Gestão prática de distúrbios do sono na atenção primária

Gestão prática de distúrbios do sono na atenção primária

Introdução

Como identificar e manejar os principais distúrbios do sono na atenção primária sem perder tempo? Pacientes chegam com queixas comuns — dificuldade para iniciar ou manter o sono, sonolência diurna excessiva, ronco — que podem ocultar condições com impacto cardiometabólico e na saúde mental. Este guia prático oferece triagem rápida, opções de intervenção não farmacológica e critérios de encaminhamento para especialistas, com foco em aplicabilidade na rotina da APS.

1. Triagem e diagnóstico inicial na atenção primária

Que perguntar e que avaliar

Comece com perguntas direcionadas: há dificuldade para iniciar o sono (início), para mantê-lo, despertares precoces, sonolência diurna, ronco ruidoso, pausas respiratórias observadas, movimentos involuntários, pesadelos ou sintomas que sugerem narcolepsia (cataplexia, sono irresistível). Documente duração e impacto funcional: há insônia há mais de 3 meses? Há queda de rendimento, acidentes, sonolência ao volante?

Instrumentos rápidos úteis

  • Insomnia Severity Index (ISI) para quantificar gravidade da insônia.
  • Epworth Sleepiness Scale (ESS) para sonolência diurna.
  • STOP-Bang para triagem de apneia obstrutiva do sono (AOS) em pacientes com ronco e sonolência.

Exame físico e sinais de alarme

Avalie IMC, circunferência cervical, pressão arterial, vias aéreas superiores e sinais neurológicos. Sinais que justificam encaminhamento urgente: apneia observada com pausas respiratórias e sono muito fragmentado, sonolência incapacitante, despersonalização/sonhos complexos com risco de lesão, perda súbita de tônus muscular sugestiva de cataplexia.

2. Manejo inicial e intervenções não farmacológicas

Higiene do sono e medidas comportamentais

Reforce a higiene do sono como primeiro passo: rotina consistente de horários, ambiente escuro e silencioso, reduzir estimulantes à noite (cafeína, álcool), limitar telas antes de dormir, atividade física regular preferencialmente em horários diurnos. Oriente sobre evitar cochilos prolongados no dia e manter um diário do sono por 1–2 semanas.

Terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I)

A terapia cognitivo-comportamental para insônia é o tratamento de primeira linha para insônia crônica. Na APS, ofereça elementos básicos: controle de estímulos (associar cama a dormir), restrição de tempo na cama (com acompanhamento para evitar privação excessiva), técnicas de relaxamento e reestruturação cognitiva. Quando disponível, referencie serviços de TCC-I ou programas digitais, como ferramentas de terapia digital (DTx) para insônia e ansiedade integradas.

Intervenções específicas para apneia e outras condições

Para suspeita de apneia obstrutiva do sono, utilize a triagem com STOP-Bang; em pacientes de risco elevado, solicite avaliação para estudo do sono (polissonografia ou teste domiciliar) e considere encaminhamento para pneumologia/sono para indicação de CPAP. Abordagens iniciais na APS incluem manejo de fatores contribuintes (perda de peso, cessação de tabagismo, evitar álcool noturno) e correção de comorbidades que agravam a AOS.

3. Uso racional de medicamentos e quando prescrever

Princípios gerais

Medicamentos podem ser úteis como terapia adjunta e temporária, mas devem seguir critérios claros: duração limitada, avaliação de riscos (queda, dependência, interação medicamentosa) e revisão periódica. Antes de prescrever, confirme diagnóstico e esgotamento de intervenções não farmacológicas.

Opções e recomendações práticas

  • Ansiolíticos e benzodiazepínicos: evitar uso prolongado; preferir períodos curtos e reavaliar frequentemente, especialmente em idosos (risco de quedas e sedação).
  • Z-drugs (zolpidem, zaleplon): indicados com cautela para curto prazo; monitorar tolerabilidade.
  • Melatonina: opção razoável para insônia de início ou re-sincronização circadiana; bem tolerada em adultos e idosos.
  • Antidepressivos sedativos (ex.: trazodona) podem ser considerados quando há comorbidade depressiva ou dor crônica associada.
  • Para apneia obstrutiva do sono, fármacos não substituem CPAP; tratamento farmacológico não é a primeira linha.

Idosos e população vulnerável

Evitar benzodiazepínicos em idosos; priorizar TCC-I, higiene do sono e melatonina quando indicada. Avalie polifarmácia e interações (consulte lista de prescrição segura quando disponível).

4. Educação do paciente, seguimento e critérios de encaminhamento

Educação e autocuidado

Explique causas possíveis do distúrbio do sono em linguagem acessível e entregue recomendações práticas de higiene do sono. Incentive registro de sono e metas realizáveis (p.ex., reduzir tempo na cama acordado, estabelecer horário de despertar). Vincule mudança de estilo de vida a benefícios concretos: menor fadiga, melhora do humor e redução de risco cardiovascular.

Quando encaminhar

  • Suspeita de apneia moderada a grave (ronco intenso com pausas, ESS alto ou STOP-Bang positivo): encaminhar para avaliação de sono/CPAP.
  • Sonolência diurna incapacitant e/ou sinais de narcolepsia: encaminhar para investigação especializada.
  • Insônia refratária a TCC-I e intervenções de rotina por >3–6 meses ou quando há comorbidade psiquiátrica complexa: referir para sono ou psiquiatria.
  • Parassonias que colocam em risco o paciente ou parceiros (sonambulismo perigoso, comportamentos agressivos durante o sono): encaminhar para neurologia/sono.

Seguimento prático

Agende retorno em 4–8 semanas após início de intervenções não farmacológicas ou medicação. Use ISI, ESS e diário do sono para monitorar resposta. Reavalie necessidade de manter medicação e planeje retirada gradual quando possível.

Recursos, evidências e integração com práticas de APS

Para aprofundar protocolos e manejo na prática, consulte revisões e guias recentes. Dados relevantes e discussões práticas podem ser encontrados em artigos como o manejo em pediatria publicado na Revista Médica de Minas Gerais, em estudos observacionais sobre sono e exercício na Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, e anais com enfoques práticos sobre insônia no CONAD. Exemplos: o artigo sobre manejo pediátrico (RMMG), o estudo de atenção primária e exercício (RBAFS) e as a apresentações do CONAD (Anais do CONAD).

Na APS, integre a gestão do sono com avaliação de comorbidades relevantes (saúde mental, risco cardiovascular, obesidade). Consulte conteúdos do blog que complementam a abordagem: promoção da saúde mental na atenção primária, apneia obstrutiva do sono: triagem e manejo, sono e saúde cardiovascular e ferramentas digitais para insônia em intervenções digitais para ansiedade e insônia.

Fecho prático

Na atenção primária, priorize triagem dirigida com instrumentos simples (ISI, ESS, STOP-Bang), ofereça higiene do sono e elementos de terapia cognitivo-comportamental sempre que possível, e reserve medicamentos para uso curto e criterioso. Encaminhe quando houver suspeita de apneia moderada/grave, sinais neurológicos ou insônia refratária. Pequenas intervenções na APS — educação, registro do sono, atividade física orientada e controle de fatores de risco — produzem ganhos importantes em qualidade de vida e redução de complicações. Use os recursos locais e os links indicados como suporte para protocolos e encaminhamentos.

Referências selecionadas: artigos e guias práticos citados acima para aprofundamento: RMMG, RBAFS e Anais do CONAD.

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