Disfagia em adultos: avaliação, alarmes e conduta prática
Introdução
A disfagia é um sinal comum e potencialmente grave na prática clínica: quanto tempo desde que o paciente relata engasgos? A dificuldade de deglutição pode levar a aspiração, perda nutricional e hospitalizações recorrentes. Este texto sintetiza passos práticos para a avaliação clínica inicial, identificação de sinais de alerta e condutas viáveis na atenção ambulatorial e de urgência.
1. Definição, classificação e causas essenciais
Disfagia refere-se à dificuldade na passagem de alimentos ou líquidos da boca ao estômago. Classifica-se classicamente em:
- Orofaringeana: mais associada a doenças neurológicas (ex.: Acidente Vascular Encefálico, Parkinson, esclerose múltipla) e disfonações do fechamento glótico;
- Esofágica: por obstrução mecânica (tumores, estenoses, anéis) ou transtornos de motilidade;
- Mista: quando há componentes de ambas.
Causas comuns a lembrar: lesões neurológicas recentes (pós-AVE), sequelas de intubação prolongada, câncer de cabeça e pescoço, refluxo gastroesofágico e efeitos pós-COVID. Identificar a etiologia orienta o encaminhamento (fonoaudiologia, otorrinolaringologia, gastroenterologia, neurologia).
2. Avaliação clínica inicial (passo a passo prático)
História dirigida
Comece com objetivos claros: desde quando, progressão, consistências afetadas, tosse durante a refeição, voz molhada, regurgitação nasal, perda de peso, febre ou episódios de pneumonia.
- Investigue fatores precipitantes: trauma, cirurgia cervical, intubação, início após Acidente Vascular Encefálico ou infecção.
- Medicações que alteram salivação ou consciência (benzodiazepínicos, opioides) e próteses orais mal ajustadas.
Exame físico focado
Procure sinais neurológicos (paresia facial, mobilidade lingual), alterações da voz, higiene oral e habilidade para manejar secreções. Documente saturação em repouso e após deglutição quando disponível.
Testes de triagem à beira do leito
Realize avaliação padronizada e segura: observação da deglutição com pequenas volumes, teste de água (ex.: 3-oz water swallow test quando apropriado) e progressão por consistências. Interrompa se houver tosse vigorosa, dessaturação ou incapacidade de manter vias aéreas.
Se disponível, use protocolos locais padronizados; evidências mostram que triagens precoces pós-AVE identificam risco de aspiração e permitem intervenções oportunas (estudo sobre avaliação clínica pós-AVE).
3. Alarmes (sinais que exigem ação imediata)
- Incapacitação para manejar secreções (salivação profusa, risco de sufocamento) — considerar internação/avaliação urgente;
- Hipóxia ou dessaturação ocorrendo com a deglutição;
- Pneumonia de repetição ou febre após alimentação (sugestivo de aspiração);
- Perda ponderal involuntária rápida e desidratação;
- Suspeita de obstrução esofágica completa (incapacidade de ingerir líquidos e salivação intensa) — encaminhar para avaliação de urgência e imagem/endoscopia.
4. Conduta prática baseada em risco e recurso
Medidas imediatas e ambulatoriais
- Em casos de risco baixo-moderado: implementar modificação da dieta conforme tolerância (texturas e espessantes); instruir cuidador sobre postura e técnicas (ex.: inclinar o tronco, dupla deglutição).
- Se risco alto ou sinais de alarme: proibir alimentos por via oral até avaliação especializada; considerar hidratação venosa e avaliação para nutrição enteral se a via oral for inadequada por >7–14 dias.
Reabilitação e encaminhamentos
Encaminhe precocemente à reabilitação fonoaudiológica para treino de técnicas e exercícios específicos. Dependendo do achado clínico, solicite exames instrumentais: FEES (endoscopia flexível da deglutição) ou videofluoroscopia (VFSS) para definir mecanismo e orientar tratamento.
Encaminhe também para:
- Otorrinolaringologia/Endoscopia se houver suspeita de lesão estrutural ou obstrução;
- Gastroenterologia para sintomas esofágicos predominantes;
- Neurologia em quadros progressivos ou pós-AVC para reabilitação integrada.
Nutrição e seguimento
Avalie estado nutricional e plano de suporte: ajuste calórico-protéico, monitorização de perda de peso e sinais de desidratação. Quando a via oral for insuficiente, planeje nutrição enteral (sonda nasogástrica ou gastrostomia) em conjunto com equipe multidisciplinar.
5. Documentação, comunicação e indicadores de qualidade
Registre detalhadamente história, teste à beira do leito, saturações e plano terapêutico. Use checklists e protocolos locais para reduzir variação de conduta — ver protocolos e fluxos existentes e adapte-os ao contexto. Para suporte na anamnese neurológica e registro, consulte nosso guia prático de anamnese neurológica (anamnese neurológica).
Para orientação sobre encaminhamentos e fluxos, veja também os posts: disfagia: avaliação e encaminhamentos e abordagem prática em clínica geral. Integre avaliação nutricional com recursos locais; um exemplo de referência sobre monitorização nutricional pode ser encontrado em nosso conteúdo sobre nutrição na prática clínica (nutrição e monitorização).
Referências e leituras complementares
Estudos e protocolos apoiam triagem precoce e intervenção multidisciplinar — por exemplo, avaliação clínica pós-AVE que destaca a identificação precoce de risco de disfagia (LUME UFRGS) e revisões práticas sobre conduta nutricional em disfagia (Colamed). Para recursos internacionais e diretrizes práticas sobre avaliação e manejo de disfagia, consulte a síntese da ASHA sobre disfagia (ASHA practice portal).
Fechamento prático
Na prática, priorize triagem rápida, identificação de alarmes e medidas que preservem as vias aéreas e o estado nutricional. Encaminhe para reabilitação fonoaudiológica e exames instrumentais quando indicado; assegure documentação clara e plano de seguimento. Protocolos padronizados reduzem eventos adversos e melhoram desfechos — adapte as recomendações acima ao contexto local e à disponibilidade de recursos.