Avaliação inicial da tontura no consultório
Introdução
Você já se deparou com um paciente que descreve “tontura” de forma vaga? A tontura é uma das queixas mais frequentes em consultório e pode refletir quadros benignos ou sinais de doença grave. Uma avaliação clínica estruturada e focada permite classificar rapidamente o tipo de sintoma — vertigem, desequilíbrio, pré-síncope ou tontura inespecífica — e definir condutas seguras e eficazes.
1. Classificação clínica e anamnese dirigida
A primeira tarefa é separar qual sensação o paciente descreve. Perguntas-chave orientam o raciocínio diagnóstico:
- Vertigem: sensação de rotação ou movimento; episódios episódicos ou contínuos.
- Desequilíbrio: queda de estabilidade, marcha insegura, piora em superfícies irregulares.
- Pré-síncope: sensação de desmaio iminente, visão turva, sudorese, associada a posição ortostática ou arritmia.
- Tontura inespecífica: sensação vaga, flutuação, frequentemente ligada a transtornos metabólicos ou psiquiátricos.
Anamnese focada (duração, padrão temporal, fatores desencadeantes, sintomas auditivos ou neurais associados, medicações, história cardiológica) é essencial. Por exemplo, episódios breves desencadeados por mudança de posição sugerem VPPB, enquanto vertigem contínua com perda auditiva progressiva pode indicar doença de Ménière.
Consultas guiadas por evidências e diretrizes ajudam a priorizar exames e encaminhamentos — ver recomendações práticas descritas em artigos de revisão e guias de atenção primária, como a síntese disponível na SBMFC/American Family Physician e na proposta de manejo para atenção primária publicada na BVS.
2. Exame físico direcionado: o que não pode faltar
Depois da anamnese, o exame físico deve buscar sinais que distinguem causas periféricas de centrais e identificar risco imediato de AVC ou etiologia cardiogênica.
Inspeção geral e sinais vitais
- Medir PA supina e após 1 e 3 minutos em ortostatismo (avaliar pré-síncope e hipotensão ortostática).
- Verificar ritmo cardíaco, sinais de insuficiência cardíaca ou sopros novos.
Exame neurológico focal
- Avaliar pares cranianos, força, coordenação, marcha e sensibilidade; déficits neurológicos focais sugerem causa central — encaminhar a emergência.
Manobras vestibulares essenciais
- Teste de Dix-Hallpike para suspeita de VPPB (nistagmo posicional característico orienta o diagnóstico e a indicação de manobra de reposicionamento).
- Head impulse test (HIT) — distingue lesão vestibular periférica (impulso positivo) de origem central (impulso normal).
- Avaliação do nistagmo espontâneo e por gaze: direção fixa vs. variável, supressível por fixação visual (indica periferia) ou não (sugere central).
3. Diagnóstico diferencial e exames complementares
Os diagnósticos diferenciais incluem, entre outros: VPPB, doença de Ménière, neurite vestibular, migrânea vestibular, hipotensão ortostática, arritmias, AVC isquêmico ou hemorragia e causas metabólicas (hipoglicemia, hiponatremia).
Exames laboratoriais e de imagem indicados conforme suspeita
- Exames simples: glicemia capilar, eletrólitos, TSH, hemograma — para excluir causas metabólicas e carenciais.
- Audiometria e impedanciometria: quando há sintomas auditivos (zumbido, perda auditiva) ou suspeita de doença de Ménière.
- Ressonância magnética de encéfalo com protocolo para fossa posterior: indicada se sinais neurológicos focais, suspeita de etiologia central ou vertigem aguda sem comportamento típico periférico.
- ECG e monitorização quando houver suspeita cardiogênica de pré-síncope ou síncope.
Diretrizes e revisões práticas detalham indicações e limites dos exames — recomenda-se leitura complementar, por exemplo, em materiais de atualização profissional como os disponibilizados pelo ISBO.
4. Conduta prática e propostas de manejo
O tratamento deve ser guiado pelo diagnóstico presumido e pelos objetivos: controlar sintomas agudos, reduzir risco de quedas e tratar a causa subjacente.
Medidas imediatas
- Nos episódios agudos intensos sem sinais centrais: suporte, hidratação, antieméticos se necessário e avaliação para manobras (ex.: manobra de Epley para VPPB).
- Evitar o uso prolongado de supressores vestibulares (benzodiazepínicos, anti-histamínicos) em déficits vestibulares agudos que beneficiarão de reabilitação vestibular.
Tratamentos específicos
- VPPB: manobras de reposicionamento (Epley/semelhantes) e orientações para segurança doméstica.
- Neurite vestibular: reabilitação vestibular e uso de medicação sintomática por curto período; considerar prednisona em fase aguda em pacientes selecionados.
- Doença de Ménière: manejo de episódios (antieméticos), estratégias dietéticas (restrição de sal), terapias locais ou cirúrgicas em casos refratários; audiologia para monitorização.
- Pré-síncope/hipotensão ortostática: revisar medicamentos, orientar medidas físicas (elevar cabeceira, compressão de membros), tratar causa subjacente; usar investigação cardiológica quando indicado.
Encaminhamento e reabilitação
Quando a reabilitação vestibular é indicada, a integração com fisioterapeutas especializados e fonoaudiólogos otimiza recuperação funcional. A colaboração multidisciplinar com otorrinolaringologia e neurologia é crucial para casos complexos ou refratários.
5. Sinais de alarme e encaminhamento urgente
- Déficits neurológicos focais novos (hemiparesia, perda sensorial, diplopia, afasia) — encaminhar imediatamente para emergência (avaliar AVC).
- Vertigem contínua com gait ataxia severa e nistagmo vertical puro — forte suspeita de etiologia central.
- Sinais cardiopulmonares ou síncope franca — monitorização e avaliação cardiológica urgente.
Integração com a atenção primária e prevenção de quedas
Na prática ambulatorial, além do manejo imediato da tontura, avaliar risco de quedas e polifarmácia é parte da rotina — medidas que reduzem morbidade a médio prazo. Consulte recursos de prevenção de quedas e polifarmácia para idosos no conteúdo do blog para orientar intervenções multifatoriais (prevenção de quedas) e práticas específicas de manejo de tontura na atenção primária (manejo da tontura). Para quadros com síncope concomitante, veja a avaliação inicial de síncope e tontura disponível em nosso repositório (avaliação inicial de tontura e síncope).
Fechamento
Na avaliação da tontura no consultório, a triagem por tipo sintomático (vertigem, desequilíbrio, pré-síncope, tontura inespecífica), uma anamnese dirigida e manobras simples como Dix-Hallpike e HIT permitem decidir entre manejo ambulatorial e necessidade de investigação urgente. Use exames complementares de forma dirigida (audiometria, RM, ECG) e privilegie reabilitação vestibular e manobras de reposicionamento quando indicado. Em casos duvidosos ou com sinais de alarme, a abordagem imediata e o encaminhamento multidisciplinar salvam desfechos. Para leituras complementares e protocolos práticos, consulte as referências clínicas e revisões citadas acima e os materiais especializados de sociedades e guias citados no texto.
Referências selecionadas: revisão prática em American Family Physician / SBMFC, proposta de manejo na atenção primária (BVS) e material prático do ISBO; para aprofundamento clínico e protocolos de pronto-socorro, consultar também publicações recentes editadas pela Artmed sobre síndrome vestibular aguda.
Links externos citados: SBMFC / American Family Physician, BVS – manejo na Atenção Primária, ISBO – avaliação clínica.