Saúde ocular na atenção primária: triagem precoce
Introdução
Você sabia que muitas perdas visuais evitáveis começam silenciosamente e só são detectadas tardiamente? Na atenção primária é possível identificar sinais precoces de retinopatia diabética e glaucoma, orientar o controle de comorbidades e realizar encaminhamento oportuno para reduzir risco de cegueira. Este texto traz orientações práticas, critérios de triagem e caminhos de encaminhamento para equipes de saúde.
1. Por que a detecção precoce importa
Ambas as condições — retinopatia diabética e glaucoma — podem ser assintomáticas nas fases iniciais. Identificá‑las precocemente permite intervenções que retardam a progressão e preservam a visão. A atenção primária atua como porta de entrada para rastreamento regular, educação e coordenação do cuidado.
Dados e referência prática
Diretrizes e programas de saúde pública ressaltam a importância da detecção e intervenção precoce, incluindo recomendações para triagem infantil e seguimento de pessoas com comorbidades (veja orientação do Ministério da Saúde sobre detecção e intervenção precoce: Diretrizes de atenção à saúde ocular na infância (MS, 2013)).
2. Avaliação prática na atenção primária
O objetivo na atenção primária é estratificar risco, detectar sinais red flags e decidir por monitoramento ou encaminhamento. Abaixo, passos práticos que podem ser incorporados à consulta geral.
Avaliação inicial — o que perguntar e examinar
- Anamnese: história de diabetes, tempo de diagnóstico, controle glicêmico, hipertensão, uso de medicamentos (ex.: corticoide), histórico familiar de glaucoma, queixas visuais (mesmo discretas).
- Exame rápido: acuidade visual com tabela, inspeção externa, avaliação de pupilas (anisocoria, reatividade), confronto de campo visual quando possível.
- Risco sistêmico: identificar perfis de alto risco — diabetes de longa data, HbA1c elevada, hipertensão não controlada, idade avançada.
Critérios de triagem e frequência
- Pessoas com diabetes: exame oftalmológico anual; na ausência de retinopatia e bom controle, pode-se ajustar intervalo conforme orientações locais.
- Pessoas com histórico familiar de glaucoma ou adultos >60 anos: avaliar risco e encaminhar para exame oftalmológico para aferir pressão intraocular e exame de cabeça do nervo óptico.
- Caso haja perda de acuidade recente, dor ocular intensa, visão embaçada súbita ou perda de campo visual, encaminhar com prioridade.
3. Critérios de encaminhamento oftalmológico
Defina localmente prioridades para encaminhamento oftalmológico. Recomenda‑se:
- Retinopatia proliferativa ou edema macular suspeito — encaminhar com prioridade para avaliação e tratamento (fotocoagulação, anti‑VEGF conforme indicação).
- Sinais sugestivos de glaucoma: pressão intraocular elevada detectada, escavação papilar assimétrica, perda de campo visual documentada — encaminhamento urgente para diagnóstico e início de tratamento.
- Queixas visuais agudas (ex.: descolamento de retina, hemorragia vítrea) — encaminhar imediatamente para serviço de urgência oftalmológica.
Red flags que exigem ação imediata
- Queda súbita da visão
- Perda de visão periférica (sugestiva de glaucoma avançado)
- Fotopsias ou sombras no campo visual (descolamento de retina)
4. Integração com o cuidado de doenças sistêmicas
O controle glicêmico e pressórico é fundamental para prevenção de lesões oculares. A prática de metas realistas e adesão terapêutica reduz risco de progressão da retinopatia diabética. Consulte materiais sobre metas glicêmicas e manejo de diabetes em atenção primária para integrar rotinas de referência e monitoramento (metas glicêmicas e adesão no consultório e rastreamento e manejo do diabetes tipo 2 na APS).
5. Tecnologias e inovações: o papel da inteligência artificial
Avanços em imagens de fundo de olho e modelos de deep learning mostram potencial para triagem preliminar em serviços primários, ampliando cobertura onde não há oftalmologista disponível. Estudos mostram rastreamento automatizado para glaucoma e análise da cabeça do nervo óptico em imagens de fundoscopia (deep learning detecta glaucoma além do disco óptico; veja também redes para triagem em imagens de fundo: Disc-aware Ensemble Network (2018)).
Embora promissores, esses sistemas devem complementar, e não substituir, o julgamento clínico. Avalie implantação segundo fluxos locais, validação e regulação.
6. Educação do paciente e adesão
Orientações simples podem aumentar a procura por exames e o controle de risco:
- Explique o risco de perda visual silenciosa em diabetes e a necessidade de exames regulares.
- Reforce a importância do controle da pressão arterial e glicemia para proteger a visão.
- Disponibilize materiais educativos e agende lembretes para exames oftalmológicos.
Na prática, materiais e encaminhamentos bem coordenados facilitam adesão — veja também nosso protocolo de avaliação oftalmológica e caminhos de encaminhamento para APS: avaliação oftalmológica e encaminhamento. Para uma visão integrada de cuidados oculares na atenção primária, consulte ainda o conteúdo específico sobre cuidados e detecção precoce: cuidados de saúde ocular: detecção precoce.
Encerramento prático
Na atenção primária, pequenas rotinas — triagem de risco, acuidade visual simples, identificação de sinais de alarme e encaminhamento tempestivo — fazem grande diferença na prevenção da cegueira por retinopatia diabética e glaucoma. Integre avaliação ocular ao manejo de diabetes e hipertensão, eduque pacientes e avalie possibilidades locais de triagem com tecnologia assistida por IA. Ações coordenadas entre APS e oftalmologia aumentam detecções precoces e melhoram desfechos visuais.
Referências externas: Diretrizes de atenção ocular (Ministério da Saúde) e alertas recentes das secretarias de saúde locais reforçam necessidade de diagnóstico precoce (MS, 2013; Secretaria de Saúde do DF, 2025). Estudos recentes sobre IA aplicada a imagens de fundo também sustentam caminhos de triagem assistida (arXiv 2021).