Rastreamento e manejo da anemia ferropriva na APS
Introdução
Você identifica rotineiramente pacientes com cansaço, tontura ou palidez? A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia no mundo e uma prioridade na atenção primária à saúde. Rastreamento precoce e manejo adequado reduzem complicações, melhoram qualidade de vida e evitam encaminhamentos desnecessários.
Epidemiologia e fatores de risco
A prevalência é maior em crianças pequenas, mulheres grávidas e mulheres em idade reprodutiva, além de populações com insegurança alimentar. Fatores de risco importantes incluem:
- Ingestão dietética insuficiente de ferro;
- Perda sanguínea crônica (menstruação abundante, sangramento gastrointestinal);
- Má absorção (doenças inflamatórias intestinais, cirurgia bariátrica);
- Infecções parasitárias que causam perda de sangue ou má absorção.
Para revisão de ações e programas de atenção básica consulte análises acadêmicas e relatórios de âmbito nacional e regional, por exemplo estudos da UFMG e UNIFESP que discutem intervenções comunitárias e resultados em primeira infância (UFMG, UNIFESP).
Diagnóstico na atenção primária
Sinais clínicos e triagem
Suspeite de anemia ferropriva em pacientes com fadiga inexplicada, taquidispneia em esforço, palidez mucocutânea ou história de sangramento. Em grupos de risco (gestantes, crianças <2 anos, mulheres em idade fértil) realize rastreamento com hemograma.
Exames laboratoriais chave
Os exames orientadores na APS são:
- Hemograma completo (Hb, VCM, RDW);
- Ferritina sérica (principal marcador de estoques de ferro);
- Saturação da transferrina (TSAT) e capacidade de ligação do ferro quando disponível;
- PCR ou sinais de inflamação quando ferritina pode estar aumentada por doença inflamatória.
Valores orientadores: ferritina baixa (por exemplo <30 ng/mL) indica deficiência; em presença de inflamação interpretar ferritina com cautela e usar TSAT ou considerações clínicas. Para revisão prática de diagnóstico veja também material de referência em saúde pública (Revista APS).
Manejo na atenção primária: abordagem prática
1. Suplementação de ferro oral
Oral é a primeira linha na maioria dos casos. Recomendações práticas para adultos:
- Objetivo: repor hemoglobina e estoques de ferro; monitorar resposta.
- Dosagem orientativa: fornecer entre ~60–200 mg de ferro elementar por dia, em doses divididas ou em esquema alternado. Exemplos: sulfato ferroso 325 mg (≈65 mg de ferro elementar) 1–3 vezes ao dia; regimes em dias alternados com doses menores podem reduzir efeitos colaterais e melhorar absorção em alguns pacientes.
- Duração: manter o tratamento por, no mínimo, 3 meses após normalização da hemoglobina para reabastecer estoques (total do tratamento frequentemente 3–6 meses).
- Monitorização: hemograma em 2–4 semanas (espera-se aumento de Hb e reticulocitose precoce) e acompanhamento a cada 4–8 semanas até normalização.
- Efeitos adversos: náuseas, constipação, epigastralgia. Orientar medidas para adesão (tomar com vitamina C, ajustar horário, avaliar formulações de menor efeito GI).
Em mulheres grávidas e crianças seguir protocolos específicos locais; para adultos com intolerância oral ou necessidade de reposição rápida, considere ferro parenteral e critérios de encaminhamento descritos abaixo.
2. Ferro parenteral e indicações de encaminhamento
- Indicações para avaliar oferta de ferro endovenoso: intolerância persistente a ferro oral, falha terapêutica (sem resposta esperada), anemia grave com necessidade de reposição rápida, doença renal crônica ou má absorção comprovada.
- Encaminhar para serviço especializado quando houver suspeita de sangramento gastrointestinal oculto, necessidade de endoscopia ou avaliação hematológica para causas não explicadas.
3. Investigação da causa e medidas complementares
- Avaliar fontes de perda: história menstrual (menorragia), sintomas gastrointestinais, uso de anticoagulantes/ AINEs;
- Sangue oculto nas fezes, e quando indicado endoscopia digestiva para pacientes com risco ou sinais de sangramento;
- Diferenciar de outras anemias microcíticas (talassemia, anemia de doença crônica) com exames apropriados ou encaminhamento especializado;
4. Educação nutricional e fortificação
A educação nutricional é parte central do manejo: promover fontes de ferro (carnes vermelhas, leguminosas, folhas verdes) e combinar com vitamina C para aumentar absorção. Oriente também sobre inibidores da absorção (café, chá e cálcio) e horários de administração.
Em comunidades de alta prevalência, estratégias de fortificação de alimentos e políticas públicas podem reduzir a carga populacional — ações discutidas em estudos de intervenção comunitária (ver UNIFESP e UFMG para exemplos de intervenções locais).
5. Controle de infecções parasitárias
Infecções como ancilostomíase, esquistossomose e giardíase contribuem para perda de ferro e má absorção. Implementar identificação, tratamento e medidas preventivas (saneamento, deparasitação quando indicado) como parte do plano de cuidado integrado.
Fluxo prático de conduta na APS
- Confirmar anemia por hemograma → avaliar ferritina e TSAT;
- Se ferritina baixa ou TSAT reduzida → iniciar suplementação oral e investigar causas de perda;
- Acompanhar resposta em 2–4 semanas; se resposta inadequada, revisar adesão, interações, absorção e investigar sangramento;
- Encaminhar para ferro parenteral ou avaliação especializada se indicado.
Pontos de atenção e comunicação com o paciente
- Explicar objetivo do tratamento: aliviar sintomas e repor estoques;
- Preparar o paciente para efeitos colaterais e promover estratégias de adesão (esquemas alternados, associação com vitamina C, trocar formulação se necessário);
- Documentar rastreamento e seguimento no prontuário e ativar busca ativa em grupos de risco quando necessário.
Integração com a equipe de saúde da família
A equipe multiprofissional tem papel-chave: agentes comunitários podem identificar casos sintomáticos e risco nutricional, enfermeiros podem coordenar rastreamento e seguimento laboratorial, nutricionistas lideram a educação nutricional e médicos definem estratégias terapêuticas e encaminhamentos. O trabalho conjunto facilita programas de suplementação de ferro profilática em grupos de risco e ações de controle de infecções parasitárias.
Recursos e leituras adicionais
Para protocolos práticos e exemplos de condutas em adultos e mulheres, veja materiais relacionados no blog clínico: anemia ferropriva: diagnóstico e manejo inicial, abordagem em mulheres adultas e avaliação e manejo em adultos.
Para fundamentação acadêmica e estratégias de atenção básica consulte estudos e revisões como os disponíveis na UFMG e UNIFESP e na literatura de APS (UFMG, Revista APS, UNIFESP).
Fechamento e insights práticos
Na atenção primária, foque em identificar grupos de risco, confirmar deficiência com ferritina/TSAT, iniciar suplementação de ferro adequada e garantir seguimento estruturado. Combine tratamento farmacológico com educação nutricional, ações de fortificação de alimentos quando aplicável e controle de parasitoses. A coordenação pela equipe de saúde da família transforma intervenções pontuais em ganhos em saúde pública.