Abordagem prática para sono saudável no consultório
Para profissionais de saúde: como identificar os principais distúrbios do sono na atenção ambulatorial e aplicar medidas simples, eficazes e baseadas em diretrizes. Você consegue reconhecer insônia, apneia e sinais de parassonias em uma consulta de 15 minutos?
Por que abordar sono no consultório?
Os distúrbios do sono afetam grande parte da população e pioram resultados clínicos — de controle glicêmico a risco cardiovascular e saúde mental. Uma abordagem sistemática na consulta permite triagem, intervenções práticas de higiene do sono e encaminhamentos adequados, reduzindo morbidade e melhorando adesão terapêutica.
Anamnese e triagem: perguntas essenciais
Uma anamnese dirigida identifica pistas rápidas e decide necessidade de exames complementares.
- Queixa principal: dificuldade em iniciar ou manter o sono? Sono não reparador?
- Horários e rotina: horário de deitar/acordar, sonecas, variação nos dias úteis/finais de semana.
- Sintomas sugestivos de apneia: ronco alto, pausas respiratórias observadas, sonolência diurna. Use instrumentos rápidos como o STOP‑BANG para estratificar risco.
- Excessiva sonolência diurna: escore de Epworth para quantificar impacto.
- Sinais de movimentos anormais: queixas de desconforto nas pernas (síndrome das pernas inquietas), movimentos durante o sono ou comportamentos complexos (parassonias).
- Medicamentos e substâncias: uso de benzodiazepínicos, álcool, cafeína, antidepressivos, antipsicóticos ou opioides que afetam arquitetura do sono.
- Comorbidades: cardiopatia, acidente vascular, obesidade, hipotireoidismo, dor crônica e alterações psiquiátricas.
Exames complementares: quando e qual escolher
Decida conforme suspeita clínica e disponibilidade local:
- Polissonografia (em laboratório) é o padrão para apneia obstrutiva do sono (AOS) e parassonias complexas.
- Polissonografia domiciliar (portátil) pode ser indicada para pacientes com alta probabilidade clínica de AOS sem comorbidades complexas — ver guia prático sobre polissonografia domiciliar portátil para operacionalização.
- Actigrafia ou diário do sono
- Exames laboratoriais conforme suspeita: ferro sérico em síndrome das pernas inquietas, função tireoidiana, entre outros.
- Consultar diretrizes locais para condutas e encaminhamentos; por exemplo, as recomendações da Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS) ajudam a padronizar critérios de indicação.
Blocos de manejo prático
1) Medidas não farmacológicas e higiene do sono
A higiene do sono é o ponto de partida e funciona como intervenção única em muitos casos. Oriente de forma personalizada e prática:
- Manter horários regulares para dormir e acordar, inclusive finais de semana.
- Ambiente: escuro, silencioso, temperatura agradável e cama reservada para sono/sexo.
- Evitar telas e luz azul 60–90 minutos antes de deitar; incentivar rotinas relaxantes (leitura, banho morno).
- Limitar ingestão de cafeína após início da tarde e reduzir álcool à noite (além de ser fator de microdespertares e apneia).
- Exercício regular, preferencialmente não no período imediatamente anterior ao sono.
Para estratégias e material educativo, integre orientações com ações de adesão do paciente, como descrito em recursos sobre educação terapêutica e adesão.
2) Manejo da insônia
A insônia deve primeiro receber intervenção cognitivo-comportamental (CBT‑I) quando possível. Em atenção primária, implemente princípios básicos de terapia comportamental do sono: restrição de tempo na cama, controle de estímulos e técnicas de relaxamento.
Se houver indicação farmacológica de curto prazo, seja criterioso: evitar benzodiazepínicos de longa duração sempre que possível e planejar desmame. Para orientação prática sobre retirada de benzodiazepínicos, consulte o material sobre desprescrição de benzodiacepinas.
3) Apneia obstrutiva do sono (AOS)
Suscite suspeita diante de ronco intenso, pausas respiratórias observadas e sonolência diurna. Estratifique risco (STOP‑BANG) e, se indicado, solicite polissonografia (laboratorial) ou estudo domiciliar quando apropriado. Em pacientes com apneia moderada a grave, o tratamento inicial recomendado é CPAP; perder diagnósticos e atrasar tratamento aumenta risco cardiovascular.
Para triagem e seguimento no ambulatório, integre avaliação de sintomas, índice de massa corporal e risco cardiometabólico; oriente sobre perdas de peso e cessação do tabagismo.
4) Síndrome das pernas inquietas e outros distúrbios do movimento
Investigue níveis de ferritina e trate déficit de ferro quando presente. Em casos persistentes, considerar encaminhamento para neurologia ou sono para opções farmacológicas específicas (agonistas dopaminérgicos, gabapentinoides) e monitorização de efeitos adversos.
5) Parassonias e distúrbios do ritmo circadiano
Comportamentos complexos durante o sono (sonambulismo, terrores noturnos, comportamentos REM) exigem história detalhada e, por vezes, polissonografia. Para distúrbios do ritmo circadiano, avalie higiene, exposição à luz e horários sociais; a terapia de readequação do ritmo e luz branca/terapias com melatonina podem ser úteis conforme o caso.
Encaminhamentos e integração com a prática clínica
Estabeleça fluxos locais: quando encaminhar para medicina do sono, pneumologia, neurologia ou psiquiatria. Use recursos de investigação a favor da eficácia — por exemplo, a polissonografia domiciliar em pacientes selecionados reduz barreiras de acesso (veja o guia prático interno sobre polissonografia domiciliar portátil).
Para implementar mudanças sustentáveis na rotina do paciente, combine educação com monitorização (diários, actigrafia ou wearables quando disponíveis). A integração com prontuário e dados de dispositivos pode facilitar acompanhamento longitudinal; veja experiências com wearables e prontuário eletrônico.
Recursos e diretrizes
Para fundamentar decisões clínicas, consulte diretrizes e materiais de referência confiáveis. A ABMS publica recomendações brasileiras atualizadas; orientações regulatórias locais, como resoluções do CREMERJ, e materiais educativos do Ministério da Saúde/BVS também são úteis para protocolos e materiais ao paciente (ver BVS – Distúrbios do sono).
Fechamento e aplicação prática
Na prática ambulatorial, uma abordagem eficiente combina: triagem dirigida na anamnese, intervenções de higiene do sono personalizadas, uso criterioso de exames complementares (incluindo polissonografia domiciliar quando indicado) e encaminhamentos claros. Priorize intervenções não farmacológicas, planeje farmacoterapia com objetivo de curto prazo e monitore resposta e efeitos adversos. Pequenas mudanças — regularidade de horários, controle de estímulos e redução de álcool/cafeína — costumam produzir melhoria clínica mensurável e são pilares do manejo.
Para incorporar essas rotinas ao fluxo da clínica, desenvolva checklists de sono na ficha de atendimento, materiais educativos de fácil leitura para o paciente e caminhos de referência local. A prática estruturada otimiza diagnóstico e tratamento dos distúrbios do sono, melhora qualidade de vida e reduz complicações associadas.
Links úteis internos: leitura complementar: sono saudável: prática clínica e dicas simples, distúrbios do sono: insônia, apneia e sono não reparador, polissonografia domiciliar portátil e desprescrição de benzodiazepínicos.
Referências selecionadas: diretrizes da ABMS, materiais da BVS / Ministério da Saúde e resolução profissional do CREMERJ.