Detecção precoce do glaucoma na atenção primária
Introdução
Quanto antes identificarmos o glaucoma, maior a chance de preservar visão e evitar cegueira irreversível. O glaucoma é uma doença crônica que causa dano progressivo ao nervo óptico e tem prevalência estimada de 2–3% na população brasileira acima de 40 anos — informação relevante para planejar ações de triagem na atenção primária (Sociedade Brasileira de Glaucoma).
1. Por que a detecção precoce é essencial?
A perda visual por glaucoma é, em grande parte, irreversível. A detecção precoce permite iniciar tratamento que reduz a progressão e preserva qualidade de vida. Na prática comunitária, identificar indivíduos em risco e encaminhar oportunamente para avaliação especializada é uma intervenção de alto impacto.
Pontos-chave
- Doença crônica e progressiva com dano axonal ao nervo óptico.
- Perda visual muitas vezes silenciosa nas fases iniciais — a triagem aumenta a chance de diagnóstico precoce.
- População alvo inicial: adultos com >40 anos, pessoas com histórico familiar de glaucoma, miopia axial alta, uso crônico de corticosteroides, portadores de diabetes (triagem ocular integrada).
2. Limitações da triagem oftalmológica básica na APS
Exames realizados rotineiramente na atenção primária, como o exame de fundo com oftalmoscópio direto, têm baixa sensibilidade para doenças oculares específicas, incluindo alterações iniciais de glaucoma. Estudos apontam falhas na precisão diagnóstico-triagem realizadas em APS, o que reforça a necessidade de protocolos e treinamento adequados (ANAD – estudo sobre triagem).
Implicações práticas
- Não confie apenas no exame de fundo com oftalmoscópio direto para excluir glaucoma.
- Medidas isoladas (como pressão intraocular) não detectam todos os casos — existe glaucoma de pressão normal.
- Ter protocolos padronizados reduz variabilidade e melhora encaminhamentos.
3. Como estruturar uma triagem eficaz na atenção primária
Uma estratégia pragmática combina ações simples, equipamentos acessíveis, critérios claros de encaminhamento e integração com serviços especializados. Orientações oficiais, como o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Glaucoma, e as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Glaucoma devem orientar fluxos locais.
Checklist prático para consulta na APS
- Anamnese direcionada: perda de campos visuais percebida, história familiar de glaucoma, uso de corticosteroides, cirurgia ocular prévia.
- Avaliação visual: acuidade visual com correção disponível; qualquer redução inexplicada merece atenção.
- Exame de fundo: quando possível, com retinografia não midriática — registre imagens se houver (útil para telemedicina).
- Pressão intraocular (PIO): medir quando há equipamento; valores >21 mmHg exigem reavaliação/encaminhamento, lembrando que PIO normal não exclui glaucoma.
- Avaliação do disco óptico: observar assimetria do escavamento entre olhos (diferença >0,2) ou escavação focal; qualquer suspeita → encaminhar.
- Critérios de encaminhamento prioritário: PIO persistentemente elevada, C/D (cup-to-disc) >0,6 ou assimetria significativa, defeito visual funcional, perda de campo visual documentada ou imagens de fundo que sugiram neuropatia óptica glaucomatosa.
Para integrar a triagem ocular na rotina da APS e organizar fluxos de encaminhamento, consulte nosso material sobre saúde ocular na atenção primária e sobre rastreio de retinopatia diabética — estratégias que podem ser adaptadas à detecção de glaucoma.
4. Treinamento, protocolos e articulação com a rede de atenção
Investir em educação continuada e em protocolos padronizados é determinante. As diretrizes terapêuticas e documentos oficiais fornecem critérios clínicos e fluxos de atenção que devem ser incorporados localmente. A colaboração entre APS e oftalmologia reduz encaminhamentos desnecessários e identifica casos prioritários mais cedo.
Estratégias operacionais
- Capacitação periódica de profissionais da APS em identificação de sinais de risco e uso de equipamentos básicos.
- Implantação de triagens com retinógrafos não midriáticos e teleconsultoria para revisão de imagens por especialistas.
- Protocolos locais baseados nas diretrizes da SBG e no PCDT de glaucoma (documento estadual/nacional) para unificar critérios de encaminhamento.
- Rotinas de registro e recall (agendamento de reavaliação) para pacientes com fatores de risco.
Promover a integração entre APS e atenção especializada é essencial: estabeleça canais formais de encaminhamento e contrarreferência para monitorar resultados e melhorar a qualidade do rastreamento (veja orientações sobre integração em integração APS–hospitalar).
Fechamento e recomendações práticas
Para operacionalizar uma triagem eficaz de glaucoma na atenção primária, priorize:
- Definir população alvo (p. ex. >40 anos, história familiar, uso de esteroides).
- Adotar checklists simples na consulta e critérios de encaminhamento claros (PIO elevada, C/D aumentado, assimetria, perda visual).
- Capacitar equipes e implantar soluções de telemedicina/imagens quando possível.
- Basear fluxos nos protocolos oficiais — incluindo o PCDT para glaucoma e nas diretrizes da SBG.
Implementações simples, auditáveis e integradas reduzem diagnósticos tardios. Ao estruturar rotinas de triagem oftalmológica e promover a articulação com oftalmologistas, a atenção primária cumpre papel central na detecção precoce do glaucoma e na proteção da visão da comunidade.