Abordagem prática da dor torácica no pronto-socorro
Introdução
Dor torácica: sinal comum, diagnóstico amplo — como priorizar o que realmente ameaça a vida? Em serviços de emergência, a abordagem sistemática reduz tempo até intervenções críticas e evita internações desnecessárias. Este guia prático, dirigido a profissionais de saúde, resume passos essenciais, prioridades temporais e decisões que aceleram o manejo da síndrome coronariana aguda e outras causas graves.
Avaliação inicial e estratificação de risco
Recepção e triagem imediata
Ao entrar no pronto-socorro, todo paciente com dor torácica deve ser classificado rapidamente: sinais vitais, acesso venoso, monitorização cardíaca e obtenção de um eletrocardiograma em até 10 minutos — meta operacional para não atrasar o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.
Estratificação de risco: uso prático do escore HEART
Recomenda-se aplicar um escore estruturado como o HEART (History, ECG, Age, Risk factors, Troponin) para orientar decisões iniciais:
- HEART 0–3: risco baixo — considerar observação e exames seriados ou alta com orientação.
- HEART 4–6: risco intermediário — observação com exames complementares, repetição de troponina e avaliações adicionais.
- HEART ≥7: alto risco — avaliação imediata por cardiologia e preparação para intervenções (p. ex., cateterismo de urgência).
Documente o raciocínio e comunique resultados à equipe multiprofissional. Para detalhes operacionais e protocolos locais, consulte materiais institucionais como o Manual de Condutas da Unidade de Urgência e Emergência do Hospital Universitário da USP, que oferece orientações práticas.
Exames-chave e interpretação rápida
Eletrocardiograma e biomarcadores
O eletrocardiograma é o exame inicial de escolha; alterações de elevação persistente do segmento ST, padrão de depressão ST/T ou bloqueio de ramo novo exigem ação imediata. Utilize troponina de alta sensibilidade com protocolos seriados (0 e 1–3 horas conforme disponibilidade) para aumentar acurácia. Integre ECG e troponina no cálculo do risco.
Quando considerar exames de imagem
Se suspeita de outras causas ameaçadoras (dissecção aórtica, embolia pulmonar, pneumotórax, tamponamento), escolha exames direcionados:
- Dissecção aórtica: clampe de pressão, exame clínico e tomografia contrastada arterial (angio-TC) quando indicado.
- Embolia pulmonar: estratificação por Wells ou Geneva + D-dímero; realizar angio-TC pulmonar (CTPA) se indicado.
- Ultrassonografia de beira de leito (POCUS): útil para pneumotórax, tamponamento, sinais de insuficiência ventricular e para suporte diagnóstico rápido.
Protocolos locais treinam equipes para decidir rapidamente entre exames e terapias — veja a experiência de implementação do protocolo da Santa Casa de Campo Grande para modelos práticos de fluxo de atendimento (relato institucional).
Condutas por via clínica: do risco à decisão
Pacientes de alto risco — agir sem demora
Para sinais de síndrome coronariana aguda com elevação do ST ou avaliação que demande reperfusão, atue conforme metas temporais: objetivo de cateterismo de urgência em até 90 minutos desde a chegada (door‑to‑balloon) sempre que possível. Simultaneamente, inicie medidas de suporte (oxigênio se dessaturado, antianginosos conforme protocolo, analgesia, antiagregação e anticoagulação conforme indicação e risco hemorrágico) enquanto prepara transferências ou intervencionismo.
Pacientes de risco intermediário
Manter observação, monitorização contínua, repetir troponina e ECG em intervalos pré-definidos; considerar testes de isquemia não invasivos ou coronariografia conforme evolução e disponibilidade. Decisões devem ser discutidas com cardiologia e documentadas.
Pacientes de baixo risco — quando considerar alta
Se a estratificação (p.ex., HEART baixo), exames seriados negativos e estabilidade clínica, pode-se planejar alta com orientações claras e seguimento ambulatorial. Forneça instruções sobre sinais de alerta e vias de retorno. A observação breve em unidade de decisão clínica evita internações desnecessárias.
Organização do serviço e protocolos locais
Implementação prática e indicadores de qualidade
Protocolos padronizados — integrando triagem rápida, ECG em 10 minutos, vias de fluxo para cateterismo e checklists de medicação — melhoram desfechos e tempo de atendimento. A adoção requer treinamento multiprofissional, auditoria de indicadores (tempo ECG, door‑to‑balloon, tempos de primeira dose) e revisão contínua. Exemplos e resultados práticos são descritos no protocolo da Santa Casa de Campo Grande e nos manuais institucionais citados anteriormente (Santa Casa CG, HU-USP).
Fluxos integrados e seguimento
Garanta rotas claras de transferência para hemodinâmica, acesso a CT/CTPA e ecocardiografia emergencial. Estruture o seguimento pós-alta: educação, ajuste de fatores de risco e encaminhamento para programas de reabilitação cardíaca quando indicado — um componente essencial da recuperação e prevenção secundária (reabilitação cardíaca ambulatorial).
Checklist prático rápido (para usar no turno)
- ECG em ≤10 minutos; documentar resultado.
- Aplicar escore de estratificação (p. ex., HEART).
- Colher troponina inicial e programar série (0 e 1–3 h conforme protocolo local).
- Identificar sinais de alto risco (STEMI, instabilidade hemodinâmica, arritmias graves) → ativar via de reperfusão/cateterismo.
- Considerar POCUS para tamponamento, pneumotórax, função ventricular.
- Documentar plano: internação, observação ou alta com retorno e orientações claras.
Recursos e leituras recomendadas
Para aprofundamento e implementação institucional, consulte o Manual de Condutas da Unidade de Urgência e Emergência do HU-USP, o relato do protocolo da Santa Casa de Campo Grande e a revisão prática publicada na Revista Médica de Minas Gerais. Além disso, materiais práticos do próprio blog podem apoiar protocolos locais:
abordagem-dor-toracica-pronto-socorro,
abordagem-dor-toracica-pronto-socorro-3 e
abordagem-dor-toracica-pronto-socorro-4 para exemplos de fluxos e checklists adaptáveis.
Fechamento com insights práticos
Na prática do pronto-socorro, a diferença entre desfechos favoráveis e eventos adversos muitas vezes está no tempo e na organização: ECG rápido, estratificação estruturada (HEART), uso racional de troponina e vias claras para cateterismo de urgência transformam a avaliação da dor torácica. Priorize identificar e tratar causas que ameaçam a vida, mantenha protocolos revisados e treine a equipe para agir dentro de metas temporais. Integre esses passos ao fluxo institucional para reduzir variabilidade e melhorar resultados clínicos.