Abordagem prática dos distúrbios do sono na atenção primária
Introdução
Como identificar rapidamente um paciente com insônia, apneia do sono ou sonolência diurna excessiva na consulta de atenção primária? Este guia prático reúne passos rápidos de triagem, ferramentas diagnósticas e intervenções que você pode aplicar já na unidade básica, com direcionamento claro para quando indicar exames como a polissonografia ou referenciar para especialista.
1. Triagem e anamnese dirigida
Perguntas-chave e sinais de alerta
Na primeira abordagem, foque em duração, padrão e impacto: início e manutenção do sono, despertares noturnos, sonolência diurna, ronco alto, pausas respiratórias percebidas por acompanhante, pesadelos, sonambulismo ou bruxismo. Investigue fatores precipitantes (estresse, mudança de turnos, medicamentos) e comorbidades comuns (depressão, ansiedade, DPOC, obesidade, dor crônica).
Red flags que justificam avaliação urgente ou encaminhamento: sinais de apneia severa (sonolência incapacitante, IDC de risco, eventos cardiorrespiratórios noturnos), alucinações hipnagógicas persistentes, cataplexia, suspeita de narcolepsia ou sono fragmentado por condições médicas graves.
Use anamnese estruturada e registre horas de sono, latência, eficiência e cochilos diurnos. Para suporte prático, consulte orientações sobre anamnese clínica em: anamnese e exame físico — guia prático.
Ferramentas de triagem rápidas
- Escalas: Insomnia Severity Index (ISÍ) para insônia; STOP-Bang para apneia.
- Questionários de sonolência (Epworth) quando houver queixa de sonolência diurna.
- Diário de sono por 1–2 semanas para identificar padrões e fatores precipitantes.
2. Avaliação diagnóstica: quem precisa de exames?
Quando solicitar polissonografia (PSG) ou estudo domiciliar
Indique estudo quando houver suspeita de apneia moderada/grave (ronco intenso, pausas respiratórias relatadas, sonolência diurna marcada, hipertensão resistente, fibrilação atrial ou acidente relacionado à sonolência). Para casos selecionados e triagem, o estudo domiciliar portátil pode ser uma alternativa; veja orientações práticas em polissonografia domiciliar — guia prático.
Casos de hipersonia idiopática ou suspeita de narcolepsia exigem avaliação especializada (MSLT) e encaminhamento.
Investigue causas secundárias
Considere hipóteses como:
- Medicamentos (antidepressivos, antipsicóticos, beta-bloqueadores, álcool)
- Dor crônica, refluxo, sintomas respiratórios noturnos
- Transtornos psiquiátricos (depressão, ansiedade)
- Problemas endócrinos (hipotireoidismo), neurológicos (distúrbios do movimento)
3. Manejo inicial na atenção primária
Intervenções comportamentais e higiene do sono
As medidas de higiene do sono e intervenções comportamentais são primeiras-line para a maioria dos quadros. Recomende rotina fixa de sono, otimização do ambiente (temperatura, luz, ruído), evitar cafeína e nicotina à noite, limitar eletrônicos antes de dormir e programar atividade física regular, preferencialmente pela manhã.
Quando possível, implemente ou encaminhe para terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), que tem maior efetividade a longo prazo do que medicação. Recursos práticos e dicas simples sobre sono saudável estão disponíveis em sono saudável — prática clínica.
Tratamento farmacológico: princípios práticos
Se a medicação for necessária, use por curto período com plano claro de desmame e reavaliação. Prefira agentes com perfil favorável e menor risco de dependência; evite benzodiazepinas em pacientes idosos e considere estratégias de desprescrição de benzodiazepinas quando apropriado. Sempre documente indicação, riscos e plano de acompanhamento.
Apneia obstrutiva do sono (AOS): primeira linha
Para AOS confirmada em estudo diagnóstico, o CPAP é o tratamento padrão em casos moderados a graves e melhora sonolência e riscos cardiovasculares. Na APS, foque em identificação, educação do paciente e encaminhamento para ajuste e seguimento do tratamento. Consulte diretrizes locais e nacionais — por exemplo, recomendações brasileiras para tratamento de apneia.
4. Integração com comorbidades e encaminhamentos
Avalie e trate comorbidades: controle da dor, manejo de ansiedade/depressão, otimização de doenças respiratórias e cardiovasculares. Encaminhe para sono ou pneumologia nas seguintes situações: apneia grave, falha terapêutica inicial, necessidade de titulação de CPAP, suspeita de narcolepsia ou parasonias complexas.
Para gestão consolidada do paciente com queixa de sono na APS, considere protocolos de seguimento com objetivos e métricas (ISÍ, Epworth) e integre registro em prontuário para monitorização.
5. Fluxo prático: do consultório à resolução
- Triagem rápida → diário de sono e questionários.
- Se suspeita de AOS moderada/alta → solicitar estudo (domiciliar ou PSG) e encaminhar conforme resultado.
- Insônia crônica → priorizar TCC-I e higiene do sono; medicação curta se necessário com plano de desmame.
- Hipersonia ou sinais neurológicos → encaminhar para avaliação especializada.
Recursos, evidências e links úteis
Use critérios diagnósticos e definições conforme o DSM-5 para transtornos do sono e consulte diretrizes nacionais sobre apneia para decisões terapêuticas mais detalhadas (ex.: guidelines publicados em fontes científicas nacionais como a SciELO). Para recomendações de sociedades internacionais e protocolos de CPAP, guias de organizações como a American Academy of Sleep Medicine são referências complementares.
No blog, pode aprofundar com materiais práticos já disponíveis: gestão de distúrbios do sono na APS, polissonografia domiciliar — guia, desprescrição de benzodiazepinas e sono saudável — dicas práticas.
Fechamento e insights práticos
Na atenção primária, foque em identificação precoce, intervenções não farmacológicas e triagem por risco. A combinação de anamnese dirigida, ferramentas simples (ISÍ, Epworth, STOP-Bang) e critérios claros para exame diagnóstico e encaminhamento permite resolver a maioria dos casos ou direcionar corretamente para especialistas. Planeje reavaliações curtas (2–6 semanas) para medir resposta e ajustar estratégias, documentando objetivos e prazos para retirada de medicação se iniciada.
Checklist rápido para a consulta:
- Registrar padrão de sono (horas, latência, despertares).
- Avaliar impacto diurno (Epworth) e risco de apneia (STOP-Bang).
- Implementar higiene do sono e planejar TCC-I quando indicado.
- Decidir sobre estudo (domiciliar vs PSG) e encaminhar conforme critérios.
- Se medicar, definir prazo e plano de desmame/documentar riscos.
Aplicando esse fluxo você melhora triagem, reduz encaminhamentos desnecessários e prioriza intervenções que trazem benefício a médio e longo prazo para seus pacientes com distúrbios do sono.