Risco de suicídio: algoritmo prático e encaminhamento seguro
Risco de suicídio
O risco de suicídio exige avaliação rápida, objetiva e bem documentada. Este texto apresenta um algoritmo prático de avaliação, ferramentas de triagem validadas, um plano de segurança colaborativo e critérios claros para encaminhamento imediato. O conteúdo é voltado a profissionais de saúde, com linguagem acessível para pacientes e familiares quando necessário, visando reduzir o tempo entre identificação e intervenção.
Algoritmo prático de avaliação de risco
O fluxo sugerido segue quatro etapas: triagem inicial, avaliação aprofundada, elaboração do plano de segurança e encaminhamento seguro. Adapte o protocolo aos recursos locais, às necessidades do paciente e à legislação vigente.
Triagem inicial (ideação e risco imediato)
- Identificar ideação suicida: pensamentos recorrentes sobre morrer, desejos de acabar com a própria vida, planos ou tentativas anteriores.
- Avaliar fatores de risco agudos: uso recente de substâncias, perda súbita de suporte social, crise financeira ou familiar, isolamento.
- Verificar acesso a meios letais e capacidade de agir sem supervisão.
Em muitos serviços, ferramentas rápidas de triagem ajudam a detectar comorbidades associadas ao risco. Consulte materiais sobre abordagem pragmática da depressão e ansiedade para integração com avaliação de depressão e ansiedade em atenção primária e telemedicina.
Avaliação de risco: ideação, plano, meios e intenção
Classifique o risco em alto, moderado ou baixo com base em perguntas diretas e comportamento observável. Questões essenciais:
- Há pensamentos frequentes de morrer ou de se machucar?
- Existe um plano específico? Qual o grau de detalhamento?
- Quais meios estão disponíveis (medicamentos, armas, substâncias)?
- Existe intenção de agir nas próximas horas ou dias?
Use instrumentos padronizados, como a C-SSRS (Columbia Suicide Severity Rating Scale) e o item 9 do PHQ-9, que auxiliam a priorizar intervenções. Documente data, hora, perguntas feitas e respostas, bem como o responsável pela avaliação.
Planejamento de segurança (plano de segurança)
O plano de segurança é um acordo colaborativo para reduzir risco imediato. Componentes essenciais:
- Reconhecimento de sinais de alerta e gatilhos pessoais.
- Lista de estratégias de enfrentamento e passos concretos para momentos de crise.
- Rede de apoio: contatos de família, amigos, serviços de saúde e linhas de crise.
- Medidas para restringir acesso a meios letais (guardar ou retirar medicamentos, trancar armas, remover objetos cortantes).
- Informar serviços locais de emergência e horários de disponibilidade.
Um plano de segurança por escrito deve ser compartilhado com a equipe e revisado periodicamente; registre concordância verbal quando o paciente não puder assinar.
Encaminhamento seguro
Encaminhamento imediato é indicado quando há risco iminente. Situações que exigem encaminhamento urgente:
- Ideação com plano específico, meios acessíveis e intenção próxima.
- Ausência de rede de apoio confiável ou incapacidade de manter segurança domiciliar.
- Comorbidades agudas que elevam risco (intoxicação, sintomas psicóticos agudos).
- Deterioração rápida do estado mental que justifique monitorização em ambiente seguro.
Encaminhamentos podem incluir acionamento de serviços de emergência (SAMU/192), internação involuntária quando legalmente indicada, ou prioridade para avaliação psiquiátrica ambulatorial. Em cenários não agudos, mantenha monitoramento ativo e contato frequente com a rede de suporte.
Ferramentas de triagem úteis
Instrumentos com boa evidência clínica:
- C-SSRS: avalia ideação, intenção e comportamento suicida; aplicável em vários contextos.
- PHQ-9 (item 9): triagem para pensamentos suicidas nas últimas duas semanas; complementar à avaliação clínica.
- Entrevistas estruturadas para populações específicas (adolescentes, idosos, transtornos por uso de substâncias).
Na atenção primária, combine questionários breves com entrevista clínica. Em telemedicina, utilize plataformas seguras para preservar a privacidade e possibilitar monitoramento contínuo.
Considerações especiais
- Adolescentes exigem linguagem apropriada e abordagem sem julgamento para manter comunicação aberta.
- Pacientes com transtorno por uso de substâncias têm risco aumentado; integre serviços de dependência ao plano de cuidado.
- Pacientes com demência podem não verbalizar ideação; observe alterações comportamentais e humor.
- Equilíbrio entre confidencialidade e necessidade de proteção: quando justificável, envolva familiares ou cuidadores.
Integre abordagens descritas em artigos relacionados, como a triagem e manejo de distúrbios do sono, já que piora do sono está associada a aumento do risco suicida.
Implementação na rotina clínica
Recomendações práticas para operacionalizar o protocolo:
- Treinamento periódico da equipe em entrevista sensível, triagem e manejo de crise.
- Incluir perguntas de triagem em consultas pertinentes (depressão, ansiedade, dor crônica).
- Disponibilizar materiais informativos para pacientes e familiares sobre recursos de crise e plano de segurança.
- Padronizar documentação e integrar protocolos ao prontuário eletrônico.
- Articular fluxos de encaminhamento com serviços locais de saúde mental e linhas de crise.
Casos ilustrativos
Exemplos fictícios para fins educativos:
- Caso A: 42 anos, depressão maior, ideação recorrente e plano envolvendo medicação de uso doméstico. Triagem classifica como alto risco; acionamento de serviço de crise e hospitalização breve, seguido de planejamento de alta com suporte comunitário.
- Caso B: idoso com demência leve e desejo de não continuar. Avaliação aponta risco moderado; intervenção com cuidador, ajustes ambientais e encaminhamento para geriatria e psicologia, sem internação imediata.
Desafios e estratégias de melhoria
- Estigma e relutância em relatar ideação: use linguagem aberta, sem julgamento.
- Tempo limitado nas consultas: adote ferramentas rápidas de triagem e fluxos de encaminhamento diretos.
- Escassez de recursos: promova telepsicologia, parcerias comunitárias e protocolos locais.
- Documentação inconsistente: padronize formulários e revise registros periodicamente.
Trabalho em equipe
O manejo do risco suicida é multidisciplinar: médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, farmacêuticos, cuidadores e família. Comunicação clara e coordenação entre serviços são essenciais para garantir continuidade do cuidado.
Recursos práticos
- C-SSRS — instrumento padronizado para avaliação de ideação e comportamento suicida.
- PHQ-9 — triagem para depressão com item específico sobre pensamentos suicidas.
- Planos de segurança — diretrizes clínicas locais e protocolos institucionais.
Checklist para a prática clínica
- Realizar triagem de ideação em consultas relevantes.
- Avaliar risco detalhadamente (ideação, plano, meios, intenção).
- Elaborar e documentar plano de segurança com o paciente e a família quando apropriado.
- Determinar necessidade e destino do encaminhamento imediato.
- Assegurar acompanhamento ativo e revisão periódica do plano.
Resumo prático
Um algoritmo claro, aliado a ferramentas de triagem como C-SSRS e PHQ-9 e a um plano de segurança bem estruturado, reduz tempo de resposta e pode salvar vidas. Priorize identificação precoce, intervenção rápida e coordenação entre atenção primária, serviços de saúde mental e apoio comunitário. Implementar esse protocolo exige treinamento, padronização de processos e compromisso com a segurança do paciente.
Notas finais
Este material destina-se a profissionais de saúde, com linguagem acessível para pacientes quando solicitado. Em situação de risco iminente, acione imediatamente os serviços de emergência locais e procure avaliação especializada em saúde mental.