Desprescrição de antipsicóticos na demência idosa

Este texto é dirigido a profissionais de saúde que atendem pacientes idosos com demência e a cuidadores envolvidos no cuidado. Aborda estratégia prática de desprescrição de antipsicóticos em ambulatório, focando redução de riscos (mortalidade, quedas, piora cognitiva) e fortalecimento de intervenções não farmacológicas.

Contexto clínico e objetivos da desprescrição de antipsicóticos

O uso prolongado de antipsicóticos em pessoas com demência associa-se a aumento de mortalidade e a eventos adversos — sedação, hipotensão ortostática, quedas, pneumonia e declínio cognitivo. A desprescrição busca reavaliar a indicação, reduzir riscos iatrogênicos e preservar qualidade de vida, sem abandonar o manejo dos sintomas neuropsiquiátricos, como agitação, agressividade, delírios e alucinações.

Avaliação abrangente da indicação e etiologia

Antes de qualquer redução, realize avaliação detalhada:

  • Identifique o sintoma-alvo (agitação, agressão, alucinações, delírio) e sua gravidade.
  • Procure causas tratáveis: dor, infecção, constipação, desidratação, distúrbios do sono, depressão ou medicamentos que agravam o quadro.
  • Revise história de resposta ao antipsicótico e eventos adversos (quedas, sonolência, alterações metabólicas).
  • Consulte a equipe multidisciplinar e o cuidador; documente metas específicas e critérios de sucesso.

Protocolo ambulatorial para desprescrever antipsicóticos

Segue um roteiro prático, com passos que podem ser adaptados ao nível de risco do paciente.

Passo 1: confirmação da indicação

Confirme que o benefício atual supera os riscos. Se a indicação não for clara ou o quadro estiver estável, a desprescrição é indicada.

Passo 2: avaliação de riscos, benefícios e alternativas

Avalie mortalidade associada aos antipsicóticos, risco de quedas e efeitos cognitivos. Priorize intervenções não farmacológicas (higiene do sono, adaptação ambiental, terapia ocupacional) e considere ajustes de polifarmácia que possam reduzir a necessidade de psicofármacos. Para apoio no manejo da polifarmácia veja o material sobre gestão da polifarmácia e desprescrição.

Passo 3: planejamento do desuso (tapering)

Planeje redução gradual, individualizada ao fármaco, dose e tempo de uso. Recomenda-se reduzir 10–25% da dose total a cada 1–4 semanas, avaliando sinais de retorno de sintomas e sintomas de abstinência. Evite interrupção abrupta, principalmente em formulações de longa ação; nestes casos considere transição para formulação de curta duração antes do desmame.

Passo 4: monitoramento contínuo

Monitore de perto usando escalas comportamentais (por exemplo, NPI, BEHAVE‑AD), avaliação de sono e vigilância de quedas. Informe o cuidador sobre sinais de alerta (agitação crescente, insônia, piora de delírio) e estabeleça canal de contato rápido para reavaliação. Integre monitoramento de prevenção de quedas ao plano de cuidado; consulte recomendações práticas em prevenção de quedas em idosos.

Passo 5: intervenções não farmacológicas essenciais

Estratégias não farmacológicas são a base do manejo e da redução da dependência de antipsicóticos:

  • Ambientação e rotina previsível para reduzir agitação e ansiedade.
  • Higiene do sono: limitar estímulos noturnos, evitar cafeína e manter rotina relaxante antes de deitar.
  • Identificação e mitigação de gatilhos (fome, dor, desconforto, necessidade de urinar).
  • Atividades significativas e estimulação cognitiva adaptada ao nível funcional.
  • Avaliação sistemática da dor, constipação e infecções que podem precipitar delírio ou agitação.

Passo 6: comunicação, consentimento e documentação

Explique ao paciente e aos cuidadores os objetivos, riscos e alternativas em linguagem acessível. Documente cronograma de redução, metas, sinais de alerta e plano de ação caso haja piora. Envolva família e equipe multiprofissional (geriatria, atenção primária, enfermagem, terapia ocupacional) no acompanhamento.

Passo 7: casos especiais

Personalize a abordagem em situações específicas: demência frontotemporal, comorbidades cardiometabólicas ou cuidados paliativos. Nesses casos, decisões devem ser multidisciplinares e considerar riscos individuais.

Aplicação prática: exemplos de casos

Dois exemplos ilustram a aplicação do protocolo:

  • Paciente com risperidona 1 mg/dia há 9 meses, sonolência e quedas: redução gradual (0,75 mg → 0,5 mg → 0,25 mg) com monitoramento semanal e intensificação de intervenções não farmacológicas.
  • Paciente com olanzapina 5 mg e agressividade noturna associada a má higiene do sono e dor: reduzir para 2,5 mg com reavaliação em duas semanas e priorizar tratamento da dor e higiene do sono; considerar troca por opção com menor risco metabólico se necessário.

Integração na prática ambulatorial

Para operacionalizar a desprescrição em ambulatório, inclua avaliação da necessidade de antipsicótico nas revisões periódicas de medicação, padronize cronogramas compartilhados entre profissionais e cuidadores e registre eventos adversos em prontuário eletrônico. Para orientação sobre triagem e manejo da demência na atenção primária, consulte triagem e manejo da demência na atenção primária.

Ações práticas para desprescrever antipsicóticos na demência

  • Reavalie formalmente a indicação do antipsicótico e registre objetivos específicos para a desprescrição.
  • Planeje redução gradual (tapering) com cronograma e critérios de sucesso/alerta.
  • Intensifique intervenções não farmacológicas: higiene do sono, manejo da dor, rotina e atividades significativas.
  • Monitore comportamento, sono e quedas com escalas padronizadas e contato regular com cuidadores.
  • Documente consentimento, plano e eventuais alterações. Ajuste a estratégia conforme resposta clínica e recursos locais.

A desprescrição bem planejada e monitorada pode reduzir riscos associados aos antipsicóticos, melhorar vigilância diurna, diminuir quedas e preservar função cognitiva, sempre respeitando segurança e qualidade de vida do paciente idoso com demência.

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