O que é lesão hepática induzida por fármacos: sinais, exames e manejo

O que é lesão hepática induzida por fármacos: sinais, exames e manejo

A lesão hepática induzida por fármacos (LHI), também referida pela sigla DILI (drug-induced liver injury), é o dano ao fígado causado por medicamentos, suplementos ou fitoterápicos. Apesar de relativamente rara em comparação com outras causas de doença hepática, a DILI é uma causa importante de hepatite iatrogênica em ambientes ambulatoriais e hospitalares. Este texto, direcionado a profissionais de saúde e clínicos que buscam linguagem clara e prática, aborda definição, mecanismos, sinais clínicos, sequência de exames, critérios de causalidade, manejo inicial e estratégias de prevenção.

lesão hepática induzida por fármacos: definição e epidemiologia

A lesão hepática induzida por fármacos é definida como qualquer alteração bioquímica ou clínica do fígado atribuível a um agente exógeno, na ausência de outra causa plausível. Os padrões bioquímicos mais usualmente descritos são:

  • Padrão hepatocelular: elevação predominante de ALT e AST.
  • Padrão colestático: elevação de fosfatase alcalina (FA) e GGT, frequentemente com aumento da bilirrubina.
  • Padrão misto: combinação de elevações de transaminases e FA.

A apresentação clínica varia de alterações laboratoriais assintomáticas até hepatite aguda grave e insuficiência hepática. Fatores que aumentam o risco incluem polifarmácia, idade avançada, consumo de álcool, comorbidades e predisposição genética. Entre os agentes mais associados à DILI estão anticonvulsivantes, alguns antibióticos (p.ex., amoxicilina/ácido clavulânico), antituberculosos, imunossupressores, quimioterápicos e o paracetamol (acetaminofeno) em overdose ou uso crônico em doses elevadas. Suplementos e fitoterápicos também são causas frequentes e subestimadas.

hepatotoxicidade: sinais clínicos e investigação inicial

O reconhecimento precoce depende de anamnese detalhada sobre tempo de início dos medicamentos, uso de medicamentos de venda livre, suplementos e histórico de consumo de álcool. Sinais e sintomas que aumentam a suspeita de DILI incluem náuseas, dor abdominal, icterícia, prurido, febre e erupção cutânea. Exames iniciais recomendados:

  • Perfil hepático: ALT, AST, FA, GGT, bilirrubina total e frações, albumina e INR/tempo de protrombina.
  • Avaliação renal e eletrólitos.
  • Serologias virais (HAV IgM, HBsAg, anti-HCV e, quando disponível, HEV) para exclusão de hepatites virais.
  • Marcadores autoimunes (ANA, ASMA, LKM-1, IgG) quando houver suspeita de hepatite autoimune.
  • Ultrassonografia abdominal para excluir obstrução biliar e avaliar morfologia hepática.

O uso sistemático de escalas de causalidade, como o RUCAM (Roussel Uclaf Causality Assessment Method), auxilia na estratificação da probabilidade de DILI ao considerar temporização, curso após descontinuação, fatores de risco e exclusão de outras causas.

RUCAM e avaliação de causalidade

O RUCAM atribui pontuações a elementos como início dos sintomas após exposição, melhora após retirada do agente, presença de fatores de risco, resultados laboratoriais e resposta à reexposição (quando aplicável). Embora não seja definitivo, o RUCAM padroniza a avaliação e melhora a comunicação entre equipes. Em casos complexos, a consulta com hepatologista é recomendada para validar o diagnóstico e planejar condutas como biópsia hepática ou cuidados intensivos.

Exames de imagem e biópsia

Os exames de imagem visam excluir obstrução biliar e avaliar complicações estruturais. Principais modalidades:

  • Ultrassonografia abdominal: primeira linha para avaliar vias biliares e alterações parenquimatosas.
  • Elastografia: útil para avaliação de fibrose quando há suspeita de lesão crônica.
  • TC ou ressonância magnética: indicadas quando ultrassom é inconclusivo ou para avaliação complementar.
  • MRCP (colangiopancreatografia por ressonância): indicada para investigar obstrução biliar intra ou extra-hepática persistente.

A biópsia hepática é considerada quando o diagnóstico permanece incerto, quando há progressão clínica apesar da retirada do fármaco, ou para diferenciar de hepatite autoimune e outras doenças hepáticas subjacentes.

paracetamol (acetaminofeno) e manejo específico

O paracetamol (acetaminofeno) causa hepatotoxicidade intrínseca em doses tóxicas. A N-acetilcisteína (NAC) é o antídoto estabelecido e deve ser administrada conforme protocolos de tempo e dose após intoxicação. Em casos de DILI de outras etiologias, não há tratamento farmacológico universal além da suspensão do agente causal; entretanto, em reações com componente imunológico pode se considerar corticoterapia sob supervisão de hepatologia.

Estratégia prática de manejo da DILI

  • Suspensão do(s) fármaco(s) suspeito(s): ao menor indício de DILI, retire o agente provável. Em polifarmácia, priorize suspeitas com base na temporização e no potencial hepatotóxico.
  • Monitoramento: repita os exames hepáticos em intervalos definidos; a melhora laboratorial após retirada sustenta a hipótese de DILI.
  • Suporte: em insuficiência hepática aguda, manejo em unidade de terapia intensiva, correção de coagulopatia e suporte nutricional. Em cenários selecionados de DILI grave, a NAC pode ser considerada como terapia adjuvante por equipe especializada.
  • Evitar reexposição: reexpor o paciente ao agente causal só em situações excepcionais, com consentimento informado e monitorização rígida; preferir alternativas terapêuticas quando possível.

Prescrição racional, revisão periódica de medicamentos e educação do paciente sobre sinais de alerta (icterícia, prurido intenso, confusão, fraqueza) são medidas essenciais para reduzir riscos futuros.

Diagnóstico diferencial

Ao investigar elevação de enzimas hepáticas é fundamental excluir:

  • Hepatites virais (A, B, C, E).
  • Hepatite autoimune (ANA, ASMA, IgG).
  • Doença hepática gordurosa não alcoólica e lesão por álcool.
  • Obstrução biliar por cálculos ou lesões compressivas (avaliar com ultrassom/MRCP).
  • Doenças metabólicas ou genéticas com manifestação hepática.

encefalopatia hepática mínima e interface com DILI

Casos graves de DILI podem evoluir com encefalopatia hepática e insuficiência hepática. Para contextualizar sinais neurológicos subtis e manejo multidisciplinar, veja referência sobre encefalopatia hepatica minima. Em situações de dúvida diagnóstica entre DILI e hepatite autoimune, a leitura complementar sobre hepatite autoimune: sinais, exames e manejo pode ser útil.

Pontos-chave para prática clínica

  • Descontinue imediatamente o(s) fármaco(s) suspeito(s) quando há forte suspeita de DILI.
  • Use RUCAM para padronizar avaliação de causalidade quando indicado.
  • Monitore ALT/AST, FA, bilirrubina e INR; procure sinais de progressão para insuficiência hepática.
  • Considere NAC em intoxicação por paracetamol e como suporte em DILI grave sob avaliação especializada.
  • Encaminhe precocemente para hepatologia nos casos graves ou de diagnóstico incerto.

Resumo prático: manejo da lesão hepática induzida por fármacos

Lesão hepática induzida por fármacos (DILI) exige abordagem estruturada: anamnese detalhada, exclusão de causas alternativas, uso de escalas como o RUCAM, suspensão do agente suspeito e monitoramento laboratorial. Em muitos pacientes, essas medidas levam à recuperação; casos com encefalopatia, coagulopatia ou falência progressiva requerem manejo especializado e avaliação para terapias avançadas. A prescrição racional e a educação do paciente são pilares para prevenção da hepatotoxicidade.

Observação: este texto destina-se a profissionais de saúde. Pacientes devem procurar atendimento médico para avaliação individualizada e orientações terapêuticas.

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