Guia prático para profissionais de saúde e pessoas trans adultas: informações baseadas em evidências sobre iniciação, monitorização, segurança e adesão à terapia hormonal na atenção primária. Não substitui avaliação clínica individualizada.
Terapia hormonal trans: visão geral
A terapia hormonal trans visa alinhar características sexuais secundárias à identidade de gênero desejada. Em adultos, as estratégias mais comuns são a masculinização com testosterona (pessoas designadas do sexo feminino ao nascimento) e a feminilização com estrogênio e, quando indicado, antiandrogênicos (pessoas designadas do sexo masculino ao nascimento). O manejo clínico deve considerar riscos cardiovasculares, trombose, densidade óssea, alterações lipídicas, função hepática, saúde mental e questões de fertilidade. A atenção primária tem papel central na iniciação, monitorização e coordenação com endocrinologia, saúde mental e outros serviços.
Princípios-chave da iniciação
- Objetivo individualizado: estabelecer metas físicas, expectativas de tempo de resposta e preferências do paciente (incluindo preservação da fertilidade).
- Avaliação de risco: história cardiovascular, tabagismo, trombose prévia, diabetes, hipertensão, dislipidemia, função hepática e renal.
- Exames basais: glicemia, função renal, perfil lipídico, ALT/AST, hemograma, hormônios basais conforme necessidade, e densitometria óssea se houver risco aumentado.
- Consentimento informado: discutir benefícios, efeitos esperados, riscos (trombose, policitemia, alterações metabólicas), alternativas e impacto sobre fertilidade.
Prescrição: opções com estrogênio e testosterona
A escolha da via e do esquema depende de comorbidades, preferências, custo e disponibilidade.
- Transfeminino: estrogênio transdérmico ou oral são opções; vias transdérmicas podem reduzir risco tromboembólico em usuários com fatores de risco. Antiandrogênicos como espironolactona são usados quando necessário para reduzir níveis de testosterona.
- Transmasculino: testosterona em gel, formulações injetáveis intramusculares ou subcutâneas; monitorizar hematócrito e ajustar dose para níveis alvo de testosterona.
Esquemas práticos e ajustes
- Iniciar com doses apropriadas à idade e risco, aumentando conforme resposta clínica e laboratorial.
- Reavaliar após semanas a meses; adequar regime para minimizar efeitos adversos como trombose, alterações lipídicas ou policitemia.
Para melhorar a adesão e o entendimento do paciente, use estratégias de educação terapêutica; recomendações práticas podem ser encontradas em leituras sobre educação terapêutica e adesão em doenças crônicas.
Monitorização e segurança
A monitorização é contínua e personalizada. Áreas-chave:
- Laboratório: perfil lipídico, ALT/AST, glicemia, hemograma (especialmente para detecção de policitemia em transmasculino) e níveis hormonais conforme protocolo local.
- Saúde cardiovascular: avaliar pressão arterial, tabagismo, obesidade e histórico familiar; prefira modalidades hormonais de menor risco em pacientes com fatores predisponentes.
- Saúde óssea: considerar densitometria óssea em pacientes com fatores de risco; suporte com vitamina D e cálcio e incentivo à atividade física.
- Rastreio oncológico: adaptar exames de mama e próstata conforme história, cirurgias prévias e diretrizes locais.
- Saúde mental: monitorar sintomas de depressão, ansiedade e ideação suicida; encaminhar para suporte psicossocial quando necessário.
Eventos adversos e sinais de alerta
- Transfeminino: sinais de tromboembolismo (dor/edema de membro, dor torácica, dispneia), alterações lipídicas, náuseas, cefaleia intensa.
- Transmasculino: policitemia (aumento do hematócrito), hipertensão, acne severa, alterações de humor e alterações no perfil lipídico e glicêmico.
Riscos específicos e mitigação
- Trombose: avaliar fatores de risco antes de iniciar estrogênio; considerar via transdérmica quando apropriado.
- Cardiometabólico: rastrear e intervir em hipertensão, dislipidemia, tabagismo e resistência insulínica.
- Densidade óssea: garantir aporte adequado de vitamina D, cálcio e atividade física; considerar densitometria em pacientes de risco.
Estratégias práticas de promoção da saúde cardiovascular podem complementar o cuidado hormonal; veja materiais sobre promoção da saúde cardiovascular para apoio no acompanhamento.
Aspectos práticos para pacientes: o que esperar
- Primeira consulta: explicação de objetivos, exames necessários, opções de regime e plano de monitorização.
- Primeiros meses: mudanças graduais na pele, pelos, humor e distribuição corporal; tempos de resposta variam.
- Acompanhamento: geralmente a cada 1–3 meses no primeiro ano; após estabilização, ampliar intervalos conforme necessidade.
- Fertilidade: discutir preservação antes da terapia quando for desejada; registrar decisões no plano de cuidado.
Orientações práticas sobre nutrição para prevenção de comorbidades podem ser úteis durante o seguimento; consulte nutrição prática na prevenção de DCNT para estratégias complementares.
Coordenação do cuidado e papel da equipe
O modelo ideal é multidisciplinar: médico de atenção primária, enfermeiro, psicólogo, farmacêutico e, quando indicado, endocrinologista ou serviços especializados em saúde trans. A coordenação melhora monitorização, adesão e detecção precoce de efeitos adversos.
Monitorização: ações práticas que você pode implementar hoje
- Avalie riscos cardiovasculares e trombóticos na primeira consulta e solicite exames basais (lipídios, glicemia, ALT/AST, hemograma).
- Documente metas clínicas e plano de monitorização (visitas e intervalos laboratoriais) e discuta fertilidade e opções de preservação.
- Escolha via e dose considerando riscos (por exemplo, preferir estrogênio transdérmico em pacientes com maior risco trombótico) e monitore hematócrito em usuários de testosterona.
- Implemente educação terapêutica para melhorar a adesão e ofereça suporte psicossocial quando necessário.
- Mantenha-se atualizado com diretrizes locais e regionais e articule encaminhamentos para endocrinologia ou oncologia quando indicado.
Este conteúdo foi elaborado para apoiar decisões clínicas na atenção primária e orientar pacientes que consideram iniciar terapia hormonal trans adulta. Em caso de dúvidas específicas, consulte um profissional de saúde habilitado.