Risco cardiovascular em sobreviventes de câncer: avaliação inicial, estratificação e protocolo prático de monitorização

Contexto clínico: a sobrevida dos pacientes com câncer aumentou nas últimas décadas, mas tratamentos oncológicos podem provocar sequelas cardiovasculares. Detectar precocemente o risco cardiovascular em sobreviventes e aplicar monitorização e medidas preventivas reduz mortalidade, preserva função cardíaca e melhora qualidade de vida. Este texto, dirigido principalmente a profissionais de saúde, apresenta uma abordagem prática para avaliação inicial, estratificação de risco e um protocolo de monitorização adaptável à realidade clínica.

Risco cardiovascular em sobreviventes de câncer: fatores determinantes

O risco cardiovascular entre sobreviventes resulta da interação entre fatores tradicionais (hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo, idade) e exposições oncológicas específicas (antraciclinas, trastuzumabe e outros agentes cardiotóxicos, radioterapia torácica, imunoterapias). A cardio-oncologia integra oncologia e cardiologia para implementar estratégias de prevenção primária, detecção precoce de disfunção cardíaca e intervenção oportuna.

Avaliação inicial do risco cardiovascular

Identificação de fatores de risco

  • Fatores tradicionais: controle de pressão arterial, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo.
  • História oncológica: tipo de tumor, tratamentos recebidos, dose cumulativa de antraciclinas, uso de trastuzumabe ou outros agentes-alvo, radioterapia torácica, tempo desde o término do tratamento.
  • Biomarcadores: troponina de alta sensibilidade e NT-proBNP detectam lesão miocárdica subclínica e ajudam na estratificação.
  • Saúde metabólica e renal: síndrome metabólica, resistência à insulina e função renal alterada potencializam risco.
  • Estilo de vida e fatores psicossociais: alimentação, atividade física, sono, uso de álcool e suporte psicológico influenciam adesão e prognóstico.

Histórico de tratamento oncológico e cardiotoxicidade

Documente exposições relevantes: antraciclinas (dose cumulativa relacionada à disfunção sistólica), inibidores de HER2 como trastuzumabe (associação com queda de função quando combinados com quimioterapia), radioterapia torácica (risco aumentado de doença coronariana, valvulopatia e pericardite) e imunoterapias (risco de miocardite e arritmias). Para aprofundamento sobre efeitos inflamatórios e miocardite por imunoterapias, consulte o texto sobre cardiotoxicidade associada a imunoterapias.

Ferramentas de estratificação

  • Calculadoras de risco tradicionais: uso de scores como ASCVD ajustados ao contexto do sobrevivente.
  • Estratificação específica: considerar exposição a cardiotóxicos, tempo desde o tratamento e comorbidades.
  • Imagem: ecocardiograma com fração de ejeção (FE) e strain global longitudinal (GLS) para detectar disfunção precoce; considerar ressonância magnética cardíaca quando houver dúvida diagnóstica.
  • Biomarcadores seriados: troponina e NT-proBNP para vigilância durante e após tratamento.

Estratificação de risco e plano de monitorização

Classificação prática do risco

  • Baixo risco: fatores tradicionais controlados, sem exposição significativa a cardiotóxicos e sem sinais de lesão cardíaca.
  • Médio risco: presença de 1–2 fatores tradicionais com exposição moderada a cardiotóxicos ou alterações laboratoriais discretas.
  • Alto risco: exposição significativa a cardiotóxicos (alto acúmulo de antraciclinas, radioterapia torácica), múltiplos fatores de risco ou evidência de lesão subclínica por biomarcadores/imagem.

Plano de monitorização recomendado

  • Avaliação basal: anamnese dirigida, exame físico, PA, ECG, perfil lipídico, glicemia/HbA1c, função renal/hepática, troponina e NT-proBNP, ecocardiograma com FE e GLS.
  • Rastreamento de curto prazo (0–2 anos): consultas a cada 6–12 meses para pacientes de risco médio; ecocardiograma seriado se houver alteração inicial (GLS reduzido ou queda discreta da FE) e biomarcadores conforme sinal clínico.
  • Monitorização intensiva: para alto risco, ecocardiograma a cada 6–12 meses nos primeiros 2–3 anos; considerar RMC se houver dúvidas sobre função ventricular; monitorar pressão arterial, lipídios e glicemia regularmente.
  • Longo prazo (≥2 anos): rastreamento de fatores de risco conforme diretrizes locais; ecocardiograma apenas se surgirem sintomas ou risco aumentado.

Protocolo prático de monitorização

Fase 0 — avaliação basal

  • Anamnese e exame físico focados em sinais de insuficiência cardíaca e sintomas isquêmicos.
  • Medidas vitais e antropometria (IMC).
  • ECG de 12 derivações e ecocardiograma com FE e GLS.
  • Laboratoriais: lipídios, glicemia/HbA1c, creatinina/eGFR, troponina de alta sensibilidade e NT-proBNP.
  • Orientação sobre cessação do tabagismo, alimentação, atividade física e sono.

Curto prazo (0–2 anos) e intervenções

  • Reavaliação clínica semestral ou anual conforme risco; repetir ecocardiograma e biomarcadores se houver alterações.
  • Iniciar ou ajustar terapias preventivas (estatinas, anti-hipertensivos, controle glicêmico) conforme risco cardiovascular global.

Longo prazo e reabilitação

  • Rastreamento contínuo de PA, lipídios e glicose segundo guideline local; ecocardiograma conforme surgimento de sintomas.
  • Encaminhamento para programas de reabilitação cardiovascular ambulatorial quando indicado, com prescrição individualizada de exercício e educação.

Intervenções preventivas e farmacológicas

Medidas farmacológicas

  • Controle pressórico: metas individualizadas (muitos pacientes se beneficiam de PA ≤130/80 mmHg); usar IECA/ARB, betabloqueador ou outros conforme tolerância.
  • Dislipidemia: estatinas conforme risco global; considerar intensificação em presença de fatores adicionais.
  • Controle metabólico: metas glicêmicas e controle de peso com abordagem nutricional e atividade física.
  • Cardioproteção durante terapia oncológica: avaliar necessidade de cardioprotetores, ajuste de quimioterapia ou monitorização mais frequente em pacientes de alto risco.

Estilo de vida

  • Atividade física adaptada: objetivo geral de 150 minutos/semana de atividade aeróbica moderada e fortalecimento muscular 2 vezes/semana.
  • Dieta baseada em frutas, vegetais, fibras e peixes; reduzir sal e gorduras saturadas.
  • Parar tabagismo, limitar álcool, promover higiene do sono e manejo do estresse (psicoterapia, mindfulness).

Pontos especiais de cardio-oncologia

A prática exige equipe multidisciplinar: oncologia, cardiologia, radiologia, nutrição, fisioterapia e psicologia. Atenção a situações específicas como miocardite por imunoterapias, doença coronariana tardia após radioterapia torácica e a necessidade de ajustar regimes quimioterápicos quando há comprometimento cardíaco. Para referência sobre hipertensão em pacientes com comorbidades, veja as diretrizes práticas de hipertensão.

Risco cardiovascular em sobreviventes de câncer: próximos passos práticos

1) Integre avaliação de risco cardiovascular ao seguimento pós-tratamento desde a primeira consulta, considerando dose cumulativa de cardiotóxicos e tempo desde a exposição. 2) Estratifique pacientes em baixo, médio ou alto risco e aplique cronograma de monitorização (ecocardiograma, biomarcadores, controle de fatores de risco). 3) Priorize intervenções de estilo de vida e terapias farmacológicas baseadas em risco; considere cardioprotetores em pacientes de alto risco. 4) Garanta comunicação clara e compartilhada entre paciente, oncologia e cardiologia para decisões individualizadas.

Palavras-chave relacionadas incluídas no texto: cardiotoxicidade, ecocardiograma, biomarcadores, reabilitação cardiovascular, antraciclinas, trastuzumabe, radioterapia torácica, cardio-oncologia.

Para aprofundamento sobre cardiotoxicidade de terapias oncológicas e estratégias de monitorização, consulte os links internos citados nas seções correspondentes.

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