Avaliação inicial de tontura e desequilíbrio em adultos
Introdução
Tontura e desequilíbrio são queixas frequentes na clínica ambulatorial e geriátrica — até 20–30% da população pode ser afetada em algum momento. O desafio para o clínico é distinguir rapidamente vertigem de outras formas de tontura, identificar sinais de gravidade e direcionar exames e tratamento. Como avaliar de forma prática e segura no consultório?
1. Classificação inicial e triagem rápida
Classifique os sintomas
Ao iniciar a avaliação, classifique a queixa conforme a apresentação predominante:
- Vertigem: sensação rotatória sugestiva de disfunção vestibular (frequentemente periférica).
- Sensação de oscilação ou flutuação: pode refletir distúrbios vestibulares ou cerebelares.
- Desequilíbrio com instabilidade na marcha: pensar em causas multifatoriais (neurológicas, sensoriais, músculo‑esqueléticas, polifarmácia).
Identifique sinais de alarme
Red flags que obrigam investigação imediata ou encaminhamento a emergência:
- Início súbito com alteração neurológica focal (paresia, diplopia, disartria, perda sensorial)
- Tontura persistente e progressiva associada a cefaleia intensa ou vômitos incoercíveis
- Instabilidade que impede caminhar, queda súbita, ou sinais cardiorrespiratórios (síncope, palpitações)
Para suporte sobre triagem inicial e quando investigar síncope concomitante, veja o guia prático em Avaliação inicial: tontura e síncope no consultório.
2. Anamnese dirigida: perguntas que mudam a conduta
A anamnese é essencial para diferenciar causas. Perguntas-chave:
- Duração e padrão temporal: segundos (VPPB), minutos a horas (AVC, ataques isquêmicos, medicamentos), horas a dias (neurite vestibular, doença de Ménière).
- Desencadeadores: alterações de posição do cabeo (VPPB), esforço, ortostatismo (hipotensão ortostática), ruído/auricularidade (doença de Ménière).
- Sintomas associados: perda auditiva, zumbido, cefaleia, náusea, limitação visual.
- Medicações e comorbidades: anti-hipertensivos, benzodiazepínicos, polifarmácia em idosos.
Para reforçar técnica de anamnese e exame físico, consulte o material em Anamnese e exame físico: guia prático.
3. Exame físico direcionado ao sistema vestibular e triagem neurológica
Exames de repouso e maneuvres básicos
- Medir sinais vitais em decúbito e em pé (avaliar hipotensão ortostática).
- Observação de nistagmo espontâneo com e sem fixação visual.
- Teste de marcha e Romberg (com olhos abertos/fechados).
Prova de Dix‑Hallpike e manobras
Realize a Dix‑Hallpike para suspeita de VPPB do canal posterior; observar nistagmo característico. Se positivo, execute manobras reposicionadoras (Epley ou Semont) durante a mesma consulta quando possível.
As manobras reposicionadoras são eficazes e seguras; instrua o paciente sobre possíveis vertigens breves e náuseas.
HINTS exam para tontura aguda persistente
Em pacientes com vertigem aguda contínua (horas‑dias), o exame HINTS (Head Impulse, Nystagmus, Test of Skew) pode distinguir etiologia periférica de AVC no tronco cerebral com maior sensibilidade que a TC nos primeiros dias. Interprete com cautela e considere RM se houver dúvida ou sinais neurológicos adicionais.
4. Exames complementares: quando pedir e o que esperar
Exames úteis na prática ambulatorial:
- Audiometria: para investigar perda auditiva associada (ex.: doença de Ménière).
- Videonistagmografia (VNG) / Electronystagmography: avalia nistagmo, funções vestibulares e diferenciação periférica vs central.
- Estabilometria: quando a queixa principal é desequilíbrio sem achados otoneurológicos claros; estudos nacionais demonstram utilidade em pacientes com VNG normal (SciELO).
Quando houver suspeita de evento neurológico central ou déficit focal, priorize imagem por RM e avaliação emergencial. Diretrizes e revisão clínica estão disponíveis em fontes como o BMJ Best Practice para orientar investigação diagnóstica (ver BMJ Best Practice: avaliação da tontura).
5. Manejo inicial e condutas específicas
Vertigem periférica (VPPB, neurite vestibular, doença de Ménière)
- VPPB: realização de manobra de Epley ou Semont no consultório e orientação sobre retorno se sintomas persistirem. A maioria responde às manobras reposicionadoras.
- Neurite vestibular: manejo sintomático com antieméticos/benzodiazepínicos por curto período; reabilitação vestibular precoce melhora recuperação.
- Doença de Ménière: medidas dietéticas (redução de sal), diuréticos em casos selecionados e encaminhamento para otorrinolaringologia para seguimento.
Desequilíbrio multifatorial
Em idosos, avalie polifarmácia, neuropatia sensorial, visão e força. Intervenções sobre fatores modificáveis e programas de prevenção de quedas são prioritários; para estratégias práticas veja Prevenção de quedas em idosos: avaliação e intervenções.
Reabilitação vestibular
A reabilitação vestibular é uma intervenção comprovada para reduzir tontura e melhorar equilíbrio em diversas condições vestibulares; encaminhe para fisioterapia vestibular ou inicie exercícios orientados quando indicado.
Recursos educativos e programas de reabilitação podem aumentar adesão e resultados; considere integrar prática ambulatorial com planos de reabilitação e seguimento.
6. Quando encaminhar e follow‑up
- Encaminhar imediatamente para emergência se houver sinais neurológicos focais, suspeita de AVC ou instabilidade incapacitante.
- Encaminhar para otorrinolaringologia em casos de perda auditiva progressiva, doença de Ménière suspeita ou falha de terapia inicial.
- Agendar retorno em 1–4 semanas para reavaliação de resposta às manobras, revisão medicamentosa e iniciar ou ajustar reabilitação vestibular.
Para orientação prática de manejo ambulatorial e fluxos, consulte também o post sobre Manejo da tontura na atenção primária e o material sobre avaliação e prevenção de quedas Prevenção de quedas.
Encerramento com pontos práticos
Na prática ambulatorial, priorize: 1) classificação clínica rápida (vertigem versus desequilíbrio), 2) busca ativa por sinais de alarme, 3) anamnese e exame direcionados (incluindo HINTS e Dix‑Hallpike), 4) uso racional de exames complementares e 5) tratamento específico: manobras reposicionadoras para VPPB, medidas para doença de Ménière e reabilitação vestibular para melhora funcional. Para apoio à decisão clínica, revise as recomendações e evidências disponíveis no BMJ Best Practice e em revisões nacionais e científicas (ex.: BMJ Best Practice, Trofa Saúde, SciELO).
Aplicando essa abordagem estruturada, você reduz o risco de diagnóstico tardio de causas centrais, otimiza o encaminhamento e melhora desfechos funcionais dos pacientes com tontura e desequilíbrio.