A profilaxia pré-exposição (PrEP) é uma ferramenta comprovada para reduzir o risco de aquisição do HIV em pessoas com risco aumentado. Este texto, direcionado a profissionais da atenção primária, descreve indicações clínicas, esquemas terapêuticos, avaliação inicial, monitorização e estratégias práticas para melhorar a adesão e o acesso ao cuidado.
Por que incorporar PrEP na atenção primária
A atenção primária é o ponto de contato mais acessível para identificar pessoas em risco de infecção pelo HIV e oferecer prevenção integral. A PrEP, quando prescrita com base em avaliação de risco e acompanhada por aconselhamento contínuo, reduz substancialmente a chance de transmissão do HIV. Integrar PrEP na rotina clínica permite detecção precoce de fatores de risco, intervenção farmacológica eficaz e educação voltada para adesão, além de possibilitar rastreamento rotineiro de ISTs e cuidados preventivos.
Indicações para PrEP no consultório primário
A decisão de iniciar PrEP deve basear-se no risco real de exposição ao HIV. Geralmente são elegíveis pessoas HIV-negativas com um ou mais dos seguintes fatores de risco:
- Múltiplos parceiros sexuais e uso inconsistente de preservativo, sobretudo em cenários de sexo anal desprotegido.
- Parceria sorodiscordante em que o parceiro HIV-positivo não está com carga viral supressa.
- Uso de drogas injetáveis com compartilhamento de seringas ou agulhas.
- Exposição ocupacional de risco significativo ou risco sexual contínuo.
- Pessoas que tiveram exposição recente ao HIV (observando que exposição aguda dentro de 72 horas pode justificar PEP; a PrEP pode ser considerada após confirmação de HIV negativo).
A escolha de iniciar PrEP deve considerar adesão prevista, comorbidades (por exemplo, doença renal crônica), interações medicamentosas e preferência do paciente. Discuta também vacinação contra hepatites e estratégias de prevenção combinada.
Esquemas de PrEP
Escolha do esquema conforme risco, preferências e diretrizes locais. Os principais regimes incluem:
Esquema diário (TDF/FTC)
TDF/FTC 300 mg/200 mg, um comprimido por dia. É o esquema mais utilizado para proteção contínua contra o HIV em pessoas com risco persistente. Requer monitorização renal periódica devido ao potencial impacto do tenofovir disoproxil fumarato na função renal.
Esquema sob demanda (2-1-1)
Indicado principalmente para homens que fazem sexo com homens e outras pessoas que têm exposições sexuais pontuais e previsíveis. Consiste em 2 comprimidos entre 2 e 24 horas antes da relação, 1 comprimido 24 horas depois e 1 comprimido 48 horas depois. Não é recomendado para exposições vaginais e exige boa compreensão do paciente sobre o esquema.
Alternativa com TAF/FTC
Regime com tenofovir alafenamida (TAF/FTC) disponível em alguns países e indicado para populações selecionadas; apresenta perfil renal e ósseo diferente do TDF. Verifique aprovação regulatória e diretrizes locais antes de optar por esse esquema.
Para orientação atualizada, consulte protocolos e diretrizes locais e nacionais sobre PrEP.
Avaliação pré-PrEP e exames baseline
Antes de iniciar PrEP, confirme HIV negativo e avalie segurança clínica com os seguintes itens recomendados:
- Teste de HIV (preferencialmente 4ª geração) para excluir infecção aguda.
- Função renal: creatinina sérica e cálculo de eGFR.
- Transaminases (ALT/AST) e triagem para hepatites B e C.
- Triagem para ISTs: sífilis, gonorreia e clamídia (coletas por orofaringe, reto e urina conforme exposição).
- Teste de gravidez em pessoas com potencial reprodutivo antes do início.
- Avaliação farmacológica: uso concomitante de fármacos nefrotóxicos, interações medicamentosas e história de terapia antirretroviral prévia.
Registre no prontuário data de início, esquema escolhido, consentimento informado e metas de adesão.
Monitorização, adesão e follow-up
A monitorização sistemática garante eficácia e segurança. Recomenda-se:
- Consulta de acompanhamento a cada 3 meses para reavaliação de risco, teste de HIV e rastreamento de ISTs.
- Teste de HIV a cada 3 meses (ou conforme protocolos locais) para identificar infecção precoce.
- Monitorização da função renal (eGFR) nos primeiros meses e periodicamente, especialmente para usuários de TDF/FTC.
- Avaliação contínua de gravidez e hepatite B quando aplicável.
- Implementação de estratégias de adesão: educação terapêutica, lembretes, acompanhamento telemático e envolvimento da rede de apoio.
Materiais e métodos para melhorar retenção e adesão podem ser consultados em recursos sobre estratégias de adesão em doenças crônicas e educação terapêutica e adesão, adaptando as abordagens ao contexto da PrEP.
Segurança, efeitos adversos e manejo
Efeitos adversos mais frequentes são leves e transitórios: náuseas, cefaleia e fadiga. Raramente ocorrem alterações renais ou reduções de densidade mineral óssea, principalmente em indivíduos com fatores de risco pré-existentes. Em caso de eGFR <60 mL/min/1,73 m², reavalie indicação e considere alternativas ou ajuste conforme diretriz local.
A interrupção abrupta em portadores de hepatite B pode levar a reativação; faça triagem prévia e planeje acompanhamento hepatológico quando necessário. Avalie sempre possíveis interações medicamentosas (por exemplo, com fármacos nefrotóxicos) antes de iniciar a PrEP.
Transição entre PrEP e PEP
Se ocorrer exposição de alto risco enquanto o paciente estiver em PrEP, avalie necessidade de PEP seguindo protocolos locais; em eventos de interrupção da PrEP, reavalie a função renal e discuta com o paciente estratégia segura de retomada. Para integração de práticas, utilize protocolos clínicos atualizados.
Acesso, custo e equidade
A disponibilidade da PrEP varia segundo sistema de saúde e cobertura. Oriente o paciente sobre opções de acesso, programas de assistência e alternativas genéricas que possam reduzir custos. Encaminhe quando necessário para serviços que assegurem continuidade do tratamento e equidade no acesso.
Casos clínicos ilustrativos
Caso A: Pessoa cisgênero de 28 anos com múltiplos parceiros e uso inconsistente de preservativo. HIV negativo, função renal normal; iniciado TDF/FTC diário com follow-up trimestral e acompanhamento de ISTs. Após 12 meses mantém adesão adequada e redução do risco.
Caso B: Paciente trans com exposições ocasionais de alto risco opta por PrEP on-demand (2-1-1) após orientação detalhada; acompanhamento próximo para verificação de adesão e rastreamento de ISTs mantido a cada 3 meses.
PrEP: próximos passos práticos
Comece com triagem rápida de risco em atendimentos rotineiros, confirme HIV negativo antes do início, escolha o esquema alinhado ao perfil do paciente e estabeleça follow-up trimestral para HIV, ISTs e função renal. Utilize ferramentas de educação terapêutica para melhorar adesão e consulte protocolos locais para decisões sobre TAF/FTC, PEP e manejo de comorbidades. Recursos adicionais sobre implementação e adesão estão disponíveis em protocolos clínicos e diretrizes práticas e nos materiais de educação terapêutica e adesão.
Observação: Recomendações de PrEP podem variar conforme diretrizes nacionais e aprovações regulatórias; adapte as práticas ao contexto local e consulte atualizações oficiais.