Avaliação inicial da dor torácica no consultório
Introdução
Como identificar rapidamente um caso potencialmente fatal entre tantas causas de dor torácica no consultório? Uma avaliação inicial bem estruturada — com foco em anamnese, exame físico, estratificação de risco e exames pontuais — permite priorizar encaminhamentos e reduzir atrasos no diagnóstico de síndrome coronariana aguda, dissecção aórtica e embolia pulmonar.
1. Estratificação de risco: ferramentas e aplicação prática
Em ambiente ambulatorial, use escores para apoiar decisões sobre urgência e necessidade de encaminhamento. Os dois escores mais úteis são:
- HEART (History, ECG, Age, Risk factors, Troponin): útil para decidir observação ambulatorial versus necessidade de internação/estratificação invasiva; HEART baixo (0–3) sugere baixo risco; intermediário/alto exige avaliação adicional.
- TIMI: usado quando há suspeita de isquemia coronariana; contribui para estimar risco de eventos e necessidade de terapêutica mais agressiva.
Na prática: obtenha um ECG imediato (idealmente em até 10 minutos se houver suspeita de isquemia), solicite troponina de alta sensibilidade quando disponível e calcule HEART/TIMI para guiar conduta. Para revisão prática de protocolos, veja também o material sobre avaliar dor torácica no pronto-socorro.
2. Anamnese e exame físico: o que direciona o diagnóstico
Uma anamnese direcionada é o principal determinante da hipótese diagnóstica inicial. Perguntas-chave:
- Características da dor: início (súbito vs gradual), qualidade (apertada, em pontada, em “rasgo”), duração, irradiação (braço esquerdo, mandíbula, costas), fatores desencadeantes (esforço, repouso, movimentos respiratórios).
- Sintomas associados: dispneia, síncope, sudorese, náusea, palpitações, hemoptise.
- Fatores de risco cardiovascular: tabagismo, hipertensão, diabetes, dislipidemia, história familiar precoce.
Sinais físicos úteis:
- Instabilidade hemodinâmica, diferença de pulsos ou sopro novo — sugere dissecção aórtica.
- Taquipneia, hipoxemia, taquicardia e sinais de TVP — aumentam probabilidade de embolia pulmonar.
- Ruidos respiratórios reduzidos e dor pleurítica súbita — pensar em pneumotórax.
- Exame musculoesquelético com ponto doloroso reproduzível — provável origem músculo‑esquelética.
Para técnicas úteis de registro e documentação da história e do exame, videoaulas e guias práticos como anamnese e exame físico: guia prático são complementares.
3. Principais etiologias e pistas para diferenciá-las
Divida as causas em cardíacas e não cardíacas, priorizando sempre excluir causas potencialmente fatais.
Cardíacas
- Síndrome coronariana aguda (SCA): dor opressiva, irradiação clássica, sudorese, náuseas. ECG com supradesnivelamento ST exige encaminhamento imediato. ECG sem alteração + troponina serial avaliam SCA não-ST.
- Dissecção aórtica: dor muito intensa, em “rasgo”/“lacerante”, frequentemente irradia para as costas; sinais associados: diferença de pulsos, sopro aórtico, hipotensão. Encaminhar imediatamente para emergência com imagem (TC de tórax ou eco transesofágico em centros que dispõem).
Não cardíacas (importantes e potencialmente graves)
- Embolia pulmonar: dor pleurítica, dispneia súbita, taquicardia; use pré‑teste (Wells ou Geneva) e D‑dímero quando apropriado. Suspeita alta = investigação por angioTC de tórax.
- Pneumotórax: dor pleurítica súbita, diminuição de MV unilateral; emergência se grande ou com sinais de instabilidade.
- Origem gastrointestinal (refluxo), pericárdica (pleurítica, melhora ao inclinar‑se), ou musculoesquelética (dor reproducível à palpação/posição).
Para suporte diagnóstico imediato, o uso de ferramentas de imagem à beira do leito pode acelerar decisões. Consulte o guia de ultrassonografia beira-leito para avaliação rápida de pneumotórax, taponamento e sinais de sobrecarga direita.
4. Exames iniciais e encaminhamentos: como agir
Conduta prática inicial no consultório:
- ECG de 12 derivações imediato se suspeita de SCA; compare com traçados prévios quando possível.
- Troponina de alta sensibilidade: coletar na apresentação e repetir em 1–3 horas conforme protocolo local.
- Rx de tórax quando suspeita de pneumopatia, pneumotórax ou para avaliar silhueta cardíaca em dúvidas.
- D‑dímero em pacientes com baixa/intermediária probabilidade pré‑teste para excluir embolia pulmonar; evite em pacientes com alta probabilidade.
- POCUS para avaliação rápida de pericárdio, pneumotórax e RV dilatado.
Encaminhamentos:
- Alto risco (ECG isquêmico, troponina positiva, sinais de dissecção, instabilidade): encaminhar imediatamente para emergência com protocolo de dor torácica ativado.
- Intermediário (HEART/TIMI intermediário, sintomas suspeitos sem provas objetivas): observação com troponinas seriadas, considerar internação para monitorização ou testes não invasivos (imagiologia de isquemia) conforme disponibilidade.
- Baixo risco com provável etiologia não cardíaca: manejo ambulatorial com orientações, analgesia dirigida e agendamento de acompanhamento; reavaliar se piora.
Integração com reabilitação e seguimento: pacientes pós-SCA ou com isquemia documentada devem ter encaminhamento para reabilitação cardíaca ambulatorial e plano de secundária prevenção.
Fechamento e recomendações práticas
Resumo prático para uso imediato no consultório:
- Priorize ECG e troponina em qualquer suspeita de isquemia.
- Use HEART/TIMI como auxílio na estratificação de risco, nunca como substituto do juízo clínico.
- Sinais de dor súbita intensa, diferença de pulsos ou instabilidade → pensar em dissecção aórtica e referir com urgência.
- Dispneia súbita + taquicardia/hipoxemia → considerar embolia pulmonar e aplicar pré‑teste/D‑dímero ou angioTC conforme probabilidade.
- Utilize POCUS e Rx de tórax para informações rápidas que orientam encaminhamentos.
Para aprofundar protocolos locais e recomendações, consulte as diretrizes e revisões citadas: o guia da SOCERJ sobre dor torácica em sala de emergência, o resumo prático do Sanarmed e estudos de avaliação de manejo de angina instável disponíveis no PubMed que reforçam a importância de estratificação e modelos de cuidado rápido (pubmed).
Aplicar essa estrutura melhora a segurança do paciente e a eficiência do manejo. Em caso de dúvida, prefira encaminhar para avaliação emergencial — os custos de um atraso diagnóstico podem ser graves.