A hipercalcemia é uma condição frequente na prática clínica que varia de assintomática a situações com comprometimento renal, cardíaco ou neurológico. Este guia, dirigido a profissionais de saúde, apresenta um algoritmo prático atualizado para 2025, com diagnóstico diferencial, exames complementares, estratificação de risco, condutas agudas e seguimento de longo prazo.
Hipercalcemia: introdução
A prevalência da hipercalcemia aumenta com o envelhecimento e com o uso de terapias que alteram o metabolismo do cálcio. Muitos casos são incidentais; contudo, reconhecer sinais precoces e atuar de forma sistemática evita complicações como arritmias, desidratação, nefrocalcinose ou coma. Este texto usa linguagem adequada para endocrinologistas, nefrologistas, clínicos e equipes de enfermagem, integrando evidência até 2025.
Hipercalcemia: quadro clínico e diagnóstico inicial
A hipercalcemia pode ser descoberta em exames de rotina ou manifestar-se por poliúria, polidipsia, fadiga, fraqueza muscular, constipação, confusão, cólicas abdominais e, em graus mais severos, arritmias e alterações neurológicas. Antes de seguir o algoritmo, confirme a hipercalcemia com repetição do cálcio sérico, preferencialmente em momentos distintos.
Corrija o cálcio total pela albumina ou, preferencialmente, meça o cálcio ionizado quando disponível — especialmente em pacientes com alterações de albumina, acidose ou alcalose — para evitar interpretações errôneas.
Hipercalcemia: algoritmo diagnóstico prático 2025
O fluxo abaixo é aplicável na atenção primária, em urgência e na internação, permitindo tomada de decisão rápida e escalonada.
Hipercalcemia — passo 1: confirmação e diferenciação inicial
- Confirme hipercalcemia com cálcio total ajustado pela albumina ou cálcio ionizado.
- Determine se é PTH-dependente ou PTH-independente medindo PTH intacta.
- Se o PTH estiver elevado ou inapropriadamente normal, investigue causas PTH-dependentes (por exemplo, hiperparatireoidismo primário). Se o PTH estiver suprimido, direcione avaliação para etiologias PTH-independentes (malignidade, granulomatose, excesso de vitamina D, imobilização, etc.).
Hipercalcemia — passo 2: etiologia provável baseada no PTH
- PTH aumentado: suspeite de hiperparatireoidismo primário, hiperplasia ou adenoma de paratireoide; confirme com cálcio ionizado, 24-h de cálcio urinário e imagem de paratireoide (ultrassom cervical, cintilografia com sestamibi).
- PTH suprimido: avalie PTHrP, 25-OH vitamina D e 1,25(OH)2 vitamina D; procure malignidade com radiografia de tórax ou TC conforme clínica; considere investigação de granulomatose (dosagem de ACE, imagem torácica e avaliação clínica).
Hipercalcemia — passo 3: exames complementares e confirmação da etiologia
Exames essenciais para orientar diagnóstico e manejo:
- Cálcio ionizado (quando possível) e cálcio total corrigido pela albumina.
- 25-OH vitamina D e, se indicado, 1,25(OH)2 vitamina D; histórico de suplementação e exposição solar.
- PTH intacta e, quando apropriado, PTHrP para diferenciar hipercalcemias paraneoplásicas.
- Função renal (creatinina, eGFR) e eletrólitos: fósforo, sódio, potássio.
- Avaliação para doenças granulomatosas (ACE, estudos de imagem) e investigação oncológica conforme suspeita clínica.
- Imagem direcionada: ultrassom de paratireoide, cintilografia com sestamibi e tomografias conforme necessidade.
Hipercalcemia: manejo inicial e terapêutico
O tratamento deve ser rápido e individualizado conforme gravidade, função renal e comorbidades.
- Hidratação vigorosa com soro fisiológico 0,9% para aumentar a excreção renal de cálcio e corrigir desidratação.
- Calcitonina para alívio sintomático rápido — efeito transitório (24–48 horas).
- Bisfosfonatos (pamidronato, zoledronato) para redução sustentada do cálcio; ajustar dose conforme função renal.
- Denosumabe como alternativa quando bisfosfonatos são contraindicados ou ineficazes, especialmente em insuficiência renal; risco de hipocalcemia pós-tratamento exige monitorização.
- Corrigir deficiências associadas (vitamina D quando indicada, fósforo) e tratar a causa subjacente: cirurgia para hiperparatireoidismo primário ou tratamento oncológico para hipercalcemia maligna.
Hipercalcemia — tratamento por etiologia específica
- Hiperparatireoidismo primário: cirurgia de paratireoide é o tratamento definitivo quando indicada; manejo pré-operatório com bisfosfonatos ou denosumabe conforme função renal.
- Hipercalcemia por malignidade: frequentemente associada a PTHrP ou metástases ósseas; trate com hidratação, bisfosfonatos ou denosumabe e terapia antineoplásica adequada.
- Granulomatose e intoxicação por vitamina D: corticosteroides são referência para sarcoidose e outras granulomatoses que elevam 1,25(OH)2 vitamina D; suspenda suplementação de vitamina D quando indicada.
- Imobilização prolongada: reidratação, mobilização precoce e reabilitação para limitar perda óssea.
Hipercalcemia: imagens e laboratório na prática clínica
Imagem e exames laboratoriais confirmam etiologia, orientam terapia e monitoram resposta:
- Ultrassom cervical para paratireoide; cintilografia com sestamibi quando ultrassonografia for inconclusiva.
- Tomografia de pescoço, tórax ou abdome conforme suspeita de malignidade.
- Dosagens laboratoriais contínuas: albumina, creatinina, fósforo, 25-OH vitamina D e 1,25(OH)2 vitamina D quando indicado.
Hipercalcemia: seguimento e monitorização
- Na fase aguda, monitorizar cálcio sérico semanalmente ou conforme gravidade; após estabilização, repetir a cada 3–6 meses conforme etiologia e resposta.
- Acompanhar função renal, fósforo e vitamina D para ajustar terapias de manutenção.
- Em hiperparatireoidismo primário, acompanhamento com endocrinologia, avaliação da massa óssea (DEXA) e planejamento cirúrgico quando indicado.
- Vigiar complicações: nefrolitíase, nefrocalcinose, arritmias e alterações neurológicas.
Hipercalcemia: conselhos práticos para prática clínica
- Inicie hidratação para aumentar excreção renal de cálcio.
- Use calcitonina para alívio inicial, sabendo que sua ação é curta.
- Prefira bisfosfonatos quando a função renal permitir; monitorize cálcio 1–3 dias após a infusão.
- Considere denosumabe em insuficiência renal grave ou falha de bisfosfonatos.
- Identifique rapidamente a etiologia — se não for óbvia, encaminhe para endocrinologia ou oncologia conforme suspeita.
- Planeje medidas para prevenção de recorrência: manejo de vitamina D, hidratação adequada, nutrição e atividade física conforme etiologia.
Para estratégias de adesão terapêutica e gestão de comorbidades, consulte o conteúdo sobre metas de tratamento e adesão em comorbidades. Considerações sobre manejo da obesidade podem influenciar o cuidado integrado e estão descritas em manejo prático da obesidade: metas e adesão.
Hipercalcemia: implicações práticas para diferentes cenários clínicos
Na atenção primária, identificar hipercalcemia evita internações. Em urgência, estabilize volume, corrija cálcio e monitore eletrólitos e função renal. Em serviços oncológicos, o manejo é orientado pela etiologia e exige coordenação entre endocrinologia, nefrologia, oncologia e cirurgia.
Hipercalcemia: integração com ferramentas de saúde e recursos práticos
Soluções de monitorização remota, registros eletrônicos e programas de adesão podem reduzir readmissões e melhorar seguimento de hipercalcemia, especialmente em pacientes com comorbidades crônicas.
Hipercalcemia: riscos, limitações e considerações éticas
A decisão terapêutica deve ponderar função renal, risco de hipocalcemia induzida por tratamento, interações medicamentosas e preferências do paciente. Em cuidados paliativos, alinhar objetivos de cuidado é essencial.
Hipercalcemia: resumo prático
Aborde a hipercalcemia confirmando cálcio (preferir cálcio ionizado), avaliando PTH para distinguir causas PTH-dependentes de PTH-independentes, e solicitando PTHrP e doses de vitamina D conforme necessário. Maneje inicialmente com hidratação, calcitonina para alívio imediato e bisfosfonatos ou denosumabe para redução sustentada; trate a causa de base (por exemplo, cirurgia em hiperparatireoidismo primário ou terapia oncológica na hipercalcemia maligna). Monitore cálcio, fósforo, vitamina D e função renal para ajustar a terapêutica e prevenir recidivas.
Notas adicionais: este material complementa leituras sobre adesão terapêutica e gestão integrada de comorbidades disponíveis nos links citados no texto.