O que é amiloidose transtirretina cardíaca: definição, diagnóstico e tratamento
A amiloidose transtirretina cardíaca (ATTR‑CM) é uma cardiomiopatia infiltrativa causada pelo depósito de fibrilas de transtirretina (TTR) no miocárdio. A TTR, proteína transportadora de retinol e hormônio tireoidiano, pode tornar‑se instável por mutação genética (hATTR) ou por instabilidade relacionada ao envelhecimento (wtATTR). O acúmulo de amiloide leva a rigidez ventricular, disfunção diastólica e manifestações de insuficiência cardíaca, além de possíveis arritmias e envolvimento neurológico em formas hereditárias.
amiloidose transtirretina cardíaca: definição e fisiopatologia
A ATTR‑CM resulta da formação de fibrilas proteicas que se depositam no interstício cardíaco, promovendo espessamento parietal concentricamente e comprometendo o enchimento diastólico. Na hATTR, mutações no gene TTR predispondo à instabilidade da proteína estão associadas a sinais neurológicos (neuropatia sensitivo‑motora e autonômica). Na wtATTR, a apresentação é tipicamente em homens idosos com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (HFpEF).
amiloidose transtirretina cardíaca: fatores de risco e apresentação clínica
Suspeite de ATTR‑CM em pacientes com:
- Hipertrofia ventricular inexplicável, desproporcional à hipertensão arterial
- HFpEF progressiva com congestão recorrente
- Avaliação de condução anômala, síncope ou bradicardia
- Sinais de neuropatia ou história familiar sugestiva de hATTR
amiloidose transtirretina cardíaca: abordagem diagnóstica
O diagnóstico integra dados clínicos, de imagem e laboratoriais, com o objetivo de confirmar deposição de amiloide no coração e excluir amiloidose AL (cadeias leves). Os passos práticos incluem:
ecocardiograma
Primeiro exame na maioria dos casos. Achados sugestivos: hipertrofia ventricular concentric, aumento da espessura das paredes, padrão de disfunção diastólica e preservação inicial da FEVE (HFpEF). O estudo de strain global longitudinal frequentemente evidencia o padrão “apical‑sparing”, que aumenta a suspeita de cardiomiopatia infiltrativa.
ressonância magnética cardíaca (RMC)
A RMC com realce tardio por gadolínio é útil para identificar realce subendocárdico difuso ou transmural e para quantificar a carga de interstício (mapeamento T1 e extracelular). Ajuda a diferenciar ATTR de outras etiologias de hipertrofia, como doença de Fabry ou cardiomiopatia hipertrófica.
cintilografia com Tc‑99m PYP (ou DPD/HMDP)
A cintilografia com traçadores ósseos (Tc‑99m PYP, DPD ou HMDP) é altamente sensível e específica para ATTR‑CM quando interpretada com testes para proteína monoclonal negativos. Captação miocárdica intensa (grau 2‑3) com ausência de evidência de gamopatia monoclonal praticamente confirma ATTR, evitando muitas vezes a biópsia cardíaca invasiva.
avaliação laboratorial: excluir AL
É mandatório realizar imunofixação sérica e urinária e quantificação de cadeias leves livres no soro para excluir amiloidose AL. A detecção de proteína monoclonal direciona a investigação para AL e exige confirmação histológica do tipo de amiloide.
genética
Testes genéticos para mutações no gene TTR devem ser oferecidos a todos os pacientes diagnosticados com ATTR‑CM para distinguir hATTR de wtATTR e orientar aconselhamento familiar.
diagnóstico diferencial
Inclui hipertrofia hipertensiva, cardiomiopatia hipertrófica, doenças de depósito (p. ex., doença de Fabry) e cardiomiopatias por depósito de ferro. A integração de ecocardiograma, RMC, cintilografia e testes laboratoriais permite diferenciar essas condições.
amiloidose transtirretina cardíaca: tratamento específico e manejo
O manejo combina terapias dirigidas à TTR e medidas de suporte sintomático. As decisões devem ser individualizadas conforme tipo (wtATTR vs hATTR), estádio da doença e comorbidades.
terapias que estabilizam ou reduzem TTR
- Tafamidis: estabilizador da TTR com evidência de redução de mortalidade e hospitalizações por insuficiência cardíaca quando iniciado precocemente; indicado para muitos casos de ATTR‑CM predominante cardíaca.
- Diflunisal: estabilizador antigo com evidência limitada e perfil de toxicidade renal/gastrointestinal que pode restringir seu uso.
- Terapias em desenvolvimento: gene silencing (siRNA e oligonucleotídeos antisense) e moduladores como acoramidis (AG10) e estratégias que removem amiloide já depositado.
manejo sintomático
- Diuréticos: principais para controle de congestão, com ajustes cuidadosos para evitar hipotensão ou redução excessiva de débito.
- Inibidores do SRAA e betabloqueadores: uso com cautela devido à intolerância por hipotensão e à dependência do débito pela precarga.
- Fibrilação atrial: anticoagulação indicada conforme risco tromboembólico; controle de ritmo e de frequência individualizado.
- Dispositivos: marcapasso para bloqueios avançados; indicação de desfibrilador implantável deve ser avaliada caso a caso.
suporte multidisciplinar
Pacientes com ATTR‑CM beneficiam de equipe integrada (cardiologia, neurologia, genética, nefrologia, reabilitação e nutrição). Por exemplo, recomendações nutricionais podem ser complementadas por orientações sobre prevenção cardiovascular disponíveis em nosso artigo sobre nutrição prática prevenção cardiovascular 2, e programas de reabilitação cardíaca descritos em reabilitação cardíaca atenção básica prática são úteis no planejamento funcional do paciente.
avaliação da resposta ao tratamento
Acompanhamento clínico com ecocardiograma (incluindo strain), biomarcadores (NT‑proBNP), função renal e avaliação da capacidade funcional e qualidade de vida são essenciais para ajustar terapia e reconhecer progressão.
amiloidose transtirretina cardíaca: orientações finais
Suspeite de ATTR‑CM em pacientes com hipertrofia ventricular inexplicada ou HFpEF progressiva; siga uma rota diagnóstica que combine ecocardiograma, RMC e cintilografia com Tc‑99m PYP, sempre excluindo amiloidose AL por testes de proteína monoclonal. A confirmação genética é importante para identificação de hATTR e aconselhamento familiar. O tafamidis é atualmente a terapia de escolha para many pacientes com ATTR‑CM cardíaca, mas a decisão terapêutica deve considerar diretrizes locais e disponibilidade. O manejo clínico exige atenção à diurese, controle de arritmias e suporte multidisciplinar, com encaminhamento a centros especializados em casos complexos.
Para manejo associado de fatores cardiovasculares e hipertensão, consulte também nossos textos sobre hipertensão arterial diretrizes práticas e manejo hipertensão metas realistas consultorio, que podem auxiliar na avaliação da hipertrofia ventricular em contexto clínico.
Em caso de dúvidas complexas ou apresentações atípicas, recomende avaliação por uma equipe especializada em amiloidose cardíaca para definir diagnóstico definitivo e plano terapêutico.