Anemia ferropriva na prática ambulatorial
Introdução rápida
Como identificar e manejar a anemia ferropriva de forma eficaz no ambulatório? Dados epidemiológicos mostram que é a causa mais comum de anemia, especialmente em mulheres em idade reprodutiva, gestantes e crianças. Este texto apresenta um guia prático — diagnóstico laboratorial, causas frequentes e manejo inicial — voltado para profissionais de saúde que atuam em atenção primária e consultório.
1. Diagnóstico: critérios e interpretação prática
Exames essenciais
Na suspeita clínica (fadiga, palidez, taquicardia, dispneia), solicitar:
- Hemograma completo: confirmar Hb abaixo do valor de referência e avaliar VCM (geralmente reduzido na microcitose).
- Ferritina sérica: marcador das reservas de ferro; valores baixos confirmam deficiência (atenção: é um reagente de fase aguda e pode estar normal/alto em inflamação).
- Saturação da transferrina (Fe/TIBC ou transferrin saturation): tipicamente reduzida na deficiência de ferro.
Interpretação prática
- Ferritina baixa confirma deficiência de ferro. Se ferritina normal/alta e suspeita clínica, investigar marcadores inflamatórios (PCR) e considerar investigação complementar.
- Reticulócitos: aumento esperado em 7–10 dias após início da terapia efetiva; aumento da Hb ≈ 1 g/dL em 2–4 semanas indica resposta adequada.
Para apoio à interpretação de exames rotineiros em consultório, consulte o material prático em Interpretação de exames na rotina do consultório.
2. Causas comuns na prática ambulatorial — o que não esquecer
Priorize a investigação de causas reversíveis e potencialmente graves:
- Perda sanguínea crônica: menorragia (investigar causas ginecológicas), sangramento gastrointestinal (úlceras pépticas, neoplasias). Em adultos com anemia sem causa aparente, encaminhar para investigação gastrointestinal conforme idade e sinais de alarme (endereçamento para endoscopia/colonoscopia).
- Ingestão inadequada: dietas vegetarianas/veganas sem suplementação adequada ou deficiências alimentares.
- Aumento das necessidades: gestação, lactação, crescimento infantil.
- Má absorção: doença celíaca, ressecções gástricas/intestinal, uso crônico de inibidores de bomba de prótons.
Para triagem e investigação sistemática em atenção primária, o protocolo do blog Rastreamento e manejo da anemia ferropriva na APS apresenta fluxos úteis no consultório.
3. Manejo inicial: como iniciar a reposição e acompanhar
Reposição oral
A primeira escolha na maioria dos casos é a reposição de ferro oral, salvo contraindicações:
- Dosagem recomendada ambulatorial: aproximadamente 120–180 mg de ferro elementar por dia (por ex., sulfato ferroso 325 mg contém cerca de 65 mg de ferro elementar; ajustar conforme formulação).
- Duração: manter por pelo menos 6 meses após a normalização da Hb para reconstituir reservas.
- Dicas para melhorar adesão e absorção: administrar com vitamina C (suco de laranja) pode aumentar absorção; evitar tomar junto com leite, antiácidos ou cálcio; fracionar dose pode reduzir efeitos gastrintestinais, mas doses maiores únicas podem ser mais eficazes — adaptar ao paciente.
- Efeitos adversos mais comuns: náusea, constipação ou diarreia; orientar estratégias para minimizar e reavaliar adesão.
Quando considerar ferro intravenoso
Indicações para considerar ferro IV no ambulatório:
- Intolerância significativa ao ferro oral ou falha na reposição oral comprovada (sem aumento de Hb e reticulócitos após tratamento adequado).
- Necessidade de reposição rápida (anemia sintomática, gestantes em 2.º–3.º trimestre com anemia significativa) ou má absorção documentada.
- Doença renal crônica ou outras condições que justifiquem terapia parenteral segundo protocolos locais.
Em unidades com acesso, siga protocolos formais de administração e monitore reações alérgicas; quando em dúvida, discutir com hematologia ou serviços de referência.
Monitoramento prático
- Reavaliar Hb 2–4 semanas após início do tratamento para avaliar resposta (aumento esperado de ≈1 g/dL em 2–4 semanas).
- Checar ferritina após 2–3 meses para documentar recuperação das reservas; meta é normalizar ferritina (interpretar com PCR se inflamação coexistente).
- Se ausência de resposta: rever adesão, dosagem, absorção e investigar perdas sanguíneas ocultas.
Para orientações clínicas detalhadas sobre manejo inicial em adultos, veja também o post Anemia ferropriva adulto: diagnóstico e manejo e o resumo prático Anemia ferropriva: prática ambulatorial.
4. Sinais de alerta e encaminhamento
- Idade ≥50 anos com anemia ferropriva: alta probabilidade de sangramento gastrointestinal — considerar encaminhamento para endoscopia/colonoscopia.
- Sintomas de sangramento ativo, perda ponderal, alterações na função intestinal, ou história familiar de neoplasia: investigar prontamente.
- Gestantes com anemia moderada a grave: avaliar necessidade de intervenção mais rápida e potencial indicação de ferro IV; coordene com obstetrícia.
Referências selecionadas e leituras recomendadas
Diretrizes e revisões relevantes que embasam as práticas descritas: o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Anemia por Deficiência de Ferro do Ministério da Saúde, a revisão clínica disponível na Revista da USP e a revisão sobre anemia ferropriva na infância publicada pela UFRN.
Para fluxos de triagem e estratégias de adesão ao tratamento na atenção primária, consulte o material complementar em Adesão terapêutica e educação no consultório.
Fechamento: na prática ambulatorial, a abordagem sistemática — reconhecer sinais clínicos, confirmar com exames (ferritina, VCM, saturação de transferrina) e iniciar reposição de ferro com acompanhamento estruturado — permite corrigir a deficiência, reduzir sintomas e identificar causas subjacentes potencialmente graves. Estratégias simples para melhorar adesão e escolhas adequadas entre via oral e IV são determinantes para o sucesso terapêutico.