Hiponatremia na prática clínica: guia para a atenção primária

Introdução
A hiponatremia é um achado frequente na atenção primária e pode causar danos neurológicos graves se não for reconhecida e manejada adequadamente. Este guia prático traz orientações objetivas para diagnóstico, estratificação de gravidade e manejo inicial na consulta, incluindo monitorização, medidas conservadoras, critérios de encaminhamento e prevenção da síndrome de desmielinização osmótica (ODS). O texto usa evidências aplicáveis ao ambiente ambulatorial, com foco em decisões custo‑efetivas e seguras.

Hiponatremia: panorama e fisiopatologia resumidos

A hiponatremia corresponde à concentração sérica de sódio (Na+) < 135 mEq/L e traduz desequilíbrio entre ingestão/excreção de água e regulação de eletrólitos. Em termos práticos, a conduta depende do volume intravascular, da etiologia (ex.: SIADH, perdas gastrointestinais, diuréticos tiazídicos) e do tempo de evolução (aguda vs crônica).

  • Etiologias comuns na atenção primária: síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH), diuréticos tiazídicos, insuficiência cardíaca, cirrose, insuficiência adrenal, hipotireoidismo, polidipsia psicogênica e perdas gastrointestinais.
  • Classificação por status volêmico: hipovolêmica, euvolêmica (frequente na SIADH) e hipervolêmica (ex.: insuficiência cardíaca, cirrose).
  • Risco de correção rápida: correção excessiva do Na+ em hiponatremia crônica aumenta o risco de síndrome de desmielinização osmótica (ODS). Metas de correção graduais protegem o sistema nervoso central.

Hiponatremia: estratificação de gravidade e sinais de alerta

A avaliação clínica deve priorizar o tempo de evolução e sinais neurológicos. Identifique rapidamente sinais que exigem suporte emergencial (convulsões, alteração do nível de consciência, rigidez) e sinais que orientam o volume (hipotensão ortostática, edema, distensão jugular).

  • Sintomas graves/agudos: convulsões, coma, alteração marcada do nível de consciência — manejo em emergência com monitorização intensiva.
  • Sintomas moderados: sonolência excessiva, náuseas intensas, tontura, cefaleia significativa.
  • Sintomas leves: fadiga, mal-estar, ligeira confusão — comuns na hiponatremia crônica compensada.

Hiponatremia: abordagem prática na avaliação inicial

Sequência recomendada na atenção primária: história completa (medicações, ingestão hídrica, vômitos/diarreia), exame físico orientado ao volume e exames laboratoriais iniciais.

  • História e medicamentos: investigue uso de diuréticos tiazídicos, antidepressivos (SSRIs), antipsicóticos, anticonvulsivantes e outros fármacos associados à SIADH.
  • Avaliação do volume: taquicardia, hipotensão, mucosas secas (hipovolemia); edema periférico, ascite, ingurgitamento jugular (hipervolemia).
  • Exames iniciais: sódio sérico (Na+), osmolaridade plasmática e urinária, osmolaridade urinária (ou osmolalidade urinária), creatinina, glicemia, potássio, TSH/T4 livre e cortisol matinal quando houver suspeita de insuficiência adrenal.

Use protocolos locais como referência prática, por exemplo os protocolos clínicos e diretrizes práticas ao decidir encaminamento ou ajustes terapêuticos.

Hiponatremia: diagnóstico diferencial estruturado

Oriente o diagnóstico diferencial pelo status volêmico e pela osmolaridade plasmática. Na prática ambulatorial, SIADH e efeitos de medicações são causas frequentes de hiponatremia euvolêmica.

  • Hiponatremia hipovolêmica: perda de sódio (vômitos, diarreia, diurese) tratada inicialmente com reposição isotônica (0,9% NaCl) ajustada ao estado clínico.
  • Hiponatremia euvolêmica/hipervolêmica: SIADH, insuficiência cardíaca, cirrose; manejo envolve restrição de fluidos, tratar a causa subjacente e, se hospitalizado, considerar diuréticos de alça ou antagonistas da vasopressina.
  • Medicações como causa: suspensão ou troca de fármacos que induzem hiponatremia, com monitorização próxima do sódio sérico.

Hiponatremia: manejo inicial na atenção primária

O manejo depende de gravidade, etiologia e tempo de evolução. Na atenção primária a maioria dos casos é assintomática ou apresenta sintomas leves a moderados.

  • Sintomática grave: suporte imediato e administração de solução hipertônica (salina 3%) em bolus (por exemplo, 100 mL, repetir até 300 mL conforme resposta), com monitorização frequente de Na+ e sinais neurológicos. Objetivo: corrigir o suficiente para reverter sinais neurológicos sem exceder taxas seguras de correção.
  • Sintomática leve a moderada: restrição de fluidos, suspensão de medicamentos precipitantes, correção da volemia se hipovolêmica e monitorização do sódio a cada 6–12 horas.
  • Assintomática: investigar a causa e monitorar; em SIADH leve, a restrição de fluidos pode ser suficiente.

Metas de correção: em hiponatremia crônica, recomenda‑se não exceder 6–8 mEq/L nas primeiras 24 horas e 8–12 mEq/L nas primeiras 48 horas; pacientes de alto risco (álcool, desnutrição, níveis muito baixos de Na+) exigem correção ainda mais lenta para prevenir ODS.

Hiponatremia: estratégias terapêuticas por etiologia

Hiponatremia hipovolêmica

Repor volume com solução isotônica (0,9% NaCl) e reavaliar Na+ e sinais vitais. Se a sodiumemia não subir conforme esperado, reavalie causa (ex.: perdas contínuas, insuficiência adrenal) e ajuste conduta.

Hiponatremia euvolêmica/hipervolêmica (incluindo SIADH)

Para SIADH, iniciar restrição de fluidos; se insuficiente, considerar aumento da solutos (dietético/sal) e, em ambiente hospitalar, uso controlado de diuréticos de alça ou antagonistas de vasopressina (tolvaptan, conivaptan) com supervisão devido ao risco de correção rápida.

Hiponatremia por medicações

Suspender ou substituir fármacos implicados (diuréticos tiazídicos, SSRIs, anticonvulsivantes, antipsicóticos) e monitorar Na+ nas 24–72 horas seguintes.

Pacientes com doenças crônicas

Em insuficiência cardíaca, cirrose ou doença renal crônica, o manejo é individualizado: ajuste de diuréticos, restrição hídrica, monitorização renal e acompanhamento por nefrologia/hepatologia conforme necessidade.

Hiponatremia: plano de monitorização e critérios de encaminhamento

  • Monitorização do Na+: a cada 4–6 horas durante correção ativa ou se houver sinais neurológicos; depois a cada 12–24 horas conforme estabilidade clínica.
  • Sinais vitais e volume: acompanhar pressão arterial, frequência cardíaca, diurese e peso quando possível.
  • Revisão medicamentosa: identificar e ajustar drogas que favoreçam hiponatremia.
  • Encaminhamento: procure nefrologia ou endocrinologia se houver etiologia não esclarecida, falha terapêutica ou hiponatremia grave/sintomática. Pacientes com convulsões ou comprometimento neurológico devem ser encaminhados imediatamente ao pronto‑socorro.

Consulte o guia de protocolos clínicos e diretrizes práticas para fluxogramas e limites de intervenção baseados em evidência.

Hiponatremia: exemplos clínicos breves

Caso 1: idosa com SIADH leve e Na+ 128 mEq/L, assintomática — adotou restrição de fluidos, revisão medicamentosa e monitorização a cada 12–24 horas; Na+ subiu para 131 mEq/L em 48 horas sem sinais neurológicos.

Caso 2: paciente com Na+ 124 mEq/L, náuseas e confusão leve por hipovolemia após vômitos — reposição com 0,9% NaCl em bolus e monitorização a cada 4 horas, com melhora clínica sem correção rápida.

Caso 3: idoso em uso de diurético tiazídico com Na+ 127 mEq/L, sem sintomas — interrupção do diurético, restrição de fluidos e meta de aumento gradual do sódio (4–6 mEq/L nas primeiras 24 horas), com seguimento ambulatorial.

Hiponatremia: manejo seguro e recomendações finais

Na atenção primária, foque em confirmar hiponatremia, avaliar etiologia (SIADH, diuréticos tiazídicos, perda de volume), estratificar risco e aplicar medidas iniciais seguras: restrição de fluidos quando indicada, correção da volemia com solução isotônica e uso criterioso de solução hipertônica em situação neurológica grave. Monitore o sódio sérico regularmente para evitar correção excessiva e encaminhe pacientes com sinais neurológicos, falha terapêutica ou etiologia complexa para serviços de referência.

Para ampliar o raciocínio clínico, consulte conteúdos correlatos como boas práticas de uso de antibióticos e avaliação inicial de demência — prática clínica, que ajudam a identificar comorbidades e causas precipitantes em pacientes idosos.

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