Avaliação prática da fadiga crônica na clínica geral
Introdução
Paciente com cansaço persistente que não melhora com repouso: será apenas estresse ou há uma causa clínica tratável? A fadiga crônica é um sintoma frequente na atenção primária e na clínica geral, com grande impacto funcional. Uma avaliação sistemática e baseada em evidências otimiza o diagnóstico, prioriza exames e melhora os resultados clínicos.
Avaliação clínica inicial
História clínica estruturada
Comece pela história: duração, padrão (matinal vs. ao longo do dia), fatores que agravam ou aliviam, impacto nas atividades, sono, apetite, perda de peso, uso de medicamentos e consumo de substâncias. Documente com foco funcional (ex.: capacidade para trabalho, autocuidado e tarefas domésticas). Para ferramentas e dicas sobre registro e condução da anamnese, consulte historia clínica: registro essencial.
Questionários padronizados e triagem
Use escalas para quantificar e acompanhar: o Questionário de Chalder e a Escala de Fadiga de Piper são exemplos úteis. Para triagem de comorbidades psiquiátricas associe PHQ-9 e GAD-7 quando houver suspeita de depressão ou ansiedade.
Sinais de alerta que exigem investigação imediata
- Perda de peso não intencional, febre persistente, sudorese noturna.
- Déficit neurológico progressivo, fraqueza assimétrica, disfagia ou alterações cognitivas importantes.
- Anormalidades clínicas ou laboratoriais relevantes (ex.: anemia severa, função tiroideana gravemente alterada).
Exame físico e exames complementares
Exame físico focalizado
Realize exame geral e focal: sinais de anemia, linfadenopatia, alterações cardíacas, pulmonares, neurológicas e musculoesqueléticas. Avalie peso/IMC, sinais de doença sistêmica e estado mental.
Exames laboratoriais de primeira linha
Solicite testes para descartar causas comuns e tratáveis antes de classificar como primária: hemograma (investigar anemia), função tireoideana (TSH, T4 livre), glicemia, eletrólitos e função renal, função hepática, proteína C reativa ou VHS se houver suspeita inflamatória, dosagem de vitamina B12/folato conforme indicação e testes infecciosos direcionados pelo contexto epidemiológico. Para orientações sobre diagnóstico e manejo da anemia, veja anemia ferropriva: diagnóstico e manejo.
Exames complementares e imagem
Imagem ou testes adicionais (radiografia torácica, eletrocardiograma, exames de imagem abdominal ou neurológica) devem ser solicitados quando a história/exame físico sugerirem localização ou processo orgânico. Para princípios sobre uso de imagem em consultório, confira diagnóstico por imagem no consultório.
Tecnologias emergentes
Pesquisas recentes avaliam o uso de sensores vestíveis e sinais fisiológicos (ECG, actigrafia, parâmetros de sono) para monitoramento objetivo da fadiga, o que pode complementar o seguimento remoto e reabilitação. Estudos relevantes incluem avaliação automatizada com wearables e modelos mistos (arXiv: Towards Automated Fatigue Assessment) e uso combinado de ECG e actigrafia para monitorização da fadiga.
Avaliação psicossocial e comorbidades
Aspectos psicossociais
Investigue fatores psicossociais: estressores ocupacionais, suporte social, sono, humor e mecanismos de enfrentamento. A integração com estratégias de promoção da saúde mental na atenção primária facilita intervenções precoces; recursos úteis estão em promoção da saúde mental na atenção primária.
Diferenciação de síndromes associadas
Considere comorbidades que frequentemente coexistem com fadiga persistente: doenças metabólicas, doenças autoimunes, distúrbios do sono (apneia), transtornos psiquiátricos e a síndrome da fadiga crônica (ou encefalomielite miálgica) quando há fadiga debilitante por pelo menos 6 meses com fenótipos específicos — avaliar rigorosamente antes de rotular e encaminhar para especialistas quando indicado.
Planejamento terapêutico e seguimento
Princípios do manejo inicial
- Trate causas identificáveis (ex.: correção de anemia, hipotireoidismo, são prioridades).
- Adote um plano individualizado com metas funcionais e reavaliações periódicas.
- Utilize intervenções não farmacológicas: educação sobre pacing e conservação de energia, higiene do sono, programas graduais de atividade física adaptada e terapias comportamentais (CBT) quando apropriado.
Intervenções farmacológicas e encaminhamentos
Medicamentos são direcionados a diagnósticos específicos (antidepressivos para depressão, terapias para distúrbios de sono, reposição de ferro, etc.). Evite medicações empíricas para “fadiga” sem diagnóstico. Encaminhe para especialidades (reumatologia, neurologia, endocrinologia, saúde mental) diante de sinais de alerta, falha no manejo inicial ou suspeita de síndromes complexas como síndrome da fadiga crônica. Quando o sono for fator central, considere avaliação em medicina do sono (medicina do sono).
Monitoramento e uso de tecnologia
Registre pontuações de fadiga no prontuário e acompanhe funcionalidade ao longo do tempo; tecnologias vestíveis podem ser úteis para monitorização objetiva em pacientes selecionados, conforme pesquisas recentes sobre sensores e modelos analíticos (estudo sobre fadiga em DPOC complementa evidências clínicas).
Encaminhamento e critérios para investigação avançada
Considere investigação especializada se houver:
- Progressão com sinais neurológicos ou sistêmicos.
- Resultados laboratoriais que indicam doença mensurável.
- Falta de resposta a manejo individualizado e interdisciplinar após período adequado.
Fechamento e pontos práticos para a clínica
Uma abordagem prática para fadiga crônica na clínica geral combina história estruturada, uso de questionários, exame físico direcionado e solicitação criteriosa de exames laboratoriais. Integre a avaliação dos fatores psicossociais e priorize intervenções que melhorem função e qualidade de vida. Documente metas funcionais, use ferramentas padronizadas para acompanhamento e encaminhe quando houver sinais de alerta ou complexidade diagnóstica.
Resumo rápido para o consultório:
- Faça história orientada e registre impacto funcional.
- Peça hemograma, TSH, glicemia, função renal/hepática e outros exames diretos conforme suspeita.
- Triage psicossocial e trate com plano integrado: correção de causas, terapia comportamental, atividade física adaptada e manejo do sono.
- Considere wearables e actigrafia como ferramentas complementares em seguimento selecionado.
Aplicar esse fluxo aumenta a precisão diagnóstica e direciona intervenções efetivas, reduzindo consultas repetidas e melhorando resultados para pacientes com fadiga persistente.