Triagem e manejo da demência na atenção primária
A demência é uma síndrome clínica que compromete memória, linguagem, raciocínio e capacidade para atividades diárias. A Doença de Alzheimer é a causa mais frequente e o reconhecimento precoce na atenção primária pode reduzir sofrimento, permitir intervenções mais eficazes e orientar o planejamento familiar e social. Estudos brasileiros e revisões internacionais destacam a importância do primeiro contato com a Atenção Primária à Saúde para a identificação e encaminhamento adequados (ResearchGate).
Triagem cognitiva na atenção primária
O objetivo da triagem cognitiva é identificar pacientes que necessitam de avaliação diagnóstica completa. A estratégia deve ser pragmática: rápida, reprodutível e sensível o suficiente para captar alterações iniciais mesmo quando familiares não percebem o declínio.
MEEM: Mini Exame do Estado Mental
O MEEM é uma ferramenta consagrada para triagem cognitiva. Avalia orientação, memória imediata e retentiva, atenção, linguagem e habilidades visuo-espaciais. Pontuações abaixo de 24 (ajustadas por escolaridade) indicam necessidade de investigação adicional com testes neuropsicológicos e avaliação laboratorial e de imagem.
Teste do relógio e instrumentos rápidos
O Teste do Relógio é simples e útil para avaliar funções executivas e visuo-espaciais; tempo de aplicação curto torna-o adequado à rotina da unidade básica. Combinar MEEM e Teste do Relógio aumenta a sensibilidade da triagem para comprometimento cognitivo leve e demência.
Questionário de informante próximo (QIP)
O relato de familiares ou cuidadores permite detectar mudanças funcionais e comportamentais que o paciente pode minimizar. O QIP e escalas similares ajudam a distinguir perda cognitiva relacionada à demência de déficits decorrentes de depressão, polifarmácia ou outras condições médicas.
Encaminhamento e reabilitação cognitiva
Após triagem positiva, encaminhar de forma eficiente é essencial para confirmar diagnóstico, tratar causas reversíveis e planejar intervenções não farmacológicas e farmacológicas.
Encaminhar para neurologia e neuropsicologia
Pacientes com suspeita de demência devem receber avaliação neurológica para exames de imagem e testes neuropsicológicos que definam o padrão cognitivo (ex.: perfil amnéstico típico da Doença de Alzheimer). A presença de sinais focais, início rápido ou idade de início atípica aumenta a urgência do encaminhamento.
Encaminhar para saúde mental: depressão e comportamento
Sintomas depressivos e alterações de comportamento são comuns e podem agravar o declínio funcional; o encaminhamento para serviços de saúde mental permite manejo psicoterápico e ajuste de medicação quando indicado. Para orientação sobre integração entre atenção primária e saúde mental, veja nosso guia sobre promoção da saúde mental na APS.
Programas de reabilitação cognitiva e suporte ao cuidador
Intervenções não farmacológicas (treino cognitivo, atividades orientadas, educação de cuidadores) demonstram benefício funcional. Encaminhar para programas locais de reabilitação cognitiva e serviços sociais melhora adesão e qualidade de vida. Informações práticas sobre avaliação e seguimento estão disponíveis em nossa página sobre avaliação inicial na prática clínica.
Diretrizes, detecção precoce e prioridades de atenção
As diretrizes internacionais e nacionais reforçam a atenção integral e o papel da APS na detecção precoce. A Organização Pan-Americana da Saúde publica recomendações sobre cuidados crônicos e integração de serviços (OPAS). Documentos técnicos nacionais e revisões especializadas orientam critérios diagnósticos, fluxos de encaminhamento e manejo, incluindo recomendações da comunidade neurológica brasileira (Academia Brasileira de Neurologia / ResearchGate).
Para estratégias práticas de identificação na unidade básica, considere rotinas de detecção precoce na atenção primária, que combinam triagem populacional dirigida por idade e sinais clínicos com fluxos de encaminhamento locais.
Próximos passos na triagem cognitiva
Resumo prático para profissionais da APS: 1) inclua triagem cognitiva em consultas de rotina para maiores de 65 anos ou quando houver queixas de memória; 2) utilize MEEM e Teste do Relógio como ferramentas iniciais; 3) colete relato de informantes (QIP); 4) avalie causas reversíveis (hipotireoidismo, deficiência de B12, depressão, uso de medicamentos sedativos); 5) encaminhe com prioridade conforme sinais de início súbito, progressão rápida ou perda funcional significativa; 6) ofereça encaminhamento para reabilitação cognitiva e suporte ao cuidador.
Manter-se atualizado com diretrizes, articular fluxos locais de atendimento e usar ferramentas simples de triagem maximiza a capacidade da atenção primária de oferecer cuidado oportuno e centrado no paciente com demência.
Referências externas utilizadas: ResearchGate (prevalência e desafios na APS), OPAS (diretrizes de atenção integral) e recomendações da Academia Brasileira de Neurologia (manejo das demências).