O que é angioedema hereditário (HAE): sinais e tratamento
O angioedema hereditário (HAE) é uma doença genética rara caracterizada por episódios recorrentes de edema rápido, sem prurido e, geralmente, sem urticária. A fisiopatologia envolve a via da bradicinina e não a resposta histaminérgica típica do angioedema alérgico. Este texto apresenta, de forma objetiva e baseada em evidência, os sinais clínicos, o diagnóstico laboratorial e as opções terapêuticas — informações úteis tanto para profissionais de saúde quanto para pacientes e familiares.
O que é angioedema hereditário (HAE)
HAE é uma doença de herança autossômica dominante causada por alterações no inibidor de C1 do sistema complemento (C1‑INH) ou por outras mutações associadas à via da bradicinina. Os tipos mais reconhecidos são:
- Tipo I: redução quantitativa de C1‑INH (≈85% dos casos).
- Tipo II: C1‑INH presente em quantidade normal, porém com função reduzida.
- HAE com C1‑INH normal (antes chamado tipo III): associado a mutações como em F12 ou a fatores hormonais, frequentemente observado em mulheres e sensível ao estrogênio.
C1-INH e diagnóstico
O diagnóstico combina história clínica, exames laboratoriais e, quando indicado, testes genéticos. Exames úteis incluem:
- Dosagem de C4: marcador de triagem, muitas vezes baixo durante e entre ataques.
- Medida quantitativa e funcional de C1‑INH para diferenciar Tipo I e Tipo II.
- Testes genéticos quando C1‑INH está normal, para avaliar mutações em genes associados ao HAE.
Sinais e apresentação clínica
Os ataques são imprevisíveis e podem ser desencadeados por trauma, procedimentos cirúrgicos, estresse, infecções ou alterações hormonais. Características típicas:
- Edema não pruriginoso e sem urticária, com início súbito e resolução espontânea em 24–72 horas.
- Edema mucoso: lábios, língua, mucosa nasal e trato gastrointestinal.
- Ataques abdominais: dor cólica intensa, náuseas, vômitos e distensão, frequentemente confundidos com causas cirúrgicas.
- Ataque laríngeo: emergência médica devido ao risco de obstrução das vias aéreas.
Bradicinina e tratamento on-demand
A via da bradicinina é central no HAE; por isso, terapias que bloqueiam sua geração ou ação são eficazes no manejo agudo. Opções comprovadas para tratamento on‑demand incluem:
- Concentrado de C1‑INH derivado de plasma (administração IV) — restaura a função do inibidor e acelera a resolução do edema.
- Icatibant — antagonista do receptor B2 da bradicinina, administrado por via subcutânea.
- Ecallantide — inibidor da kallikreína, disponível em algumas localidades para uso subcutâneo.
Em sinais de comprometimento das vias aéreas, garantir suporte da via aérea e acesso rápido a terapia específica é essencial.
Como diagnosticar
Suspeitar de HAE quando houver edema recorrente sem urticária e sem resposta a anti‑histamínicos. A abordagem diagnóstica prática inclui:
- Solicitar C4 e C1‑INH (quantitativa e funcional) como exames iniciais.
- Interpretar resultados por profissionais experientes; repetir testes em situações duvidosas ou quando realizados na fase aguda.
- Considerar teste genético quando indicado (C1‑INH normal) e oferecer aconselhamento genético familiar — veja nossa página sobre aconselhamento genético e condutas iniciais em doenças crônicas.
Diferenciais importantes
- Angioedema histamínico (alérgico): geralmente com urticária e resposta a anti‑histamínicos.
- Angioedema induzido por inibidores da ECA: histórico de uso de IECAs e quadro variável.
- Edema infeccioso/inflamatório: costuma apresentar febre e sinais inflamatórios.
Profilaxia e terapias de longo prazo
A profilaxia é indicada em pacientes com ataques frequentes, de grande gravidade ou com impacto funcional importante. Estratégias:
- Profilaxia de curto prazo antes de procedimentos invasivos: administração profilática de C1‑INH ou, quando indicado, uso de ácido tranexâmico conforme protocolo.
- Profilaxia de longo prazo: opções incluem andrógenos atenuados (ex.: danazol) em casos selecionados, lanadelumab (anticorpo monoclonal anti‑kallikreína) e berotralstat (oral), que reduzem a frequência de ataques. A escolha deve ser individualizada considerando eficácia, efeitos adversos, sexo e planos reprodutivos.
Gestão na gravidez, pediatria e adolescência
Durante a gravidez, o concentrado de C1‑INH derivado de plasma é considerado seguro para tratamento de ataques e profilaxia. Em crianças, doses e estratégias são adaptadas ao peso e ao desenvolvimento; em adolescentes, é importante envolver família, escola e plano de emergência.
Prevenção de complicações e plano prático
Pacientes devem ter um plano de ataque individualizado com medicamentos de uso imediato, instruções claras e contatos de emergência. Recomenda‑se portar um cartão com diagnóstico e tratamentos disponíveis. Medidas práticas incluem evitar IECAs, revisar contraceptivos com estrogênio em pessoas sintomáticas e reconhecer gatilhos (trauma, infecções, estresse).
Para pacientes que apresentam dor abdominal durante ataques, informações sobre manejo da dor são úteis; consulte também nosso conteúdo sobre dor abdominal inespecífica na prática clínica para referências práticas.
Aspectos para a prática clínica
- Triagem rápida: edema recorrente sem urticária e sem resposta a anti‑histamínicos deve levantar suspeita de HAE.
- Sequência diagnóstica: C4 → C1‑INH (quantitativo e funcional) → testes genéticos quando indicado.
- Disponibilizar tratamento on‑demand nas emergências e elaborar protocolos locais para manejo de edema laríngeo.
- Aconselhamento familiar e avaliação de parentes de primeiro grau.
Para discussão de prescrição segura e manejo de terapias complexas que se relacionam com o acompanhamento de pacientes crônicos, veja nosso conteúdo sobre prescrição segura e diretrizes de tratamento.
Pontos-chave sobre angioedema hereditário (HAE)
HAE exige diagnóstico precoce, terapias específicas para ataques agudos (C1‑INH, icatibant, ecallantide quando disponível) e avaliação da necessidade de profilaxia (lanadelumab, berotralstat, ácido tranexâmico, entre outras). Educação do paciente, plano de emergência e acompanhamento multidisciplinar reduzem risco de complicações, especialmente edema laríngeo, e melhoram a qualidade de vida.
Este material oferece uma visão clínica prática e atual sobre angioedema hereditário, enfatizando diagnóstico com C4/C1‑INH, papel da bradicinina na fisiopatologia e opções de profilaxia e tratamento on‑demand. Para aprofundar, explore também nossos textos sobre condutas iniciais em doenças autoimunes e manejo ambulatorial de síndromes gastrointestinais, links incorporados ao longo do texto.