O que é endocrinopatia por imunoterapia: sinais, diagnóstico e manejo prático

O que é endocrinopatia por imunoterapia: sinais, diagnóstico e manejo prático

Endocrinopatia por imunoterapia: definição e importância clínica

A endocrinopatia induzida por imunoterapia refere-se às disfunções hormonais causadas pela ativação do sistema imune após uso de inibidores de checkpoint (CTLA-4, PD-1 e PD-L1). Essas reações autoimunes podem afetar especialmente a hipófise (hipofisite), a tireoide (tireoidite) e o córtex adrenal (insuficiência adrenal), levando a sintomas que variam de leves a potencialmente fatais. O reconhecimento precoce e o manejo adequado permitem minimizar complicações, preservar a qualidade de vida e, quando possível, manter a terapia antitumoral.

Contexto clínico e fisiopatologia

Os inibidores de checkpoint aumentam a atividade antitumoral, mas podem romper a tolerância imunológica e provocar inflamação das glândulas endócrinas. A prevalência e o padrão variam conforme o agente: combinações CTLA-4/PD-1 apresentam maior risco de eventos endócrinos graves do que monoterapias com PD-1/PD-L1. As lesões podem ser localizadas (ex.: tireoidite) ou centrais (ex.: hipofisite com insuficiência hipofisária secundária). Entender o tempo de aparecimento — geralmente nos primeiros 12 meses, embora possa ocorrer depois — é essencial para a vigilância ativa.

Fatores de risco e farmacologia

Riscos aumentam com combinação de agentes e histórico de doenças autoimunes. Perfil farmacológico resumido:

  • CTLA-4 (ex.: ipilimumabe): maior associação com hipofisite.
  • PD-1 (ex.: nivolumabe, pembrolizumabe): maior associação com tireoidite e hipotiroidismo.
  • PD-L1 (ex.: atezolizumabe, durvalumabe): perfil semelhante ao de PD-1.

Idade, comorbidades, uso concomitante de outros fármacos e histórico autoimune modulam o risco. Diretrizes internacionais recomendam avaliação hormonal basal e monitorização periódica durante o tratamento.

Principais sinais por eixo: hipofisite, tireoidite e insuficiência adrenal

Hipofisite e insuficiência hipofisária

Sinais: fadiga intensa, cefaleia progressiva, hipotensão, náuseas, hiponatremia e alterações visuais quando há compressão ou inflamação significativa. Impacto hormonal: deficiência de ACTH (causando insuficiência adrenal secundária), hipotireoidismo central (TSH inapropriadamente baixo com T4 livre reduzido) e deficiência de gonadotrofinas.

Tireoidite induzida por imunoterapia

Quadro típico: fase inicial de tireotoxicose transitória (taquicardia, tremor, sudorese, perda de peso), seguida por hipotiroidismo em muitos casos. A presença de anticorpos antitireoidianos é variável; a conduta baseia-se na dinâmica hormonal e nos sintomas. Reposição com levotiroxina é indicada quando há hipotireoidismo persistente sintomático.

Insuficiência adrenal

Sinais: fadiga extrema, náuseas, vômitos, dor abdominal, hipotensão e desequilíbrios eletrolíticos. Risco de crise adrenal exige reconhecimento rápido e tratamento imediato com glicocorticoides e reposição volêmica.

Abordagem diagnóstica integrada

Basear-se em suspeita clínica e confirmar por exames laboratoriais e de imagem quando necessário. Recomendações práticas:

  • Avaliação basal antes da imunoterapia: TSH, T4 livre, cortisol matinal (6–9h), ACTH, LH/FSH e testosterona ou estradiol conforme sexo e idade. Considerar prolactina se houver sinais sugestivos.
  • Monitorização durante o tratamento: repetir TSH/T4L a cada 6–12 semanas nos primeiros 6–12 meses; checar cortisol matinal ou ACTH se houver sintomas sugestivos.
  • Teste de estimulação com ACTH (cosintropina) se houver suspeita de insuficiência adrenal; considerar início empírico de hidrocortisona se cortisol basal < 3 μg/dL (ou < 83 nmol/L) com quadro clínico de gravidade.
  • Imagem: ressonância magnética de hipófise indicada diante de cefaleia progressiva, alterações visuais ou suspeita de hipofisite.
  • Integração multidisciplinar: oncologia e endocrinologia devem decidir conjuntamente sobre continuidade da imunoterapia e ajustes de reposição hormonal.

Tratamento prático por eixo

Hipofisite / insuficiência hipofisária

  • Reposição de glicocorticoides: hidrocortisona 15–25 mg/dia em manutenção; em crise, hidrocortisona IV 50–100 mg a cada 6–8 h conforme gravidade, com posterior tapering.
  • Hipotireoidismo central: iniciar levotiroxina com ajuste baseado em T4 livre (no hipotireoidismo central, o TSH pode não ser confiável).
  • Avaliar necessidade de interromper temporariamente a imunoterapia em casos de hipofisite aguda que exijam doses altas de glicocorticoide.

Insuficiência adrenal

  • Crise adrenal: tratamento emergencial com reposição volêmica, glicocorticoides IV e correção de eletrólitos.
  • Manutenção: hidrocortisona oral ajustada a sintomas, peso e atividades; instruir o paciente sobre aumento de dose em estresse.

Tireoidite induzida

  • Tireotoxicose transitória: manejo sintomático com beta-bloqueadores (ex.: propranolol) para taquicardia e tremor.
  • Hipotireoidismo: iniciar reposição com levotiroxina quando indicado; ajustar dose com acompanhamento laboratorial.
  • Geralmente não é necessária suspensão permanente da imunoterapia apenas por tireoidite isolada.

Algoritmo rápido para uso clínico

  • Passo 1: investigar novos sintomas em paciente em imunoterapia (fadiga, cefaleia, tontura, náuseas, perda de peso, taquicardia, hipotensão).
  • Passo 2: solicitar exames basais imediatos: cortisol matinal, ACTH, TSH, T4 livre, LH/FSH e hormônios sexuales conforme indicado.
  • Passo 3: se cortisol basal < 3 μg/dL e quadro sugestivo, iniciar hidrocortisona empírica e confirmar com cosintropina.
  • Passo 4: em alterações de TSH/T4L, diferenciar hipotireoidismo primário de central; considerar MRI hipofisário se houver sinais neurológicos.
  • Passo 5: integrar decisão sobre continuidade da imunoterapia com equipe multidisciplinar.

Casos clínicos breves

Caso A: paciente com melanoma em esquema CTLA-4/PD-1, com cefaleia progressiva e fadiga aos 8 meses. Exames mostram cortisol matinal baixo e ACTH inapropriadamente baixo; RM de hipófise confirma hipofisite. Manejo: hidrocortisona em manutenção, reposição hormonal conforme necessidade e decisão conjunta sobre retomada da imunoterapia.

Caso B: paciente em pembrolizumabe com taquicardia e perda de peso; TSH suprimido e T4 livre elevado indicam tireotoxicose transitória. Tratamento sintomático com beta-bloqueador e monitorização até evolução para hipotireoidismo e início de levotiroxina quando indicado.

Implicações práticas para serviços de saúde

  • Implementar protocolo institucional com avaliações basais e monitorização periódica de cortisol matinal, TSH e T4 livre, além de hormônios sexuais conforme sexo e idade.
  • Educar equipes oncológicas sobre sinais de urgência endócrina (crise adrenal, hipotireoidismo severo) e estabelecer fluxo rápido para endocrinologia.
  • Orientar pacientes sobre sinais de alerta e quando buscar atendimento de emergência (hipotensão persistente, náuseas intensas, confusão, fraqueza acentuada).
  • Em pacientes idosos ou polimedicados, considerar revisão de medicamentos e possíveis ajustes (ver também Desprescrição estatinas idosos fragil) para reduzir interações e riscos.
  • Para suporte à vigilância domiciliar em pacientes com tratamento prolongado, consulte recomendações sobre monitorização SpO2 em casa: indicações e limitações, integrando orientações de autocuidado quando aplicável.
  • Em pacientes com sintomas musculoesqueléticos concomitantes, articule avaliação multidisciplinar e, se útil, consulte material prático como Abordagem prática dor lombar aguda para suporte ao manejo sintomático.

Recomendações práticas

  • Realizar avaliação endócrina basal antes de iniciar imunoterapia e monitorização regular nos primeiros 6–12 meses.
  • Manter alto índice de suspeição para hipofisite, tireoidite e insuficiência adrenal; agir rapidamente frente a sinais de gravidade.
  • Individualizar reposição hormonal (hidrocortisona, levotiroxina, hormônios sexuais) e discutir risco/benefício da continuidade da imunoterapia em reunião multidisciplinar.
  • Documentar alterações hormonais no prontuário e educar o paciente sobre autotratamento em situações de estresse (aumento temporário de glicocorticoide) e sinais de alarme.

Resumo de ações práticas

  • Protocolo basal e monitorização periódica de cortisol, TSH e T4 livre; avaliar LH/FSH e hormônios sexuais conforme indicado.
  • Rápida investigação com cosintropina quando cortisol basal estiver muito baixo e quadro clínico compatível.
  • Manejo sintomático da tireotoxicose com beta-bloqueadores e reposição com levotiroxina em hipotireoidismo persistente.
  • Decisão sobre continuidade da imunoterapia baseada na gravidade da endocrinopatia, resposta tumoral e avaliação multidisciplinar.

Integrar oncologia e endocrinologia, com protocolos locais e educação de equipes e pacientes, é crucial para reduzir riscos e otimizar desfechos. Manter-se atualizado com as diretrizes e evidências recentes melhora a segurança do uso de inibidores de checkpoint e o manejo das complicações endócrinas associadas.

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