Alergias cutâneas na atenção primária
Como reconhecer rapidamente uma dermatite atópica, diferenciar urticária de outras pápulas pruriginosas e manejar uma dermatite de contato na consulta de atenção primária? Este texto traz passos práticos, tratamentos iniciais usuais e critérios claros para encaminhar ao especialista.
Reconhecimento e diagnóstico diferencial
Anamnese e exame direcionados
Comece com uma anamnese focal: início e padrão temporal das lesões, distribuição anatômica, prurido, história pessoal/familiar de atopia, uso de medicamentos, ocupação e exposição a produtos. Um bom roteiro prático para anamnese e exame pode ser útil na rotina (anamnese e exame: guia prático).
Características clínicas principais
- Dermatite atópica: prurido intenso, lesões eczematosas crônicas/recorrentes; em crianças afecta face e extensores, em adultos áreas flexurais. Manejo inicial foca restauração da barreira com emolientes.
- Urticária: pápulas/placas pruriginosas, transitórias (<24 h cada lesão), frequentemente acompanhadas de angioedema. Investigue fatores desencadeantes recentes e sinais de anafilaxia.
- Dermatite de contato: distribuição compatível com exposição (localizada), pode apresentar vesículas e eritema; diferencie reação irritativa de reação alérgica retardada (patch test disponível em referência de dermatites de contato: guia clínico de dermatites de contato).
Diagnóstico diferencial que não pode faltar
- Sarna, infecções fúngicas, infecções bacterianas secundárias, reações medicamentosas e doenças bulosas.
- Quando houver dúvida diagnóstica ou padrão atípico, considere exames complementares: testes cutâneos (prick) quando houver suspeita de sensibilização imediata; patch test na suspeita de alergia de contato.
Manejo inicial na atenção primária: terapias usuais
Medidas gerais e prevenção
Orientar sobre cuidados gerais é essencial: uso diário de emolientes, banhos curtos com água morna, evitar sabonetes agressivos e produtos perfumados. Educação do paciente/família melhora adesão (estratégias de educação terapêutica).
Terapia tópica
- Corticosteroides tópicos: são a base para controlar inflamação na dermatite atópica e na maioria das dermatites de contato. Escolha a potência conforme local e idade; use por períodos curtos e reavalie para evitar atrofia cutânea. Explique esquema de aplicação (técnica de “uso por broto” e posterior manutenção com emolientes).
- Inibidores de calcineurina tópicos (p. ex. tacrolimus) podem ser úteis em áreas sensíveis (face, dobras) ou como alternativa a corticosteroides tópicos quando apropriado.
Terapia para urticária
- Anti-histamínicos orais de segunda geração são a primeira linha para alívio do prurido e das lesões; podem ser escalados em dose conforme tolerância para urticária crônica. Evite anti-histamínicos sedativos diários, especialmente em idosos e crianças.
- Em urticária crônica refratária, considerar referência para avaliação de terapias avançadas — o uso de omalizumabe (anti-IgE) é recomendado por especialistas em casos refratários; informações práticas estão disponíveis em sociedades de urticária (orientações profissionais sobre urticária).
Quando tratar infecção secundária
Lesões eczematosas com crostas, pus ou febre sugerem impetiginização. Tratamento local com mupirocina pode ser suficiente em foco localizado; sinais sistêmicos ou extensão exigem antibioticoterapia oral guiada por severidade e protocolos locais.
Notas sobre imunoterapia
A imunoterapia específica com alérgenos tem indicação bem estabelecida para rinite e asma alérgica; seu papel direto em manifestações cutâneas é mais restrito. Questões sobre indicação e logística devem ser encaminhadas conforme diretrizes nacionais (diretrizes de imunoterapia).
Critérios de encaminhamento e abordagem em populações especiais
Quando encaminhar ao dermatologista ou alergologista
- Suspeita de doença cutânea grave ou não caracterizada (p. ex. pênfigo, dermatite herpetiforme, doenças bolhosas).
- Falha ao tratamento inicial: dermatite extensa que não responde a emolientes e corticoterapia tópica adequada; urticária crônica (>6 semanas) que não cede com anti-histamínicos em dose otimizada.
- Necessidade de terapias sistêmicas imunossupressoras ou biológicas (corticosteroides orais prolongados, ciclosporina, dupilumabe, omalizumabe etc.).
- Suspeita de alergia de contato complexa que requer patch test e investigação ocupacional.
- Complicações infecciosas com sinais sistêmicos ou risco de comprometimento funcional.
Gestantes, lactantes, crianças e idosos
- Gestação: priorizar emolientes e corticosteroides tópicos de baixa a média potência; evitar terapias sistêmicas sem avaliação especializada.
- Crianças: ajustar doses, evitar medicamentos sedativos e explicar claramente à família o uso adequado de cremes e pomadas.
- Idosos: atenção ao afinamento cutâneo e risco de atrofia por corticosteroides tópicos; prefira concentrações e protocolos seguros e reavalie frequentemente.
Manejo de complicações e prevenção
Previna infecções incentivando higiene das mãos, controle do prurido e hidratação adequada da pele. Em casos de prurido intenso com lesões excoriadas, considere medidas adjuvantes para sono e controle de coceira. Intervenções ocupacionais e educacionais reduzem recidivas em dermatites de contato.
Recursos clínicos e encaminhamentos úteis
Para protocolos de abordagem rápida e manejo básico de doenças dermatológicas na APS, consulte materiais práticos e algoritmos (doenças dermatológicas: diagnóstico rápido e manejo básico). Em casos de reação sistêmica aguda com suspeita de anafilaxia, siga protocolo emergencial e encaminhe para urgência (protocolo prático de anafilaxia).
Para leitura adicional e referências clínicas práticas veja análises sobre dermatite atópica em publicações clínicas (Intramed: dermatite atópica) e orientações sobre urticária e terapias avançadas (Sociedade Brasileira de Urticária). Diretrizes nacionais sobre imunoterapia podem orientar decisões de encaminhamento (AMB: diretrizes de imunoterapia).
Fechamento: passos práticos para a consulta
- Faça anamnese direcionada e exame direcionado; use esquemas simples para classificar o tipo de alergia cutânea.
- Inicie medidas de barreira e emolientes em todos os casos de eczema; empregue corticosteroides tópicos conforme potência e local.
- Para urticária, comece anti-histamínicos não sedativos; documente evolução por pelo menos 6 semanas antes de classificar como crônica.
- Identifique sinais de infecção ou necessidade de terapia sistêmica e encaminhe quando indicado.
- Eduque o paciente sobre prevenção, identificação de gatilhos e adesão, e use referências locais para encaminhamento e testes (patch test, prick test ou consulta especializada).
Aplicando essas orientações, a atenção primária pode resolver a maioria dos casos de alergias cutâneas, reduzir complicações e direcionar com segurança os pacientes que necessitam de avaliação especializada.