O que é trombose venosa cerebral: sinais, diagnóstico por imagem e manejo
Este texto explica, de forma objetiva e técnica, a trombose venosa cerebral (TVC) para profissionais de saúde e leitores leigos que buscam orientação clínica. A TVC é uma causa potencialmente reversível de dor de cabeça, convulsões e déficits neurológicos; o diagnóstico por imagem precoce e o manejo adequado, incluindo anticoagulação, reduzem morbidade e mortalidade.
Trombose venosa cerebral: definição e fisiopatologia
A trombose venosa cerebral resulta da formação de trombos nas veias cerebrais e/ou nos seios venosos durais, com consequente aumento da pressão venosa, edema cerebral, infarto venoso e, eventualmente, hemorragia parenquimatosa. Fatores predisponentes incluem trombofilia hereditária ou adquirida, uso de estrogênio (anticoncepcionais), gravidez e puerpério, câncer ativo, infecções sistêmicas, desidratação e doenças inflamatórias.
- Áreas frequentemente afetadas: seio sagital superior, seio transverso, seio sigmoide e veias corticais; o local da oclusão explica a variedade de déficits neurológicos.
- Achados laboratoriais: nem sempre específicos; hemograma, função renal, eletrólitos e testes de coagulação orientam a investigação. Em casos suspeitos, considere exames para trombofilia conforme quadro clínico.
Sinais e apresentação clínica da trombose venosa cerebral
A apresentação é variável — de dor de cabeça isolada a quadro neuroagudo com convulsões e coma. Devem aumentar a suspeita clínica:
- Dor de cabeça súbita ou progressiva, muitas vezes intensa e resistente a analgésicos.
- Convulsões em paciente sem história prévia ou convulsões de novo durante o curso da doença.
- Déficits neurológicos focais (fraqueza unilateral, afasia, alterações visuais) compatíveis com o território venoso acometido.
- Sinais de hipertensão intracraniana como papiledema, náuseas, vômitos e alteração do nível de consciência.
Em resumo, a tríade que deve chamar atenção é: dor de cabeça incomum ou intensa + déficits neurológicos novos + convulsões, sobretudo se associada a fatores de risco trombótico.
Diagnóstico por imagem: MRV, CTV e DSA
O diagnóstico definitivo depende de imagem. As modalidades mais utilizadas são:
- MRV (ressonância magnética com venografia): preferência quando disponível — mostra ausência de fluxo nos seios e veias, além de identificar edema e infartos venosos.
- CTV (tomografia computadorizada com venografia): alternativa rápida e amplamente disponível; útil quando MRV não é possível ou é contraindicada.
- DSA (angiografia por subtração digital): reservada para casos complexos ou quando se planeja intervenção endovascular.
Achados típicos incluem defeito de enchimento venoso, sinais de infarto venoso com ou sem hemorragia e edema local. Um D-dímero elevado pode suportar a suspeita, mas sua ausência não exclui TVC; portanto, a decisão deve se basear na avaliação clínica e na imagem disponível.
Complementarmente, realize hemograma, coagulação, função renal e eletrólitos. Em pacientes com suspeita de causas sistêmicas (por exemplo, coagulopatia), avalie condutas específicas — há interseções com quadros como coagulação intravascular disseminada: diagnóstico e manejo — e solicite investigação para trombofilia quando indicada.
Manejo e anticoagulação na trombose venosa cerebral
O tratamento inicial tem três frentes: proteger a via aérea e hemodinâmica, controlar hipertensão intracraniana e anticoagular para limitar extensão do trombo.
- Anticoagulação inicial: heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina não fracionada (HNF) em dose terapêutica, mesmo na presença de hemorragia venosa pequena, salvo contraindicação absoluta. A escolha entre HBPM e HNF depende de função renal, necessidade de reversão rápida ou procedimentos invasivos.
- Transição para anticoagulante oral: a duração usual varia de 3 a 12 meses em eventos provocados; em trombofilia persistente ou recorrência pode ser necessária anticoagulação a longo prazo. Anticoagulantes orais diretos (DOACs) podem ser considerados conforme avaliação hematológica e diretrizes locais.
- Intervenção endovascular: trombectomia ou trombólise local reservadas para pacientes com deterioração neurológica progressiva ou hipertensão intracraniana refratária ao tratamento clínico.
- Controle da pressão intracraniana: elevação da cabeceira, terapia osmótica (solução hipertônica ou manitol), controle de ventilação e sedação conforme necessidade — evite punção lombar em hipertensão intracraniana não controlada.
Monitorização e terapias complementares
- Tratamento de convulsões com antiepilépticos quando indicado; avaliar necessidade de profilaxia a longo prazo.
- Correção de distúrbios metabólicos (eletrólitos, glicemia, função renal) e suporte intensivo em casos graves.
- Reavaliação por neuroimagem para monitorar recanalização, evolução do edema e guiar decisões terapêuticas.
Considerações especiais: gravidez, pediatria e infecção
Na gravidez e puerpério, a TVC requer manejo que proteja mãe e feto; HBPM é a opção preferencial durante gestação. Em crianças, as causas e o prognóstico podem diferir, exigindo equipe pediátrica especializada. Infecções sistêmicas ou cervicais aumentam o risco e demandam controle da fonte infecciosa além do tratamento anticoagulante.
Orientações práticas sobre trombose venosa cerebral
Passos essenciais para a prática clínica:
- Mantenha alta suspeita em dor de cabeça atípica, convulsões novas ou déficits neurológicos recentes; solicite MRV ou CTV de urgência conforme disponibilidade.
- Inicie anticoagulação terapêutica precoce quando indicada, após avaliação de riscos e contra-indicações.
- Investigue fatores de risco — solicite hemograma, testes de coagulação, função renal e, quando pertinente, investigação para trombofilia; utilize recursos locais e protocolos para apoio, por exemplo protocolos clínicos e diretrizes práticas.
- Ao analisar resultados laboratoriais e considerar causas secundárias (como anemia ou alterações hematológicas), integre a avaliação clínica com exames como descrito em avaliação clínica de anemia em adultos.
A abordagem multidisciplinar (neurologia, radiologia intervencionista, hematologia e neurocirurgia) acelera decisões críticas e melhora desfechos. Em situações de dúvida sobre manejo anticoagulante ou intervenção, consulte a equipe de hematologia e neurovascular.
Para ampliar o entendimento sobre interações entre desordens de coagulação e cuidados agudos, especialmente em quadros complexos, consulte também coagulação intravascular disseminada: diagnóstico e manejo, que complementa a avaliação de coagulopatias associadas.
Resumo final: suspeite cedo, confirme com MRV/CTV, inicie anticoagulação quando indicado, investigue causa subjacente e articule acompanhamento multidisciplinar para prevenção secundária e reabilitação.