Monitoramento contínuo de glicose (CGM) na diabetes tipo 2: guia prático para atenção primária

O uso do monitoramento contínuo de glicose (CGM) em pacientes com diabetes tipo 2 tem se consolidado na prática clínica da atenção primária. O objetivo é ampliar o tempo na faixa glicêmica (TIR), reduzir episódios de hipoglicemia e personalizar estratégias terapêuticas. Este guia prático foca em decisões clínicas, seleção de pacientes, fluxos de trabalho e integração com ferramentas digitais, incluindo telemedicina.

O que é monitoramento contínuo de glicose (CGM) e como difere do monitoramento tradicional

O CGM usa sensores subcutâneos que registram a glicose intersticial a cada poucos minutos, fornecendo curvas glicêmicas ao longo de dias ou semanas. Ao contrário da glicemia capilar pontual (SMBG), o CGM permite:

  • Visualizar tendências glicêmicas diurnas e noturnas;
  • Acessar métricas como tempo na faixa (TIR), tempo acima da faixa (TAR) e tempo abaixo da faixa (TBR);
  • Detectar hipoglicemias assintomáticas e picos hiperglicêmicos não percebidos pelo paciente;
  • Fornecer dados para decisões terapêuticas baseadas em padrão glicêmico, não apenas em valores isolados.

Existem dois tipos principais: CGM em tempo real (rtCGM), com alertas e transmissão contínua, e CGM de leitura intermitente (isCGM), em que o paciente lê o sensor periodicamente. A escolha depende da adesão, custo, necessidade de alertas e infraestrutura para compartilhamento de dados com a equipe clínica.

Benefícios do CGM na diabetes tipo 2 em atenção primária

Em atenção primária, o CGM tem demonstrado benefícios especialmente em pacientes que utilizam insulina ou apresentam grande variabilidade glicêmica. Benefícios reconhecidos:

  • Aumento do TIR e redução de hipoglicemias;
  • Melhora da qualidade de vida pela maior previsibilidade glicêmica;
  • Dados acionáveis para ajuste de medicamentos (insulina basal, terapia prandial, inibidores de SGLT2, inibidores de DPP-4 etc.);
  • Facilitação da telemedicina e do acompanhamento remoto, reduzindo consultas presenciais desnecessárias.

Para interpretar o CGM é essencial avaliar TIR, TAR, TBR e a variabilidade glicêmica. Essas métricas ajudam a individualizar metas glicêmicas conforme idade, comorbidades e risco de hipoglicemia.

Veja também: telemedicina na prática clínica, recurso útil para telemonitoramento de pacientes com CGM.

Quem pode se beneficiar do CGM na atenção primária?

A seleção deve considerar quadro clínico, capacidade de uso do dispositivo e recursos locais. Perfis que costumam beneficiar-se:

  • Pacientes com diabetes tipo 2 e controle glicêmico inadequado apesar de terapias orais (p. ex. metformina) ou com HbA1c elevada;
  • Pacientes em uso de insulina basal ou basal-bolus que necessitam de ajuste fino de dose;
  • Pacientes com episódios de hipoglicemia recorrente ou hipoglicemias assintomáticas;
  • Pacientes com dificuldade em realizar SMBG frequente ou com barreiras de adesão.

Idosos frágeis ou pessoas com baixa literacia digital podem se beneficiar com suporte de cuidadores, educação estruturada e integração com telemedicina.

Protocolos práticos para implementação do CGM na atenção primária

Um programa eficiente requer fluxo de trabalho claro, treinamento e critérios de inclusão e descontinuação. Framework prático:

1) Metas clínicas e critérios de elegibilidade

  • Defina metas glicêmicas personalizadas (TIR, HbA1c alvo) conforme idade, comorbidades e risco de hipoglicemia;
  • Inclua pacientes com falha terapêutica ao SMBG, necessidade de ajuste de insulina ou hipoglicemias inexplicadas;
  • Documente expectativas: frequência de uso do sensor, rotina de leitura e compartilhamento de dados.

2) Escolha do tipo de CGM e aquisição

  • Analise custo-benefício, disponibilidade local e reembolso por planos ou sistemas públicos;
  • Considere rtCGM para quem precisa de alertas; isCGM para monitoramento menos intrusivo;
  • Verifique compatibilidade com prontuário eletrônico e plataformas de telemedicina.

3) Educação do paciente e da família

  • Treine inserção do sensor, duração e troca, calibração quando aplicável e sinais de falha;
  • Explique métricas: TIR, TAR, TBR e variabilidade glicêmica, relacionando-as à dieta, atividade física e medicações;
  • Defina plano alimentar e de atividade alinhado com os dados do CGM.

4) Integração ao fluxo clínico e telemonitoramento

  • Programe revisões remotas periódicas para avaliação de padrões e ajustes terapêuticos;
  • Estabeleça protocolos de encaminhamento para escalonamento terapêutico quando necessário;
  • Distribua responsabilidades na equipe multiprofissional (enfermagem, nutrição, farmácia) para revisão de dados.

Mantenha links úteis: telemedicina na prática clínica e integração com a farmácia clínica.

Interpretação de dados do CGM: o que observar no consultório

Além da glicose média, avalie padrões e variabilidade para orientar intervenções. Pontos-chave:

  • TIR como métrica principal; alvo comum é TIR ≥ 70% (70–180 mg/dL), ajustando conforme o paciente;
  • Avaliar TAR e TBR para identificar hiperglicemias agudas e hipoglicemias não detectadas;
  • Revisar curvas noturnas para eventos hipoglicêmicos noturnos;
  • Monitorar variabilidade glicêmica, que se associa a maior risco de hipoglicemia e complicações.

Use gráficos simples para explicar ao paciente e um resumo consolidado para a equipe. Personalize metas levando em conta idade, tempo de doença e risco de hipoglicemia.

Desafios comuns e estratégias para superá-los

  • Custo e cobertura: negocie parcerias, programas piloto e alternativas de aquisição coletiva;
  • Adesão: educação personalizada, materiais visuais e suporte remoto por mensagens ou telefone;
  • Fluxo de trabalho: defina quem revisa dados, frequência de revisão e modos de comunicação com o paciente;
  • Gestão de dados: políticas claras de privacidade, armazenamento seguro e consentimento informado;
  • Treinamento da equipe: simulações clínicas e atualizações periódicas sobre tecnologia e interpretação de métricas.

Casos clínicos exemplares

Caso 1: paciente em metformina com HbA1c elevada

58 anos, IMC 29, HbA1c 8,2%, sem complicações microvasculares. Uso de rtCGM para mapear padrões e aumentar TIR. Perguntas-chave: qual meta de HbA1c individualizada? Ajustar para inibidor de DPP-4, SGLT2 ou introduzir insulina basal? Espera-se aumento do TIR e redução de hipoglicemias nocturnas.

Links de interesse: insuficiência cardíaca na atenção primária e dieta cardiovascular na meia-idade.

Caso 2: paciente em regime basal-bolus com hipoglicemias

65 anos, HbA1c 7,5%, insulina basal 20 U à noite e bolus pré-refeição. rtCGM com alertas de hipoglicemia. Ajustes de dose baseados em padrões podem reduzir hipoglicemias noturnas sem piorar a glicemia diurna.

Link: marcapasso e ritmos de tratamento na prática clínica.

Privacidade, ética e continuidade do cuidado

Obtenha consentimento informado, explicando coleta, armazenamento e compartilhamento dos dados. Siga normas locais de proteção de dados. Estruture planos de escalonamento e continuidade entre consultas presenciais e telemonitoramento, com protocolos para encaminhamento a níveis especializados quando necessário.

Impactos organizacionais e checklist para começar hoje

A adoção do CGM pode aumentar eficiência, reduzir visitas desnecessárias e engajar o paciente. Planeje recursos humanos, integração ao prontuário e suporte técnico. Checklist prático:

  • Definir critérios clínicos de elegibilidade e metas (TIR, HbA1c);
  • Escolher tipo de CGM conforme custo, infraestrutura e preferência do paciente;
  • Organizar educação ao paciente e suporte a cuidadores;
  • Estabelecer fluxos de telemonitoramento e comunicação entre a equipe;
  • Integrar dados ao prontuário com regras de privacidade;
  • Desenvolver protocolos de escalonamento terapêutico baseados em TIR, TAR e TBR;
  • Monitorar resultados clínicos e econômico-operacionais do programa.

Próximos passos e recomendações práticas

O CGM é uma ferramenta valiosa para personalizar o cuidado da diabetes tipo 2 na atenção primária. Priorize seleção adequada de pacientes, educação da equipe e integração com telemedicina para maximizar TIR e reduzir hipoglicemias. Recomenda-se iniciar um piloto com uma coorte definida, treinar a equipe em interpretação de métricas (TIR, TAR, TBR, variabilidade glicêmica) e documentar resultados clínicos e econômicos para sustentar a continuidade do projeto.

Para aprofundar, consulte os recursos sobre telemedicina na prática clínica, integração com a farmácia clínica e monitoramento domiciliar de outras condições correlatas.

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