Dislipidemia: avaliação de risco e metas terapêuticas
Introdução
Como identificar quem realmente se beneficia de tratamento farmacológico e quais objetivos devemos perseguir na prática clínica? A dislipidemia é um dos principais determinantes da aterosclerose e, por consequência, dos eventos cardiovasculares. Este texto, dirigido a profissionais de saúde, sintetiza fisiopatologia, estratificação de risco e decisões terapêuticas — com foco em estatinas, terapias adjuntas e metas individuais.
Fisiopatologia: por que o LDL importa
Mecanismo central
O acúmulo de partículas de LDL-C na íntima arterial inicia uma resposta inflamatória que evolui para formação de placas ateroscleróticas. A oxidação do LDL e a disfunção endotelial favorecem a progressão da placa e a instabilidade, fatores determinantes de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico.
Papel do HDL e triglicerídeos
O HDL-C participa do transporte reverso de colesterol, mas a correlação com redução de risco é complexa; níveis elevados de triglicerídeos costumam coexistir com resistência insulínica e síndrome metabólica, elevando o risco global.
Estratificação do risco cardiovascular e diagnóstico
A estratificação de risco cardiovascular é o passo decisivo para definir metas e intensidade terapêutica. Use escores validados (por exemplo Escore de Framingham adaptado localmente) e incorpore fatores clínicos: histórico de DCV aterosclerótica, diabetes, doença renal crônica, tabagismo, hipertensão, e diagnóstico de hipercolesterolemia familiar.
- Exame laboratorial: perfil lipídico (colesterol total, LDL-C, HDL-C, triglicerídeos). Em jejum ou não jejum, dependendo do laboratório e da intenção clínica.
- Avaliar causas secundárias: hipotireoidismo, doença hepática, síndrome nefrótica, medicamentos (corticóides, antirretrovirais, imunossupressores) e estilo de vida.
Metas terapêuticas — orientações práticas
As metas variam conforme o risco. Embora existam diferenças entre diretrizes, metas frequentemente adotadas na prática são:
- Risco muito alto (DCV aterosclerótica estabelecida, humano com múltiplos eventos): LDL-C <55 mg/dL ou redução ≥50% em relação ao basal.
- Alto risco (diabetes com fatores de risco, lesões arteriais importantes): LDL-C <70 mg/dL.
- Risco intermediário: LDL-C <100 mg/dL.
- Baixo risco: LDL-C <130 mg/dL.
Consulte diretrizes locais ao individualizar metas e leve em conta idade, fragilidade e preferências do paciente.
Tratamento — abordagem integrada
Medidas não farmacológicas
Intervenções em estilo de vida são pilar: dieta cardioprotetora, aumento de atividade física, perda de peso quando indicada e cessação do tabagismo. Integre aconselhamento nutricional e programas de atividade; veja material complementar sobre nutrição prática para prevenção cardiovascular e estratégias de promoção de saúde cardiovascular na prática clínica.
Terapia farmacológica: estatinas como base
As estatinas são o tratamento de primeira linha, com evidência robusta de redução de mortalidade e eventos isquêmicos. Escolha a intensidade (baixa, moderada ou alta) de acordo com a meta de LDL-C e tolerância do paciente. Em linhas gerais:
- Risco muito alto → estatina de alta intensidade (ex.: rosuvastatina 20–40 mg, atorvastatina 40–80 mg) buscando redução ≥50% do LDL.
- Risco alto/intermediário → estatina de intensidade apropriada, ajustar conforme resposta.
Monitore eficácia por dosagem de lipídios 4–12 semanas após início ou mudança de dose e, então, a cada 3–12 meses conforme estabilidade.
Quando intensificar: ezetimiba e inibidores de PCSK9
Se metas não são atingidas com estatina otimizada ou há intolerância, considere:
- Ezetimiba — boa opção para combinação com estatina.
- Inibidores de PCSK9 (evolocumabe, alirocumabe) — indicados em pacientes de alto risco, hipercolesterolemia familiar ou quando estatina+ezetimiba não alcançam meta. Evidência de redução adicional de eventos em subgrupos de alto risco.
Segurança e gestão de eventos adversos
Avalie riscos e monitore efeitos: hepatotoxicidade (exame basal de transaminases, repetir se sintomas ou transaminases elevadas clinicamente relevantes), miopatia (checar CK apenas se sintomas). Em suspeita de intolerância às estatinas, considerar redução de dose, troca de molécula, regime alternado ou combinação com outros agentes; para orientação prática sobre miopatia relacionada a estatinas, consulte miopatia autoimune e estatinas.
Monitoramento, adesão e seguimento
Recomendações práticas:
- Medir lipídios 4–12 semanas após início/mudança e, depois, 3–12 meses até estabilidade.
- Avaliar adesão e barreiras: efeitos adversos, complexidade do regime, custo e crenças sobre medicação.
- Reforçar medidas de prevenção: integração com reabilitação cardíaca e programas de acompanhamento melhora adesão — ver reabilitação cardíaca na atenção básica.
Aplicação prática em populações especiais
Pacientes com diabetes têm risco cardiovascular aumentado; as diretrizes de diabetes recentes enfatizam controle lipídico rigoroso e uso precoce de estatinas em adultos com diabetes tipo 2. Para detalhes nas recomendações da associação nacional, consulte a Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024). Na suspeita de hipercolesterolemia familiar, rastrear histórico familiar e considerar encaminhamento para avaliação genética e terapias intensivas.
Diretrizes nacionais e internacionais (por exemplo, atualização do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia) oferecem orientações sobre estratificação e metas; ver documento completo em Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (2017).
Fechamento e recomendações práticas
Abordar a dislipidemia exige combinar avaliação individual do risco (estratificação de risco cardiovascular), medidas de estilo de vida e terapia farmacológica com metas claras. As estatinas permanecem o pilar do tratamento; terapias adjuvantes como ezetimiba e inibidores de PCSK9 são ferramentas importantes para pacientes que não atingem metas. Na prática, priorize:
- Estratificação do risco e definição de metas individualizadas.
- Início de estatina quando indicado e monitorização sistemática da resposta.
- Atuação interdisciplinar para promover adesão e mudanças de estilo de vida; consulte materiais de diagnóstico e metas em dislipidemia e estratégias de nutrição na prevenção cardiovascular para suporte clínico adicional.
Para atualização sobre recomendações de prevenção primária e uso de estatinas em populações específicas, confira também as revisões da USPSTF e documentos de sociedades internacionais que complementam as diretrizes locais (por exemplo, análise disponível em revisão de evidências sobre estatinas). Aplicar evidência à situação clínica individual aumenta a eficácia das intervenções e reduz eventos ateroscleróticos a longo prazo.