O que é prehabilitação pré-operatória: protocolos práticos

O que é prehabilitação pré-operatória: protocolos práticos

A prehabilitação pré-operatória reúne intervenções multidisciplinares — clínicas, físicas, nutricionais e psicossociais — planejadas para otimizar a condição do paciente antes da cirurgia. O objetivo é reduzir complicações, diminuir tempo de internação e acelerar a recuperação funcional. Este texto, voltado a profissionais de saúde, apresenta conceitos, componentes essenciais, evidências e um roteiro prático para estruturar programas que se integrem ao fluxo clínico, incluindo princípios de ERAS (recuperação acelerada).

O que é prehabilitação pré-operatória

Definição: conjunto de intervenções realizadas no período pré-operatório com objetivo de otimizar a reserva fisiológica do paciente, reduzir complicações perioperatórias e promover recuperação mais rápida e estável após a cirurgia. Trata-se de uma abordagem multidisciplinar que complementa a avaliação pré-operatória tradicional.

Equipes envolvidas costumam incluir cirurgiões, anestesiologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e, quando necessário, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. O foco é otimizar condicionamento físico (exercício pré-operatório), estado nutricional (nutrição perioperatória), controle de comorbidades como anemia e diabetes, manejo da dor e suporte psicossocial.

Componentes-chave da prehabilitação

A abordagem ideal é personalizada, considerando o tipo de cirurgia, condição clínica e fatores de risco. A seguir, os pilares mais utilizados em programas bem-sucedidos.

1) Avaliação pré-operatória abrangente

Uma avaliação detalhada norteia o plano individualizado. Deve incluir:

  • Revisão de comorbidades (cardíacas, pulmonares, renais, metabólicas) e estatuto funcional;
  • Identificação de fatores de risco modificáveis: tabagismo, obesidade, sedentarismo, anemia ferropriva, deficiências nutricionais (por exemplo vitamina D), desidratação, distúrbios do sono e uso inadequado de medicamentos;
  • Exames laboratoriais e de imagem direcionados ao tipo de cirurgia;
  • Planejamento de analgesia perioperatória (analgesia multimodal) e prevenção de náuseas e vômitos;
  • Definição de objetivos funcionais preoperatórios (ex.: distância de caminhada, ganho de força);
  • Identificação de barreiras sociais, econômicas ou logísticas que impactem adesão.

Essa avaliação deve resultar em um plano de prehabilitação individualizado, com metas mensuráveis e cronograma alinhado ao calendário cirúrgico.

2) Exercício físico supervisionado

O exercício pré-operatório melhora força muscular, resistência aeróbica e capacidade funcional, reduzindo complicações respiratórias e acelerando a volta às atividades. Recomendações práticas:

  • Programa supervisionado por fisioterapeuta ou profissional qualificado, com duração variável (geralmente 2 a 8 semanas, conforme disponibilidade pré-operatória);
  • Treinamento de resistência focado em grupos musculares relevantes para a cirurgia (por exemplo, quadríceps em artroplastia de joelho);
  • Exercício aeróbico progressivo (caminhada rápida, bicicleta ergométrica) adaptado à tolerância do paciente;
  • Progressão baseada em tolerância ao esforço (escala de Borg ou equivalente) e ajustes para limitações articulares;
  • Educação sobre aquecimento, hidratação e sinais de alerta para interromper atividade.

Modelos de reabilitação cardíaca ambulatorial podem servir de referência para estruturação de programas e estratégias de adesão: reabilitação cardíaca ambulatorial.

3) Nutrição e otimização metabólica

A nutrição perioperatória influencia resposta inflamatória, cicatrização e recuperação. Ações essenciais:

  • Avaliar estado nutricional (IMC, albumina, proteína total) e investigar deficiências (ferro, vitamina D, vitamina B12);
  • Promover suporte nutricional individualizado, com ênfase em ingestão protéica adequada (1,2–2,0 g/kg/dia quando indicado);
  • Corrigir anemia ferropriva antes da cirurgia quando possível (suplementação oral ou intravenosa conforme indicação);
  • Planejar jejum e hidratação segundo diretrizes atuais para reduzir riscos de aspiração e hipovolemia;
  • Monitorar controle glicêmico em diabéticos e ajustar terapias conforme o plano perioperatório.

Abordagens nutricionais bem conduzidas reduzem risco de infecção, atraso na cicatrização e prolongamento da internação.

4) Otimização de comorbidades e medicamentos

Ajustes farmacológicos e controle clínico prévios à cirurgia reduzem eventos adversos. Itens-chave:

  • Ajuste de antihipertensivos, insulina e outras terapias conforme protocolos perioperatórios;
  • Decisão coordenada sobre continuidade ou suspensão temporária de anticoagulantes, antiagregantes e estatinas;
  • Avaliação de interações medicamentosas que possam afetar anestesia ou jejum;
  • Intervenção para cessação do tabagismo com apoio comportamental e farmacológico quando indicado.

5) Saúde mental, sono e manejo da dor

Ansiedade e sono inadequado impactam recuperação. Recomendações práticas:

  • Aplicar técnicas de relaxamento, respiração e, quando necessário, apoio psicológico breve;
  • Orientar higiene do sono e manejo de distúrbios como apneia do sono;
  • Planejar analgesia multimodal para reduzir uso de opióides e facilitar mobilização precoce;
  • Educar paciente e família sobre expectativas de dor e estratégias de autocuidado.

6) Planejamento perioperatório e integração com ERAS

Protocolos de recuperação acelerada (ERAS) complementam a prehabilitação ao reduzir resposta inflamatória e preservar funções fisiológicas. Componentes comuns:

  • Educação pré-operatória detalhada ao paciente e familiares;
  • Manutenção de nutrição e hidratação adequadas no perioperatório;
  • Redução de jejum prolongado, analgesia multimodal e mobilização precoce;
  • Evitar reposição excessiva de líquidos intravenosos e promover alta precoce segura.

Evidências atuais sobre prehabilitação

Estudos mostram benefícios consistentes da prehabilitação em diferentes especialidades: redução de complicações pós-operatórias, melhora da função física e qualidade de vida, diminuição do tempo de internação e menor consumo de recursos. A magnitude do efeito varia segundo o tipo de cirurgia, comorbidades (por exemplo sarcopenia) e adesão ao programa. Programas iniciados com antecedência suficiente e com suporte motivacional têm maior probabilidade de sucesso.

Para ampliar abordagens relacionadas ao manejo da dor e reabilitação, veja materiais internos sobre manejo da dor crônica musculoesquelética e reabilitação cardíaca ambulatorial.

Como estruturar um programa de prehabilitação na prática

Passos operacionais para implementação clínica:

  • Triagem de elegibilidade: identificar pacientes de alto risco, idosos, comorbidades ou baixa reserva funcional;
  • Equipe multidisciplinar: definir papéis de cirurgia, anestesia, fisioterapia, nutrição, psicologia, farmácia e enfermagem;
  • Protocolos padronizados: checklists, metas mensuráveis e cronogramas ajustáveis (2–8 semanas);
  • Monitorização: adesão, alterações fisiológicas (força, massa magra, marcadores laboratoriais) e desfechos (tempo de internação, readmissões);
  • Integração com ERAS e comunicação clara entre serviços;
  • Educação ao paciente: materiais com exercícios, orientação nutricional e expectativas realistas.

Conteúdos complementares sobre adesão e reabilitação estão disponíveis em reabilitação cardíaca ambulatorial e manejo da obesidade.

Casos práticos: aplicação da prehabilitação

  • Caso A: artroplastia de joelho em paciente com sobrepeso e inatividade

    Meta: aumentar força de quadríceps e endurance; corrigir deficiência de vitamina D; otimizar analgesia multimodal. Intervenções: treino de 4–6 semanas, suporte proteico, cessação de tabagismo e educação ERAS.

  • Caso B: cirurgia colorretal em paciente com anemia ferropriva e sarcopenia

    Meta: corrigir anemia para reduzir transfusões; melhorar massa magra com alimentação proteica de alta biodisponibilidade e treino de resistência; planejamento de analgesia e mobilização precoce.

  • Caso C: cirurgia oncológica em idoso com multimorbidades

    Meta: otimizar reserva funcional, manejar comorbidades e oferecer suporte psicossocial. Intervenções: ajuste de medicamentos, treino adaptativo, intervenção nutricional e apoio para adesão ao plano.

Considerações especiais para grupos de risco

  • Idosos: avaliar risco de quedas, polifarmácia, função cognitiva e mobilidade; priorizar exercícios de equilíbrio, força e atividades funcionais.
  • Pacientes com câncer: priorizar nutrição proteica, manejo de anemia e atividade física adaptada à tolerância.
  • Doenças cardíacas ou respiratórias: ajustar medicações, realizar avaliação funcional e treinos supervisionados com monitorização de saturação e resposta hemodinâmica.

Referências internas úteis sobre prevenção de quedas e reabilitação estão em prevenção de quedas em idosos e nos materiais de reabilitação acima citados.

Segurança, limitações e ética

A prehabilitação não substitui julgamento clínico. Pontos a considerar:

  • Avaliar contraindicações ao exercício e às intervenções nutricionais;
  • Respeitar autonomia do paciente e obter consentimento informado para intervenções;
  • Ajustar abordagens a limitações físicas, déficits cognitivos ou barreiras socioeconômicas;
  • Monitorizar eventos adversos e documentar metas e progresso para garantir continuidade após alta.

Implementação clínica: recomendações práticas

Ações imediatas para equipes que queiram iniciar um programa de prehabilitação:

  • Elaborar um checklist pré-operatório com avaliação de condicionamento, nutrição, anemia e saúde mental;
  • Constituir equipe multidisciplinar com responsabilidades claras;
  • Desenvolver protocolos escalonáveis (2–8 semanas) adaptáveis à cirurgia;
  • Definir metas mensuráveis (ex.: aumento da distância de caminhada, ganho de massa magra, melhora de ferritina);
  • Integrar o programa ao conceito ERAS e assegurar comunicação entre serviços;
  • Produzir materiais educativos para pacientes e familiares com exercícios, orientações nutricionais e expectativas realistas.

Leitura complementar e interna

Para aprofundar temas relacionados à recuperação e reabilitação, consulte os artigos do blog que abordam reabilitação cardíaca, manejo da dor e prevenção de quedas, por exemplo:

Este material destina-se a orientar profissionais na estruturação, avaliação e adaptação de programas de prehabilitação, com foco em melhores desfechos cirúrgicos e qualidade de vida dos pacientes. Palavras-chave abordadas: prehabilitação, nutrição perioperatória, exercício pré-operatório, sarcopenia, anemia, ERAS.

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