade pontual da dor.
- Exercício terapêutico e fisioterapia: programas graduados e orientados por objetivo funcional; evidência robusta para dor musculoesquelética.
- Terapia cognitivo-comportamental (TCC): reduz sofrimento, melhora coping e adesão — integrar com fisioterapia e educação. Revisões sistemáticas sustentam seu efeito em dor crônica.
- Programas de mindfulness e treinamento em atenção plena: útil como componente psicológico em programas de reabilitação multidisciplinares.
- Intervenções digitais e educação para melhorar adesão e autocontrole; ver estratégias de adesão terapêutica e educação centrada no paciente: adesão terapêutica e educação.
Terapias intervencionistas e algologia
Quando manejo conservador falha, técnicas intervencionistas podem ser consideradas por equipes especializadas, sempre avaliando relação risco/benefício.
- Bloqueios nervosos diagnósticos/terapêuticos e infiltrações guiadas por imagem.
- Estimulação elétrica (TENS) e neuromodulação (estimulação da medula espinal) em casos selecionados.
- Procedimentos ablativos (radiofrequência) para fontes estruturais bem definidas, com critérios claros de indicação.
Encaminhe para serviços de dor/intervencionistas quando houver indicação de procedimento e falha de abordagens multimodais bem conduzidas.
Reabilitação centrada na função
A reabilitação visa restaurar ou otimizar capacidades e promover independência. Deve ser personalizada, com metas funcionais mensuráveis e monitorização contínua.
Componentes de um programa de reabilitação eficaz
- Avaliação funcional inicial e definição de metas (retorno ao trabalho, atividades domésticas, sono).
- Plano de exercícios progressivos integrando força, resistência e flexibilidade; terapia ocupacional para soluções práticas.
- Integração de suporte psicológico (TCC, mindfulness) e manejo de comorbidades (sono, ansiedade, depressão).
- Reavaliações periódicas com ajuste de intervenções e foco na adesão.
Para modelos práticos de reabilitação aplicada à dor crônica inespecífica, veja também recursos sobre manejo e reabilitação: manejo da dor crônica inespecífica e reabilitação.
Educação, adesão e seguimento
A educação do paciente é pilar terapêutico: explicar mecanismos da dor, metas funcionais, expectativas realistas sobre analgesia e riscos de tratamentos (especialmente opioides). Planos de autocuidado, controle de gatilhos e estratégias de enfrentamento aumentam adesão.
Organize seguimento regular, use instrumentos padronizados de função e dor, e coordene comunicação entre atenção primária, especialistas em dor e reabilitação.
Fechamento e recomendações práticas
Em resumo, a gestão da dor crônica não oncológica é um processo dinâmico que combina avaliação multidimensional, tratamento multimodal (farmacológico e não farmacológico), uso criterioso de intervenções invasivas e programas de reabilitação voltados à função. Priorize metas funcionais, envolva o paciente em decisões compartilhadas e monitore segurança e adesão.
Recursos úteis para implementação clínica incluem as recomendações da OMS sobre analgésicos, materiais de atualização sobre manejo na atenção primária (por exemplo, artigo prático disponível em portal técnico) e diretrizes para prescrição responsável de opioides (ex.: CDC). Um resumo clínico prático e revisões sistemáticas sobre intervenções psicológicas e reabilitação apoiam a integração de TCC e programas de exercício na rotina do serviço.
Integre estes princípios no fluxo do serviço, crie vias clínicas locais com metas funcionais claras e envolva equipe multidisciplinar para melhorar resultados e reduzir riscos.
Referências e leitura adicional: Diretrizes da OMS (escada analgésica), artigo prático sobre manejo na atenção primária disponível em portal técnico (SecaD / Artmed) e recomendações do CDC sobre prescrição de opioides.