Detecção precoce da doença renal crônica na atenção primária
A Doença Renal Crônica (DRC) é uma condição progressiva com impacto importante em morbimortalidade e qualidade de vida. Na atenção primária, a identificação precoce, o controle de fatores de risco e o encaminhamento adequado reduzem complicações, atrasam a necessidade de diálise e melhoram resultados. A seguir, orientações práticas para profissionais e informações úteis para pacientes.
Por que identificar cedo: triagem e impacto clínico
A detecção precoce permite intervenções eficazes sobre fatores modificáveis — controle glicêmico, pressão arterial e cessação do tabagismo — além de monitorização sistemática da função renal. Diretrizes internacionais, como as KDIGO, enfatizam a avaliação rotineira em populações de risco para reduzir progressão e eventos cardiovasculares. No contexto brasileiro, recomendações da Sociedade Brasileira de Nefrologia e orientações nacionais reforçam a integração entre atenção primária e serviços especializados.
Fatores de risco principais
- Hipertensão arterial sistêmica (HAS) — principal causa modificável de dano renal.
- Diabetes mellitus — a nefropatia diabética é responsável por grande parte das indicações de terapia renal substitutiva.
- Idade ≥60 anos, histórico familiar de doença renal (ex.: doença renal policística), obesidade e tabagismo.
TFGe e albuminúria na triagem
A avaliação básica na atenção primária deve incluir estimativa da taxa de filtração glomerular (TFGe) pela creatinina e pesquisa de albuminúria (relação albumina/creatinina urinária ou albuminúria de 24 h quando indicada). A combinação TFGe + albuminúria classifica risco e orienta o seguimento e o encaminhamento. Pacientes com TFGe persistente <60 mL/min/1,73 m2 ou albuminúria moderada/alta (A2/A3) exigem monitorização intensificada e, frequentemente, avaliação nefrológica.
Como organizar a triagem na consulta
- Rastrear TFGe e albuminúria em pacientes com diabetes, hipertensão, idade avançada ou história familiar.
- Repetir avaliações em 3 meses para confirmar acometimento crônico quando alterações iniciais são detectadas.
- Documentar declínio da TFGe ao longo do tempo — taxa de queda rápida é sinal de alerta.
Controle de comorbidades e prevenção
O manejo integrado de hipertensão e diabetes é central. Metas pressóricas e terapias anti-hipertensivas com bloqueadores do sistema renina-angiotensina são frequentemente indicadas, conforme as diretrizes de hipertensão. No diabetes, otimizar glicemia e utilizar estratégias de monitorização contínua quando apropriado ajuda a reduzir risco renal (veja também monitoramento glicêmico na atenção primária).
Quando encaminhar ao nefrologista
Encaminhe o paciente ao especialista nas situações abaixo:
- TFGe <60 mL/min/1,73 m2 persistente (por ≥3 meses) ou queda rápida da TFGe.
- Albuminúria moderada a grave (A2/A3) persistente.
- Hipertensão resistente a três classes de anti-hipertensivos, incluindo diurético.
- Sinais de uremia, hipercalemia refratária, acidose metabólica não controlada ou alterações eletrolíticas importantes.
- Suspeita de doença renal hereditária, glomerulonefrites ou hematúria persistente.
- Planejamento de acesso vascular para diálise ou avaliação pré-transplante.
Coordenação multidisciplinar
O manejo efetivo da DRC exige equipe com médico da família, nefrologista, nutricionista, enfermeiro e assistente social. Protocolos de encaminhamento claros, educação ao paciente sobre dieta e restrição de sal, e programas de cessação tabágica melhoram adesão e desfechos.
Principais desafios e soluções práticas
Na atenção primária, barreiras frequentes incluem falta de treinamento específico, restrições de acesso a exames e fragmentação do cuidado. Soluções pragmáticas: implantação de fluxos locais para triagem, capacitação continuada da equipe e uso de listas de risco para priorizar pacientes. Guias de referência rápida (locais e internacionais) — como os da KDIGO, SBN e informações da Organização Mundial da Saúde — ajudam a padronizar práticas e apoiar a tomada de decisão.
Encaminhamento ao nefrologista: orientações práticas
Resumo de ações imediatas na atenção primária:
- Confirmar alterações com repetição de TFGe e albuminúria em 3 meses.
- Controlar pressão arterial conforme metas e revisar medicações nefrotóxicas (AINEs, contrastes quando possível).
- Otimizar controle glicêmico e revisar fármacos que beneficiam rim em diabetes quando indicados.
- Solicitar encaminhamento quando critérios de risco estiverem presentes, descrevendo TFGe, albuminúria, tendência temporal e comorbidades.
- Agendar educação e acompanhamento multiprofissional enquanto aguarda avaliação nefrológica.
Investir em triagem sistemática na atenção primária e estreitar a comunicação com especialistas reduz internações e melhora prognóstico. Para protocolos locais e materiais educativos, considere alinhar fluxos com as recomendações nacionais e internacionais citadas e adaptar ações ao contexto da sua rede de atenção.