Manejo prático da dislipidemia na atenção primária

Manejo prático da dislipidemia na atenção primária

Introdução

Como reduzir o risco de eventos cardiovasculares no consultório de atenção primária? A dislipidemia é uma das principais alavancas modificáveis: controlar o colesterol LDL, tratar triglicerídeos elevados e melhorar a adesão ao tratamento são intervenções que salvam vidas. Este texto traz um roteiro prático, baseado em diretrizes e evidências, para definição de metas, indicação e monitoramento de estatinas e estratégias para aumentar a aderência ao longo do tempo.

Avaliação e classificação inicial

Antes de iniciar ou ajustar terapia, faça uma avaliação estruturada:

  • História clínica dirigida: antecedentes de doença cardiovascular aterosclerótica, diabetes, tabagismo, hipertensão, história familiar de hipercolesterolemia.
  • Exames laboratoriais básicos: perfil lipídico (LDL, HDL, triglicerídeos), glicemia/HbA1c, função hepática e, se indicado, creatina quinase em sintoma muscular.
  • Avaliação do risco cardiovascular global do paciente (scores de risco). Em atenção primária, estratifique pacientes em risco baixo, intermediário, alto ou muito alto para guiar metas e intensidade terapêutica.
  • Investigar causas secundárias de dislipidemia (hipotireoidismo, síndrome nefrótica, uso de medicamentos, alcoolismo, dietas desequilibradas).

Para aprofundar avaliação diagnóstica e metas na prática clínica, consulte o nosso guia sobre dislipidemia: metas, diagnóstico e terapias.

Metas terapêuticas e tomada de decisão

As diretrizes nacionais e sociedades científicas recomendam reduzir o colesterol LDL a níveis proporcionais ao risco aterosclerótico: quanto maior o risco, menor deve ser o LDL alvo. Exemplos práticos frequentemente adotados são:

  • Pacientes com doença aterosclerótica estabelecida (prevenção secundária): alvo mais agressivo (por exemplo, LDL frequentemente <55 mg/dL ou redução percentual significativa em comparação ao basal).
  • Pacientes de alto risco (diabetes com fatores adicionais, múltiplos fatores de risco): metas intermediárias (por exemplo, LDL <70 mg/dL).
  • Risco baixo/moderado: metas mais conservadoras, priorizando mudança de estilo de vida com reavaliação e terapia farmacológica conforme necessidade.

As recomendações detalhadas das diretrizes podem ser consultadas em documentos oficiais, como o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dislipidemia e a atualização brasileira sobre dislipidemias (revistas científicas nacionais).

Indicação e escolha de estatina

As estatinas são a pedra angular do tratamento para redução do colesterol LDL e prevenção de eventos cardiovasculares. Principais pontos práticos:

  • Indicação deve basear-se na estratificação de risco: prevenção secundária indica estatina na maioria dos casos; na prevenção primária, indique conforme risco e metas.
  • Escolha da dose: adotar intensidade conforme objetivo (ex.: estatina de alta intensidade quando necessário para redução maior do LDL). Exemplos clínicos de esquemas e ajustes dependem do contexto e tolerabilidade.
  • Iniciar sempre com orientação sobre mudança de estilo de vida (dieta, atividade física) e revisar interações medicamentosas antes de prescrever.

Para pacientes com diabetes, a Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024) traz recomendações específicas sobre quando intensificar a terapia lipídica.

Monitoramento e manejo de eventos adversos

Rotina prática de acompanhamento:

  • Exames antes do início: perfil lipídico e enzimas hepáticas (ALT/AST).
  • Reavaliar perfil lipídico 6 a 12 semanas após início ou ajuste de dose para avaliar resposta e adesão.
  • Se o paciente relatar mialgia: avaliar CK se sintomatologia significativa; considerar redução de dose, troca por outra estatina, uso em dias alternados ou investigação de causas concorrentes.
  • Monitorar função hepática apenas na presença de sintomas ou elevação significativa; rotina de testes periódicos sem sintomas não é mandatório na maioria dos casos.

Abordagem prática na consulta — algoritmo resumido

  • Avaliar risco cardiovascular e causas secundárias.
  • Orientar mudanças no estilo de vida (dieta, atividade física, cessação tabágica).
  • Decidir meta de LDL conforme risco; iniciar estatina quando indicada.
  • Reavaliar 6–12 semanas; ajustar intensidade ou encaminhar se meta não for atingida apesar de adesão adequada.
  • Considerar terapias complementares (ezetimiba, inibidores de PCSK9) em casos selecionados e conforme acesso/indicações das diretrizes.

Estratégias para melhorar adesão ao tratamento

A adesão ao tratamento é crítica para que as reduções de risco traduzam-se em benefícios reais. Estratégias aplicáveis na atenção primária:

  • Educação breve e dirigida: explique risco absoluto e benefício esperado com números simples (redução de eventos por 100 pacientes tratados, quando possível).
  • Simplificar esquemas: preferir posologia única diária, usar genéricos e fixed-dose quando disponíveis, reduzir número de frascos.
  • Ferramentas de seguimento: consultas programadas curtas, lembretes por SMS/telefone, adesão-terapêutica envolvendo enfermagem e farmacêuticos.
  • Endereçar barreiras não clínicas: custos, crenças sobre efeitos adversos e percepção de benefício; considerar suporte social ou programas de acesso a medicamentos.
  • Integração com outras intervenções cardiovasculares: programas de reabilitação cardiovascular e orientações sobre nutrição e atividade física reforçam adesão e resultados.

Para estratégias e práticas de adesão na APS, leia nosso texto sobre adesão terapêutica na atenção primária.

Quando encaminhar ou buscar segunda linha

Considere encaminhar para cardiologia ou lipidologia quando:

  • falha de atingir metas mesmo com adesão comprovada e otimização terapêutica;
  • suspeita de hipercolesterolemia familiar ou níveis muito elevados de LDL (>190 mg/dL);
  • reações adversas graves a estatinas ou necessidade de terapias avançadas (inibidores de PCSK9, terapias combinadas) ou investigação genética.

Fechamento e pontos práticos para a consulta

Na atenção primária, o manejo eficaz da dislipidemia combina estratificação de risco, metas claras de colesterol LDL, prescrição adequada de estatinas e ações concretas para melhorar a adesão ao tratamento. Dicas rápidas para aplicar amanhã no consultório:

  • Estratifique risco em toda avaliação de rotina; documente meta de LDL no plano de cuidado.
  • Ofereça uma mensagem simples sobre benefício da estatina e marque retorno em 6–12 semanas para revisão do perfil lipídico.
  • Simplifique a terapia e conecte o paciente a recursos (enfermagem, farmacêutico, programas de exercício e nutrição).

Referências selecionadas e diretrizes para aprofundamento: o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dislipidemia, a Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024) e a Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (2017) fornecem bases para decisões clínicas e protocolos locais.

Se quiser um fluxograma imprimível ou uma ficha para entrega ao paciente com explicações simples sobre colesterol, diga qual formato prefere e eu preparo.

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