Abordagem prática das doenças inflamatórias intestinais
Introdução
As doenças inflamatórias intestinais (DIIs) — incluindo Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa — estão em ascensão e exigem detecção precoce na atenção primária. Você reconhece sinais que justificam investigação imediata em ambulatório? Dados recentes estimam milhões de afetados globalmente; na prática clínica geral, o papel do médico de família é fundamental para reduzir atrasos diagnósticos e direcionar o encaminhamento correto.
1. Reconhecimento clínico e sinais de alerta
Na consulta, procure sintomas e sinais que aumentam a probabilidade de DII e indicam investigação rápida:
- Sintomas comuns: diarreia persistente (>4 semanas), dor abdominal crônica, emagrecimento inexplicado, fadiga marcada.
- Sangramento intestinal: rectorragia ou fezes sanguinolentas, mais sugestivo de Retocolite Ulcerativa.
- Sinais de alarme que demandam avaliação urgente: febre persistente, taquicardia, hipotensão, anorexia severa, perda de peso rápida, anemia significativa, obstrução intestinal, dor abdominal intensa localizada.
- Manifestações extraintestinais: artrite, uveíte, lesões cutâneas, colangite esclerosante associada.
2. Avaliação inicial na clínica geral
A avaliação deve ser pragmática, com foco em confirmar inflamação intestinal e excluir causas infecciosas ou funcionais. Passos essenciais:
- Anamnese dirigida: duração, padrão das evacuações, presença de sangue, fatores agravantes, medicamentos (AINEs, antibióticos), história familiar.
- Exame físico: sinais de desidratação, sensibilidade abdominal, massas palpáveis, sinais sistêmicos.
- Exames laboratoriais iniciais:
- Hemograma (avaliar anemia, leucocitose)
- Proteína C-reativa (PCR) e VSG
- Função renal e eletrólitos
- Marcadores nutricionais: ferro, ferritina, vitamina B12, ácido fólico, vitamina D
- Pesquisa de infecção fecal (coprocultura, parasitológico, Clostridioides difficile quando indicado)
- Calprotectina fecal como teste não invasivo de atividade inflamatória intestinal (útil para estratificar necessidade de endoscopia)
- Exames de imagem e endoscopia: quando indicado, solicitar colonoscopia com biópsias para confirmar diagnóstico; para suspeita de Doença de Crohn, considerar TC ou RM enterografia para avaliar extensão e complicações.
Recursos e referências práticas
Consensos nacionais (GEDIIB) e guias locais oferecem protocolos práticos para investigação e seguimento; recomenda-se consultar documentos atualizados ao planejar o encaminhamento e o manejo inicial. Veja material de apoio específico para atenção primária em Doenças inflamatórias intestinais — atenção primária e revisão clínica em Diagnóstico e manejo ambulatorial.
3. Critérios práticos para encaminhamento ao gastroenterologista
Encaminhe com prioridade quando houver suspeita fundamentada de DII ou sinais de gravidade:
- Sintomas alarmantes (sangramento persistente, perda de peso >10% em semanas, anemia moderada a grave)
- Calprotectina fecal elevada associada a sintomas inflamatórios
- Sinais de complicação (obstrução, abscesso, perfuração, fístula, hemorragia)
- Falha terapêutica inicial ou necessidade de terapia imunossupressora/biológica
- Suspeita de doença extensa ou início em paciente jovem com impacto funcional
Para otimizar o encaminhamento, envie resumo clínico, exames laboratoriais e resultados de calprotectina/imagens quando disponíveis. Materiais de referência para monitorização e terapias personalizadas podem ajudar na discussão com o especialista: Terapias personalizadas e monitoramento.
4. Manejo inicial e opções terapêuticas — papel da clínica geral
O objetivo do manejo é controlar a inflamação, induzir remissão e prevenir complicações. A terapia específica é liderada pelo gastroenterologista, mas a clínica geral tem papel em:
- Medidas iniciais: correção de desidratação e défices nutricionais, suspensão de AINEs quando possível, vacinação em dia antes de imunossupressão planejada.
- Fármacos frequentemente utilizados (visão geral):
- 5-aminossalicilatos (mais usados na Retocolite Ulcerativa leve-moderada)
- Corticosteroides para indução de remissão em doença moderada a grave (uso de curto prazo)
- Imunomoduladores (azatioprina, 6-MP, metotrexato) para manutenção em casos selecionados
- Agentes biológicos (anti-TNF, vedolizumabe, ustekinumabe) e pequenos inibidores de via como opção para doença moderada a grave ou refratária
- Monitorização terapêutica: acompanhar função hepática, hemograma e níveis de drogas quando indicado; coordene com o especialista para terapeutic drug monitoring em terapias biológicas.
5. Abordagem nutricional e suporte
A nutrição é componente-chave na DII: avalie estado nutricional, trate deficiências (ferro, B12, vitamina D) e considere encaminhamento para nutricionista para:
- Plano alimentar individualizado durante surtos e remissão
- Intervenções específicas (enteral nutricional exclusiva em crianças/adolescentes com Doença de Crohn, suplementação quando necessário)
- Orientação sobre intolerâncias alimentares e suporte para perda ponderal não intencional
6. Monitorização contínua e seguimento
Uma estratégia de monitorização integrada diminui o risco de recidiva e complicações:
- Consultas periódicas (intervalo individualizado conforme atividade e terapia)
- Exames laboratoriais regulares (hemograma, PCR), e uso seriado de calprotectina fecal para detectar inflamação subclínica
- Endoscopia de vigilância para displasia/câncer colorretal conforme risco e tempo de doença (planejamento em conjunto com o especialista)
- Reavaliação de vacinas e profilaxias antes de imunossupressão
Recursos adicionais sobre monitorização e biomarcadores podem ser consultados em: Calprotectina fecal na atenção primária.
7. Trabalho em equipe e apoio multidisciplinar
Refira quando necessário e integre equipe multiprofissional:
- Nutricionista para suporte nutricional
- Psicólogo para impacto psíquico e adesão
- Cirurgião quando houver complicações ou falha terapêutica
- Assistência social para acesso a terapias de alto custo e suporte integrado
Recursos e leituras recomendadas
Para protocolos e consensos brasileiros, consulte as diretrizes da GEDIIB que orientam diagnóstico e manejo em adultos e pediatria. Informações práticas para profissionais e para a educação dos pacientes também estão disponíveis em guias e revisões locais. Exemplos úteis encontrados na literatura e em portais médicos incluem orientações práticas publicadas pelo GEDIIB, material informativo e de orientação ao público e profissionais no site da Associação Nacional de Medicina e revisões que destacam a importância do manejo integrado publicados em portais clínicos como o Intramed.
Fechamento e orientações práticas
Na clínica geral, priorize: 1) identificação precoce de sintomas inflamatórios; 2) investigação inicial com exames básicos e calprotectina fecal; 3) encaminhamento oportuno ao gastroenterologista diante de sinais de gravidade ou confirmação provável; e 4) integração multiprofissional para monitorização e suporte nutricional. Pequenas ações no nível primário — triagem adequada, exames objetivos e comunicação clara no encaminhamento — aceleram diagnóstico e melhoram prognóstico. Para aprofundar protocolos e práticas de monitorização, consulte as páginas internas recomendadas e mantenha-se atualizado com os consensos nacionais.