Detecção precoce de alterações oculares na clínica geral
Público-alvo
Profissionais de saúde — clínicos gerais e equipe de atenção primária que realizam triagem, rastreamento e encaminhamento oftalmológico.
Introdução
Você consegue identificar em poucos minutos um sinal que previna perda visual permanente? A detecção precoce de alterações oculares na clínica geral salva visão: muitas complicações são evitáveis com reconhecimento de sinais de alerta, rastreamento oftalmológico básico e encaminhamento adequado. Este guia prático resume o que fazer na consulta, quando encaminhar e como priorizar emergências oftalmológicas.
Sinais de alerta fundamentais
Separe sintomas que exigem ação imediata dos que podem ser avaliados de forma ambulatorial.
Sintomas que representam emergência ou urgência
- Perda súbita de visão (total ou parcial) ou escurecimento progressivo em horas — encaminhar imediatamente.
- Dor ocular intensa, acompanhada de náusea/vômito ou sinais de trauma — suspeitar de perfuração, glaucoma agudo ou uveíte grave.
- Fotopsias (flash) e aumento súbito de moscas volantes — risco de descolamento de retina.
- Queda acentuada da acuidade visual em dias ou horas, secreção purulenta com dor e edema palpebral intenso — possível celulite orbital ou ceratite invasiva.
- Exposição a substância cáustica ou trauma penetrante — atendimento emergencial.
Sinais de alerta em consulta de rotina
- Redução progressiva da acuidade visual sem dor — considerar retinopatia, catarata ou glaucoma.
- Alterações nas pupilas (anisocoria nova, déficit aferente relativo) — alerta para lesão do nervo óptico ou retina.
- Hiperemia conjuntival persistente, secreção atípica ou dor leve de instalação subaguda — investigar conjuntivites, glaucoma secundário ou ceratite.
- História familiar de doenças oculares (glaucoma, retinopatias hereditárias) — intensificar rastreamento.
Rastreamento oftalmológico básico na clínica geral
O rastreamento começa pela anamnese e exame dirigidos, com testes simples que podem ser feitos na sala de consulta.
Anamnese dirigida
- Tempo e início dos sintomas, progressão, dor, presença de sinais sistêmicos.
- Doenças crônicas relevantes: diabetes, hipertensão, doença autoimune, uso de corticosteroides.
- Histórico familiar de glaucoma, perda visual precoce ou retinopatia hereditária.
- Exposição ocupacional, trauma recente, cirurgia ocular e uso de lentes de contato.
Exame físico essencial (passo a passo)
- Avaliação da acuidade visual: Snellen ou optotipos equivalentes; testar cada olho separadamente e com correção atual. Queda de duas linhas ou mais deve aumentar a suspeita.
- Campimetria clínica: escotomas centrais ou perda de campo detectada com confrontação indicam necessidade de investigação.
- Motilidade ocular: cheque restrições de movimento, diplopia e posição do olhar.
- Reflexos pupilares: presença de déficit aferente relativo (swinging flashlight) sugere lesão retiniana ou do nervo óptico.
- Inspeção palpebral e conjuntival: edema, eritema, secreção, ptose.
- Pressão intraocular: quando disponível, tonometria (valores >21 mmHg demandam avaliação oftalmológica, lembrando que só o valor isolado não define glaucoma).
- Fundoscopia direta ou com oftalmoscópio indireto: avaliar disco óptico (escavação, edema papilar), vasos e retina; dilatação com midriático pode ser necessária se houver suspeita retiniana e não houver contraindicação.
Testes complementares simples
- Lâmpada de fenda (se disponível): essencial para córnea, câmara anterior e avaliação de feridas/ulcerações.
- Teste de fluoresceína: para erosões e úlceras corneanas.
- Tonômetro portátil (de aplanação ou de sopro): mensurar pressão intraocular.
Para orientação prática e fluxos de encaminhamento em atenção primária veja material de apoio disponível no blog sobre saúde ocular na atenção primária e avaliação oftalmológica e critérios de encaminhamento.
Critérios práticos de encaminhamento
Organize prioridades para facilitar comunicação com oftalmologia e evitar demora no tratamento.
Encaminhamento emergencial (avaliar e encaminhar em horas)
- Perda súbita de visão, dor ocular intensa com náuseas, trauma penetrante, queimadura química, suspeita de descolamento de retina, celulite orbital.
- Suspeita de perfuração ocular ou corpo estranho intraocular.
Encaminhamento urgente (avaliar em dias — até 7 dias)
- Queda rápida da acuidade visual sem dor, sinais suspeitos de uveíte anterior, pressões intraoculares persistentemente elevadas, alteração substantiva no fundo de olho sem dor.
Encaminhamento eletivo (avaliar em semanas — até 30 dias)
- Visão gradualmente reduzida por catarata, queixas crônicas de olho seco refratárias a medidas básicas, suspeita de retinopatia incipiente que precisa de avaliação especializada.
Para triagem de retinopatia diabética e glaucoma em atenção primária, consulte diretrizes locais e recursos como o post sobre detecção precoce de retinopatia e glaucoma na APS, que traz fluxos de rastreamento e periodicidade.
Quando e como documentar e comunicar
Registre acuidade, pressão intraocular, achados de fundo de olho e fotografia ou descrição clínica. Ao encaminhar, inclua:
- Resumo da anamnese e tempo de sintomas.
- Exames realizados e resultados (VA, IOP, pupilas, fundoscopy).
- Urgência recomendada e motivo clínico específico.
Papel do médico generalista na prevenção da perda visual
O clínico integra prevenção e coordenação: rastreamento em populações de risco (diabetes, hipertensão, uso crônico de corticoides), educação do paciente sobre cuidados com lentes de contato, vacinação quando aplicável e adesão a seguimento oftalmológico. Encaminhar precocemente reduz internações, procedimentos de emergência e sequelas irreversíveis.
Evidências e recursos para aprofundar
Diretrizes e revisões citam a importância de protocolos claros na atenção primária. Por exemplo, as Diretrizes de Atenção à Saúde Ocular na Infância (Ministério da Saúde) orientam detecção precoce em crianças; recomendações práticas para emergências estão descritas em revisões dirigidas a não oftalmologistas, como apresentado em publicações do RMMG sobre emergências oftalmológicas e sobre desafios do diagnóstico precoce do glaucoma congênito.
Fechamento prático e próxima etapa
Resumo de ações imediatas que você pode aplicar:
- Na triagem: medir acuidade visual e documentar; qualquer perda súbita exige avaliação ocular emergencial.
- Identificar sinais de alerta e priorizar encaminhamento (horas/dias/semanas).
- Utilizar testes simples (lâmpada de fenda, fluoresceína, tonometria) quando disponíveis; caso contrário, encaminhar conforme sinais clínicos.
- Registrar claramente dados e motivo do encaminhamento para otimizar o atendimento especializado.
Para apoio à anamnese e exame físico geral consulte o guia prático de anamnese e exame físico e para fluxos de avaliação oftalmológica veja avaliação oftalmológica e encaminhamento no blog. Implementar um protocolo simples de rastreamento oftalmológico na sua unidade melhora a saúde ocular da população atendida e facilita a detecção precoce de alterações potencialmente graves.
Checklist rápido:
- Medir VA em todos os pacientes com queixa visual.
- Pesquisar sintomas de alarme: perda súbita, dor intensa, flashes/floaters, trauma, queimadura.
- Realizar exame ocular básico; encaminhar conforme prioridade.
- Documentar e comunicar claramente ao oftalmologista.